Um Horrível e Interminável Pesadelo

UM HORRÍVEL E INTERMINÁVEL PESADELO

B. F SILVA CORDEIRO

De 21 a 26/01/2017

Janaína era uma jovem mulher elegante e demais charmosa. Ela conseguia atrair a atenção para si qualquer homem, inclusive, até mesmo a de muitas mulheres. Atraía até mesmo aqueles rapazes que mal acabaram de entrar na adolescência, cheio de planos e esperanças, bastante típico dessa etapa da vida. No entanto, não eram somente os jovens que quando a avistavam a desejavam, mas também os homens de idade bem mais além da sua. Ninguém escapava daquele flamejante feitiço que insistia permanecer no ar quando ela passava.

Na verdade, Janaína podia até escolher o homem que quisesse e ela o teria. E ela sabia que sua beleza fazia despertar colérica cobiça a todos que a conhecessem. Entrementes, ela acreditava que - embora tivesse todo esse poder de conquista involuntária - ainda não era o momento de ter ninguém, mesmo porque sabia que se tivesse, poderia atrapalhar suas expectativas de futuro. Pois, ainda estudava e priorizava se formar primeiramente e somente depois é que se entregaria aos encantos do amor.

O tempo foi passando, passando e, em uma das paredes de seu quarto, de viés, Janaína fora atraída por um calendário anual que lá estava pendurado lhe informando uma data que dificilmente acreditaria nela caso não estivesse evidente nele: dez de Agosto de 2010. Pela primeira vez, algo parecia fazer agitar Janaína. Ao vê-la sentiu um ligeiro e dolorido fluxo eletrizante transpassar em suas entranhas. E, como no despertar de uma profunda letargia - após todos aqueles quatro anos sofridos de estudo - agora lhe era despertada a aproximação tão breve de sua formatura. Enfim, receberia naquele ano o título de doutora na área da saúde; seria uma farmacêutica. Assim. Conseguira provar, assim, sua fidelidade naquilo que havia determinada a fazer, ou seja, somente arranjaria alguém num relacionamento mais sério após a sua formatura.

Agora, Janaína estava formada! Os anos mais difíceis haviam se passado e já começavam a lhe surgir as primeiras intenções de ter um namorado, já que os poucos que tivera foram passageiros, de curtíssima duração; mas, era como anteriormente ela achava que tinha de ser. Esses poucos namorados e de curtíssima duração que tivera pareciam ter sido apenas para fazer lembrar-lhe de que ela era mulher e que existia homem. Para sua época, quando garotas de onze, doze ou treze anos e idade já estão com bebês no colo, esse pensamento de Janaína chegava a ser burlesco ultrapassado e incompreensível. Porém, chegou o momento e ela estava decidida a ter alguém que pudesse compartilhar os mesmos interesses numa relação mais intensa e duradoura.

As duas colegas Ana e Carla eram as que mais estavam próximas de Janaína. Quer fossem passear ao ar livre no campo, ao Shopping ou a um bar com música ao vivo as três estavam sempre juntas. Certa noite, elas estavam em um desses requintados bares que tocam música ao vivo. Naquela noite havia uma banda musical diferente das bandas musicais que passaram anteriores porque o vocalista fazia algo singular: brincava e contava muitas piadas entre o intervalo das músicas, arrancando muitas gargalhadas dos frequentadores. Seu carisma era frenético e contagiante! Ele tinha esse quê a mais que os outros vocalistas não possuíam. Vez por vez ele se aproximava da mesa de Janaina dirigindo-lhe palavras afetuosas, sedutoras, revelando-lhe robustas intenções. Suas colegas – já sabedoras da extraordinária força de atração que Janaína possuía – encaravam tal fato com absoluta naturalidade. Para muitos dali, ao seu redor, ela era como uma deusa egípcia que havia saído de trás e por cima do grande monte Moriah, com uma enorme auréola cobrindo sua cabeça e fazendo produzir uma gigantesca claridade abrasadora por toda a sua extensão. Havia algo diferente em si que nem ela mesma podia compreender e, às vezes, ela mesma se assustava com tal fenômeno.

