O Fim
- Você tem acompanhado os sites de notícias?
Nuno Perdigão me fez essa pergunta sem desviar os olhos da holotela, que parecia flutuar no ar à sua frente.
- É preciso ter baixo senso crítico para acompanhar sites de notícias... e isso já faz algum tempo - desdenhei.
- Desde quando, exatamente? - Inquiriu Perdigão.
Tive que fazer um esforço consciente para chegar à uma resposta clara.
- Mesmo antes da informatização dos sites, os conteúdos já eram questionados por conta do uso crescente de "fake news"... até chegar ao ponto em que a própria existência de jornalistas de carne e osso passou a ser posta em dúvida. Como eram sujeitos à toda sorte de influências e preconceitos, sua eliminação em prol de inteligência artificial e algoritmos de análise de dados, foi saudada por muitos como um importante passo em direção à isenção jornalística, principalmente a partir do momento em que a própria programação desses algoritmos passou a ser feita por inteligência artificial. Mas, na verdade, como sabemos hoje, tais sites existem basicamente para vender produtos e serviços. A realidade factual é o que menos interessa.
- Perfeito - acedeu ele. - Portanto, mesmo sendo teoricamente isentos, eles possuem um viés na forma como a notícia é apresentada, nem que seja a visão de mundo dos donos dos portais de mídia.
- Você está afirmando que os donos de portais ainda interferem no conteúdo apresentado? - Questionei.
- É um pouco pior do que isso. A partir do momento em que algoritmos definem o que é publicável, essa opinião editorial tornou-se tão dispensável quanto a análise de um consultor financeiro, quando as transações passaram a ser feitas inteiramente por software.
E fechando a holotela com um gesto de pinça dos dedos no ar:
- Chegamos ao ponto em que não sabemos mais se a realidade que vemos nos sites é uma representação do real ou uma mentira elaborada para atender os objetivos traçados por algoritmos... programados por outros algoritmos.
Fiquei meditando sobre aquelas palavras por alguns momentos. Seria esse o fim da informação factual?
- Talvez possamos reverter esse quadro - ponderei. - Ressuscitando a profissão de jornalista, quiçá...
- Desconfio que já é tarde demais - retrucou Perdigão. - Pelo que andei lendo, as notícias agora não tem mais como foco os seres humanos.
E, me encarando de testa franzida:
- Acho que ficamos obsoletos.
- [31-12-2017]