O Problema Mecânico

Maimuna Alhuq ergueu seus olhos castanhos do console de navegação e encarou em expectativa seu primo, subordinado e piloto, Kamal Alhuq.

- Chegamos?

- Nas coordenadas previstas, caid... um salto de 6034 parsec - confirmou ele, radiante.

O rosto da comandante, todavia, traduzia preocupação, a qual ela expressou na pergunta seguinte:

- Estamos fora das fronteiras do Império?

- Sim, caid. Totalmente fora do Universo Conhecido...

De pé, Maimuna cruzou os braços, olhos postos na tela de observação frontal, onde a face dum planeta aparecia como um crescente branco-azulado contra a escuridão pontilhada de estrelas. Não adiantava perguntar ao piloto que planeta era aquele, pois ele apenas programara o destino no computador de navegação. Aliás, a simples palavra "computador" lhe dava arrepios. Al'ama!

- Esse era o ponto mais distante previsto na sequência original de testes da "Ampoliros"? - Questionou.

- O mais distante das atuais fronteiras do Império, caid.

- O que, em outras palavras, significa dizer que é o mais próximo do porto de origem desta não-nave.

- Sim, caid.

- E temos as coordenadas de pouso?

- Sim, caid. Bem abaixo de nós, no lado noturno do planeta. Deve ter sido um importante centro de qualquer civilização que haja existido aqui, quinze ou dezesseis mil anos atrás... mas já estava há muito abandonado quando a "Ampoliros" foi construída e decidiram vir aqui.

- E não encontramos nenhum registro dessa visita no diário de bordo?

- Excluindo o curso e as coordenadas de pouso, nada mais, caid.

Maimuna levou uma das mãos ao queixo.

- O que há... ou havia aqui... de tão essencial que justificasse uma visita desse protótipo?

O piloto deu de ombros.

- Talvez houvesse sido um sítio de peregrinação religiosa, caid.

- Duvido muito. Quem construiu a "Ampoliros" dificilmente iria se prender a esse tipo de crença... mas, já que viemos, vamos tentar descobrir. Prepare a vedeta de desembarque.

- Imediatamente, caid.

* * *

O grupo de desembarque, composto por Maimuna, seu irmão Numar e sua prima Najima Alhuq, desceu no local previsto logo ao raiar do dia. O sol central do sistema, uma estrela branca que batizaram simplesmente como "Al-Lat" à falta de termo melhor, surgiu entre nuvens densas e iluminou o que deveria ter sido uma grande praça num vale entre montanhas coroadas de neve, circundada por edifícios imponentes e parcialmente em ruínas.

- Arquitetura funcional - avaliou Najima, que era o mais próximo que Maimuna possuía a bordo de uma oficial de ciências. - Provavelmente, esta era uma capital administrativa.

- Temos inscrições em algumas paredes... consegue identificar o que está escrito? - Indagou Maimuna, olhando ao redor com admiração.

- Lembram caracteres proto-galach... mas não entendo o significado, caid. Talvez seja um outro idioma.

- E essa agora - comentou Maimuna.

- Caid... - alertou-a Numar, tocando em seu braço. - Veja aquilo.

Maimuna virou-se para a direção indicada e ele lhe passou os binóculos que estivera usando.

- Em frente ao prédio quadrado... parecem estátuas.

Maimuna levou os binóculos aos olhos. Sim, havia um grupo de seis figuras humanoides metálicas sobre pedestais no topo de uma escadaria, separados uma da outra por cerca de três metros.

- Vamos olhar de perto - decidiu. - Talvez seja uma homenagem aos construtores desse lugar.

Caminharam até o local, cerca de 500 m distante do ponto onde haviam deixado a vedeta de desembarque. Ao galgar os degraus, perceberam que não se tratavam de estátuas. Ao menos, não no sentido convencional.

- Creio que são o que outrora denominavam "robôs" - determinou Najima.

- Mas porque os colocariam em pedestais, em frente à uma praça... como se fosse algum tipo de homenagem? - Questionou Numar.

- Talvez os construtores da "Ampoliros" soubessem... - Najima conjeturou.

Maimuna encarou os colossos metálicos que pareciam guerreiros antigos em suas armaduras.

- Há algo aqui que consiga traduzir, Najima? - Indagou, exasperada.

A interpelada examinou cuidadosamente os pedestais, fazendo anotações das inscrições nas placas de granito afixadas em cada um. Finalmente, resolveu examinar a parte de trás dos mesmos e, ao olhar para cima, seu rosto iluminou-se.

- Caid, há uma inscrição gravada na parte traseira das máquinas... é proto-galach, com certeza!

Maimuna aproximou-se para ver.

- Sim... estou vendo. Mas o que significa "U.S.R."?

- Talvez... talvez... "US aRe"... - titubeou Najima.

- "Nós somos" o quê? - Inquiriu Maimuna.

Foi Numar quem deu a resposta, óbvia como era.

- "Nós somos robôs", caid.

E acrescentou, rapidamente:

- Para o caso das gerações futuras esquecerem.

- [17-12-2017]