As horas haviam avançado muito. Já passavam das quatro da manhã e uma tímida cor púrpura começava a despontar na imensidão dos céus. E, no encantamento e tamanha beleza daquele arrebol chamejante despontado no céu, as três jovens começavam a se preparar para ir embora. Ao perceber a intenção das três mulheres, aquele carismático cantor introduziu seu número do whatsapp no meio de um pequeno ramalhete de tulipas coloridas que estavam em um vaso de uma das mesas vazias ao seu lado. E, de forma desinibida, ousada, estendendo uma de suas mãos passou a oferecer-lhe aquele objeto, embora simples, mas que toda mulher adoraria receber de um homem.

Várias outras ocasiões como aquela vivida na última noite, Janaina já tinha passado. Porém, dessa vez a emoção que sentira fora bastante distinta das outras vezes ora experimentada. Aquele jovem cantor fez-lhe desencadear em seu interior algo surpreendente que jamais tinha lhe ocorrido anteriormente. Quando ela pensava nele, lembrando-se de seus galanteios e de sua delicadeza para consigo, seu coração pulsava acelerado e assustadoramente. Desde que deixara aquele lugar não parara de se lembrar daqueles momentos um só instante, deixando-a deslocada, confusa: um profundo sentimento indizível, estonteante, de inigualável dominação a tomava por inteira. Ela começou, a partir de então, a ser aprisionada, contaminada pelo fascínio da esperança de rever aquele rapaz mais uma vez. A ansiedade de Janaina já não mais cabia em si. Foi quando seu celular tocou aquela música funesta “wave”, de Patty Smith, na chamada de seu Whatsapp. Eram o “boa tarde!” e o “como vai?”mais esperado por ela. A partir dali, ambos, ela e o cantor arrebatador de coração não deixaram de se falar por aquele meio de comunicação um só dia; eles passavam horas e horas do dia trocando mensagens galanteadoras e românticas. Após duas semanas, invariavelmente, nessa mesma alegre e infatigável rotina decidiram se encontrar. Janaína estava radiante e dissipava invejada felicidade. Não via a hora de encontrar aquele homem que acreditava ser seu verdadeiro e crucial amor. Quando Ana e Carla lhe perguntavam sobre o romance, o qual ela nunca ocultara das colegas, lhes respondia dizendo que em toda a sua vida nunca estivera tão feliz.

O tão aguardado dia do encontro estava se aproximando e Janaina já podia se ver nos braços de seu tão desejado e querido homem. O sol estava escaldante; devia fazer uns 40º graus e o grande encontro seria no finalzinho daquela tarde. Embora o sol começasse a desaparecer no horizonte distante, o ar abafado ainda retinha um ar seco, típico desses dias ensolarados, escaldantes. Por outro lado, o colossal e distante arrebol de fortes cores vivas avermelhadas que se formava - permanecendo estático no céu, parecendo felicitar e contemplar o casal - fazia com que não percebessem aquele clima tão inóspito. Com uma modesta e discreta sombrinha, a fim de proteger-lhe dos últimos raios solares da tarde e um pequeno chapéu feminino com detalhes ressaltantes de um miúdo coração bordado em alto relevo na parte frontal e outro na sua lateral esquerda, apesar de dificilmente usá-lo, partiu ao encontro. Na verdade, fazia anos que não usava seu chapéu. Ele estava guardado, quase esquecido, no fundo de uma das gavetas de seu guarda-roupa.

Ao se aproximar do local marcado para o encontro, Janaina percebeu uma figura esbelta, esguia de um jovem homem encostado a uma porta de uma lanchonete. Começou, então, a imaginá-lo. E, ao se aproximar pouco mais, confirmou se tratar do cantor que conhecera quinze dias atrás. Lá estava ele a esperando pelo menos há trinta minutos. Parecia estar tão ansioso e excitado quanto ela. Logo, cumprimentaram-se com dois respeitosos e rápidos beijinhos no rosto e de imediato passaram a conversar sobre suas vidas. Ficaram ali conversando por longo tempo. Quando foram dar por si, a noite já começava a ceder lugar para a madrugada. Janaína sabia que aquele dia iria ficar perpetuado em sua memória. Ela sabia que jamais se esqueceria daquele seu primeiro encontro. Ele ficaria marcado pelo resto de sua vida!

