O motorista

Usei o aplicativo do celular para chamar um dos transportes nas redondezas do escritório, visto que precisaria me deslocar para uma área fora da cidade, ainda não coberta pelo metrô. O veículo, lembrando uma bolha de plástico sobre quatro rodas, com quatro poltronas dispostas em círculo, chegou em poucos minutos e parou à minha frente. Um seção do domo transparente ergueu-se e eu entrei; sentei-me em uma das poltronas e afivelei o cinto de segurança. Com um bipe de confirmação, o veículo engatou uma primeira e juntou-se a um grupo que movia-se como um cardume sincronizado rumo à via expressa mais próxima. Ao meu redor, veículos similares, alguns com lotação completa e poucos (como no meu caso), apenas com um único passageiro. Naturalmente, pagava-se mais caro para viajar só, mas nem todo mundo apreciava dividir o mesmo transporte individual com estranhos; ou, como ocorrera comigo, simplesmente não havia ninguém desejando ir na mesma direção naquele momento específico.

- Deseja ouvir música, senhor?

Uma voz masculina sintetizada despertou-me dos meus devaneios: era a Inteligência Artificial que controlava o veículo.

- Não, grato. Gostaria de conversar...

Com uma manobra elegante, o transporte desgarrou-se de um grupo de dezesseis veículos e entrou na via expressa, em formação com outros três módulos.

- Sobre qual assunto, senhor?

- O seu trabalho. Você é responsável pelo controle de todos os veículos autônomos em operação?

- De fato, senhor. Sou o Controle Mestre de todos os veículos autônomos da cidade.

- Nunca lhe chamaram de... motorista?

- Eventualmente, senhor, embora não seja muito comum. As pessoas sabem que sou um sistema remoto, não uma entidade física que dirige este veículo, especificamente.

- Você sabe que já houve um tempo em que seres humanos dirigiam transportes... chamados, um tanto erroneamente, de automóveis?

- Estou a par deste fato, senhor. E me parece também que era uma época onde 90% dos acidentes de trânsito eram causados por imperícia humana.

- Sim, era uma época bárbara. Pessoas bebiam e pilotavam os tais automóveis, com resultados previsíveis.

Nosso grupo estava agora reduzido a dois veículos. No módulo ao lado, uma garota loura, de vestido escuro, conversava ao celular. Finalmente, nos destacamos e saímos da via expressa, entrando numa pista secundária de tráfego reduzido.

- Acredito que agora as pessoas podem fazer aquilo que sabem melhor, senhor - ponderou o Controle Mestre.

- E o que seria?

- Interagir, claro.

Era uma conclusão curiosa para uma máquina, pensei. A velocidade diminuiu e paramos junto à uma parede curva de acrílico translúcido. Aguardamos alguns instantes.até que uma lâmpada verde acendeu-se no alto. Uma seção da parede moveu-se, e avançamos para um câmara de descompressão.

- Embora esteja ciente do fato, senhor, devo alertá-lo de que estamos saindo da cidade, e que em nenhuma hipótese poderá abandonar o veículo fora de uma câmara de descompressão sinalizada.

- Estou ciente - respondi.

Ouviu-se um bipe de confirmação e a parede atrás de nós fechou-se. À nossa frente, outra seção abriu-se, mostrando uma superfície desértica e um céu salmão, onde viam-se duas diminutas luas. O transporte engatou uma primeira e lá fomos nós, aos solavancos, pelas dunas avermelhadas de Marte.

- [10-01-2017]