O portal
Capítulo 1
Amanda faz sinal para o ônibus, e ele passa direto, todos na parada olham para olha e ela se irrita.
Amanda
Tão olhando o que? Nunca viu não?
Alguns minutos depois outro ônibus passa ela faz sinal e ele para, briga com o cobrador por não lhe entregar os cinco centavos de troco e se irrita quando tem que ceder o lugar para uma idosa. No trabalho briga com a colega que se atrasou e a fez fazer seu trabalho, no almoço briga com a atendente do restaurante, pela demora na entrega do pedido e ao fim do dia recebeu a noticia de que seria desligada do emprego, devido a dificuldade que ela tinha em manter uma relação de trabalho saudável com os demais colegas, o que a transformava em uma funcionaria de difícil acesso, e que a garota que treinara durante a semana toda, a substituiria. Amanda fica furiosa, esbraveja contra o chefe, que pede que ela recolha seus pertences e se retire o quanto antes.
Ela arruma seus muitos itens, em uma mochila e uma sacola grande, ao perceber que está chovendo pede a vários colegas de trabalho que deem uma carona até a parada de ônibus, no entanto, todos recusam, alegando que ela não era uma pessoa legal e que não merecia ser ajudada.
Dessa forma, ela sai caminhando pela rua, na chuva e com seus itens, ainda estava longe da parada, ela caminhava próximo à pista, até que um caro passa perto demais e espirra água nela, ela solta a sacola no chão, grita e xinga o motorista que já vai longe e não escuta nada, respira, olha em volta, vê uma loja e decide entrar e esperar a chuva passar.
O dono a recebe gentilmente, lhe oferece uma toalha e um café e decidem conversar, ela inicialmente despeja seu mau humor sobre ele, contudo, aos poucos ela se sente acolhida e passa a agir de modo mais agradável.
Carlos
Por que está caminhando por essa chuva torrencial, moça?
Amanda
Porque tive um dia de cão! A ultima coisa que quero é um cara desconhecido enchendo meu saco!
Carlos
Me desculpe, só quis puxar assunto...
Amanda percebe que foi rude e passa um tempo em silêncio, enquanto isso, observa os itens na loja e vê diversas portas, cada uma suspensa por uma estrutura giratória que possibilitava que ela ficasse encaixada, como em uma parede real, de tal forma que era possível abri-la, atravessa-la e ter a total ideia de como ela ficaria em casa, Amanda achou aquilo incrível, em seguida elogiou os produtos.
Amanda
Suas portas são incríveis!
Carlos
Ah obrigado! Mas hoje em dia as pessoas não pensam tanto dessa forma, não como antes.
Amanda
Você trabalha aqui faz tempo?
Carlos
Essa é a loja da minha família, foi comprada pelo meu avô em 1930, oito anos antes do meu pai nascer, nos anos seguintes a loja fez muito sucesso, e parte desse sucesso, acho eu, se devia a uma estória que meu avô contava, de que “as portas de madeira por já terem sido arvores com conexões infinitas com a natureza, através de suas longas raízes, que se comunicavam com as raízes vizinhas, os rios e etc., portanto nelas, havia um conhecimento ancestral do mundo, quase atemporal, e dessa forma, portas de madeira poderiam ser consideradas como portais, dividindo o mundo de fora do mundo de dentro que ela protegia, e o entalho que havia nelas deveria significar de forma metafórica, o que haveria dentro”.
Amanda
Nossa! Que estória interessante, eu nunca pensaria nisso! Acho que vou passar a ver as portas com outros olhos...
Carlos
Acho que meu avô contava com essa reação mesmo, essa estória encantava os clientes, que achavam tanto que estariam mais seguras com as portas de madeira, devido à essa proteção sobrenatural, como que ao pedirem entalhes auspiciosos seus lares, de certa forma, se tornariam aquilo, como se uma simples porta pudesse consertar tudo de ruim que havia ali dentro.
Amanda
Que curioso! Mas confesso que nunca ouvi falar isso, será que ele inventou?
Carlos
Não sei te dizer, mas também nunca ouvi isso em outro lugar.
Amanda
Com tamanha fascinação, aposto que sua casa só tinha portas de madeira (risos).
Carlos
Na verdade não, tanto meu avô quanto meu pai, deixavam esse fascino aqui na loja, especialmente com a porta usada como pano de fundo pra estória... E com o tempo as pessoas começaram a acreditar que ela era especial, e meu avô começou a ter um apego enorme por ela, tanto que nunca a vendeu, mesmo após diversas ofertas, por sinal ainda a temos, não vendo por nada, pois é legado de família, mas cá entre nós, não passa de uma porta qualquer e hoje ninguém mais acha outra coisa!
E então o homem precisa atender ao telefone e enquanto isso, Amanda interessada pela estória caminha pelo local e observa as portas, até encontrar aquela da qual o homem falava, ela soube imediatamente que era ela, madeira escura, bem rústica, misteriosa e com um entalhe incomum, nele havia uma janela entreaberta, onde através da pequena abertura se via uma serie de casinhas coladas e pessoas carregando cestos na cabeça, animais nas ruas e etc.
Tudo muito delicado e impressionava pelos detalhes, ela entedia porque tamanha fixação por ela na época, então a abriu, era pesada e grossa, riu ao lembrar do que lhe fora contado, e pensava em como as pessoas daquela época eram tão sugestionáveis a ponto de acreditar que aquilo seria um portal, ela a atravessou para olhar os dizeres que percorriam o caixilho.
O homem finalizou a ligação e não mais a encontrou, caminhou pela loja chamando a moça e encontrou apenas a toalha caída no chão e a dita porta aberta, ele respirou fundo e disse:
Carlos
Nunca mais conto essa estória, quase chego a acreditar.