A partir daquele encontro eles passaram a se ver todo o final de semana. Os dias, as semanas e os meses pareciam eternos, pois ambos não viam a hora de se verem. Era aflitivo! No entanto, ainda assim, Janaina ansiosamente contava os dias até chegar o final de semana. Passaram-se exatamente três meses e o casal manteve firme aquela aproximação, aquela loucura de se ver um ao outro. O sentimento da mulher era tão intenso que ela chegava a ficar acamada, sentindo intensas dores de cabeça quando Roger não podia vê-la em algum final de semana. Ainda no leito, mesmo acamada, ela se esforçava a compreender que ele, como músico que era, tinha seus compromissos profissionais e que não eram todos os finais de semana que ele podia estar disponível para ela. Ainda assim, apesar de perceber os esforços que ele sempre fazia para estar ao seu lado, Janaína ficava de cama, sentindo-se num profundo mal-estar, o qual era apenas durante o dia, pois à noite, quando podia, ia à companhia de Rogério em suas apresentações.

Três meses após se conhecerem decidiram-se se casar. Foi instantâneo! Imediatamente, já estavam casados no civil e religioso, como manda o figurino. A felicidade do casal era sentida e irradiada a todos em sua volta. Janaína, a involuntária sedutora e encantadora mulher e Roger, como era chamado, o inusitado cantor galanteador das noites passaram a viver em extrema felicidade. Agora, com mais frequência, Janaina passou a acompanhar o marido. Todas as noites ela o acompanhava. Invariavelmente Roger e Janaína passaram suas vidas nessa invejada rotina por dois longos anos: Janaína se preparava para ingressar no órgão público. Passava os dias estudando para o concurso de farmacêutica, além de namor muito com o marido; à noite, o acompanhava em suas apresent5ações musicais.

Após dois anos de intenso amor recíproco, Roger passou a apresentar de forma inesperada e incompreensível comportamentos desajustados e alucinados. Seus sintomas de cólera e enganação denotavam estar à beira da loucura. Já não se importava mais com a companhia da mulher em seu trabalho. Ia, aos poucos, demonstrando certo afastamento, o que era notório a todos que lhe cercavam. Ele diminuíra drasticamente os cuidados que outrora fazia questão de dispensar a sua amada. Já não mais chegava a sua casa nos horários como era de costume. Começou a chegar uma ou duas horas depois do que era costumeiro. O homem passou a planejar ações dissimuladoras e maldosas a Janaina. Em algumas vezes, ele passava a esconder calcinhas da mulher com a intenção de fazê-la ficar imaginando onde pudessem estar, já que ela sabia onde encontrá-las, contudo não as encontrava. Isso a deixava demais apreensiva e confusa. Elas deviam estar nessa gaveta. Ou, ainda: elas deviam estar no varal. Eram situações que Janaína podia pensar, já que ela tinha a convicção de onde as havia deixado. Ela ainda não conseguia desconfiar de seu marido, embora já tivesse percebido toda a sua distância e frieza para consigo. Mal Janaína se dava conta de que com tantos pensamentos negativos feitos por ela mesma, sobre ela mesma, pudessem causar-lhe delírio, alucinações. Quando ela procurava saber do marido se ele tinha visto suas calcinhas, ... era tudo o que ele queria. Pois, já ia lhe dizendo em tom enérgico, agressivo, que ela estava louca. Como ele poderia dar conta de suas calcinhas? Eram palavras duras e hostis que dirigia a pobre Janaína. Somente após a terceira vez que tal fato aconteceu, da mesma forma, é que Janaína passou definitivamente a acreditar que quem estava fazendo tudo aquilo era seu próprio marido. Mas, por que ele estava fazendo aquilo? A troco de quê? A mulher se perguntava, porém não conseguia obter qualquer resposta.

Certo dia, Janaína notou que havia sumido cinquenta reais da gaveta de seu criado-mudo. Ela somente se deu conta de seu sumiço porque iria usá-lo na feira-livre aquele dia. Tinha certeza de que havia aquele dinheiro em sua gaveta. Voltando a indagar o marido sobre o dinheiro, ele repetia a mesma cena, dizendo-lhe aos gritos furiosamente: você está louca! Que dinheiro? Não tinha nada nessa gaveta, não. Você está maluca! Ele acreditava que se ele continuasse a agir daquela forma, ela fatalmente enlouqueceria. E assim continuou seu propósito. Continuou com seu danoso e torturante plano. Sua intenção ainda não estava clara a ninguém, entretanto em sua mente psicopata queria transformar sua mulher a qual um dia tanto a amou, em alguém demente e transloucado. Uma doente mental.

Outro dia, Roger trancou Janaína em seu quarto ameaçando-a não sair. Tal experiência se repetiu por vários dias e quando aparecia alguém em sua casa dizia-lhe que sua mulher estava viajando e que ele não podia atender porque precisava ir para o trabalho ou algo assim. Quando percebia que tal desculpa estava caindo no descrédito, passava a dizer que a mulher estava com algum problema simples de saúde qualquer, como: cólica, dor de cabeça ou outro mal também simples qualquer, a fim de não lhe despertar a intenção de querer visitá-la. Aos poucos, com o passar dos dias, meses e até anos, Janaína ia se vendo desolada, com pensamentos desconexos e sem saber o que fazer de sua vida. Três anos de sofrimento dentro daquela iludida e deprimente rotina, parecendo estar vivendo um profundo e interminável pesadelo. Em seu quarto trancada e totalmente irreconhecível, já chegando à beira da loucura, desesperada, a mulher passou a gritar aos berros, debatendo-se: alguém, me tira daqui! Me tira daqui! Me tira daqui!

Abruptamente, houve um forte estrondo. O trinco do grande portão de alumínio pesado que dava acesso ao quintal da casa de Janaína se rompera após violentas pancadas com um cano de ferro. Eram as colegas Ana e Carla que se apressavam assustadas ao encontro de sua colega Janaína, que se encontrava em terrível pavor, apesar de estar deitada no sofá de sua sala de estar. As duas rapidamente passaram a acalmá-la. Assim, Janaína ia aos poucos despertando de um profundo e agonizante sono. As colegas haviam tocado a campainha-cigarra, a qual produzia um forte som gritante e sucessivo que poderia ser escutado a três ou quatro casas ao lado. Como Janaína não lhes atendia e sabiam que ela estava em casa, passaram a imaginar ter acontecido algo ruim a ela. Portanto, não viram outra forma de entrar em sua casa, a não ser daquele jeito, arrombando o grande portão. As duas passaram a tranquilizar Janaína oferecendo-lhe um copo de água açucarado. Aos poucos, ela foi despertando e dando conta de que tudo aquilo por qual passara nada mais foi do que um horrível e interminável pesadelo.

Lembrando-se do que houve, Janaína começou a contar às duas colegas o que realmente aconteceu. Contou-lhes que começou a sentir uma leve dor de cabeça e que resolvera tomar um sedativo qualquer. Daí, caiu num profundo sono e que foi um grande alívio quando viu as duas ali ao seu lado. Após lhes contar todo o drama pavoroso que tivera as três logo foram saindo, a fim de chegar a tempo para a formatura do curso de farmácia. Ao saírem, Janaína, ainda tropeçando, meio aturdida, ao fechar a porta da sala, avistou - encostada a uma parede da sala de estar e entre o sofá onde adormecera - aquela mesma sombrinha de seu sonho. E, ao alto, numa das prateleiras de sua estante de livros, aquele seu chapéu que há anos não o usava. Confusa, a mulher levou uma das mãos ao queixo sem entender absolutamente nada e - fixando firme aqueles objetos - em tom desafiador, vagarosamente, foi fechando a porta.

B F Silva
Enviado por B F Silva em 08/09/2017
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