Diabólica

Havia muita excitação no áudio, não era somente ele quem estava com a adrenalina nas alturas. Pela primeira vez, iria participar de uma operação de combate em larga escala, contra Habinda, um dos sistemas centrais do Império Hakku e importante centro de produção bélica. A Nona Esquadra Gotasamori, sob o comando do almirante Kandae-Shin emergiu do hiperespaço em formação de batalha, couraçados dispostos em arco à frente, protegendo as naves menores como as dele, que vinham logo em seguida. No visor frontal, a imagem era magnífica: os cascos luzidios das astronaves brilhavam ao seu redor, iluminadas pela luz do distante sol de Habinda, uma estrela alaranjada K2.

- Atenção, pessoal, fala o almirante Kandae-Shin - soou uma voz tranquila em seu headset. - Vamos tentar pegar os caras de surpresa desta vez, e consertar a cagada do último ataque... todos estão com seus planos de batalha à mão?

Seguiu-se um vozerio confuso, até que o almirante gritou:

- Silêncio! Se não estiverem, volto e chuto os seus traseiros...

E depois, retornando ao tom plácido de antes:

- Essa é uma missão de entrar, bater, e sair. Sigam as rotas pré-programadas, concentrem o fogo nas fortalezas orbitais entre o quinto e o quarto planeta, disparem os torpedos de fusão sobre os alvos assinalados no quarto planeta e, se, houver chance, prossigam até o terceiro planeta e acertem algumas das cidades maiores... mas não tentem engajar em combate com a frota Hakku, a não ser que não haja outro jeito. Nos reencontramos nestas coordenadas em... 120 minutos.

Ouviu um bipe no seu headset. Mensagem pessoal chegando.

- Você está fora de formação, Parkwan-Jin.

Ele engoliu em seco.

- Eu... estou procurando corpos, almirante.

Kandae-Shin resmungou um palavrão entredentes.

- Filho, a batalha nem começou e você já está procurando corpos? Pois vou lhe dar um para você se entreter: posicione-se agora no centro da formação, entre os couraçados. Você vai ser a minha ponta de lança!

O seu áudio encheu-se de gargalhadas; havia acabado de virar a piada da Nona Esquadra. Furibundo, começou a manobrar o seu torpedeiro para posicionar-se entre os grandalhões.

Aquilo era quase uma sentença de morte, bem o sabia.

* * *

- Você pegou o almirante num dia ruim - ouviu comentar em tom jocoso seu amigo Parkmin-Hae, comandante do reluzente couraçado à sua esquerda, enquanto adentravam o sistema Habinda em velocidade de cruzeiro. - Mas, não se preocupe; fique atrás de mim quando começar o tiroteio. Com sorte, você recupera um corpo ou dois e ainda acerta algum alvo.

- Vou cruzar os dedos - suspirou Parkwan-Jin.

Ainda não haviam cruzado a órbita do quinto planeta quando o sensor de longa distância deu sinal de vida.

- Temos companhia - alertou o comandante do couraçado.

- Vou para baixo da sua asa - respondeu Parkwan-Jin, desacelerando e posicionando-se atrás da nave maior.

A voz de Parkmin-Hae retornou, cheia de excitação.

- Cara, você está vendo isso? Não deve estar, com esses sistemas de rastreamento vagabundos da sua nave... tem um maldito cruzador estelar classe C bem na nossa frente!

- Classe C? - Repetiu Parkwan-Jin atônito. - Um transporte de luxo... e com escolta, ao que parece.

- Hoje é meu dia de sorte! - Gargalhou Parkmin-Hae. - É a droga do cruzador pessoal da Imperatriz Jiwong-Mi, a terceira esposa do Imperador Hakku! Prepare seus torpedos, Parkwan-Jin!

Parkwan-Jin consultou seu console de armas: todos os dez torpedos estavam prontos para disparo. E então, subitamente, o espaço ao seu redor se encheu de luz.

* * *

Daniel encostou-se no balcão da lanchonete e pediu um milk-shake de baunilha, outro de chocolate, e dois hambúrgueres. Depois de atendido, foi sentar-se à mesa com seu amigo, Juca.

- Foi tão rápido que levei um tempo para entender o que havia acontecido - disse Daniel, depois de provar o milk-shake de baunilha e dar uma dentada no sanduíche.

- A FDP sabia que íamos atacar - resmungou Juca. - Quase vi o filme do almirante Ackbar gritando na minha cabeça: "It's a trap!"

- "Cruzador estelar classe C" - ironizou Daniel. - Pensei que os equipamentos de sensoreamento remoto dos couraçados da Esquadra Gotasamori fossem melhores do que os do meu humilde torpedeiro.

- Era um cruzador estelar classe C - defendeu-se Juca. - Só que totalmente reformulado para encarar em pé de igualdade um destróier classe J. E ela tinha o elemento surpresa; fomos com muita sede ao pote! Ainda bem que o almirante viu a m* acontecer e mandou todo mundo fazer um salto de emergência para o hiperespaço... as baixas nem foram tão expressivas assim.

Daniel olhou desconsolado para o amigo.

- Se esquece de que eu morri? Perdi minha nave, meus implantes, tudo o que levei meses para conseguir?

- Você recupera... - respondeu Juca, puxando do bolso o celular que acabara de vibrar. Olhou para a tela e riu.

- É a Lica.

- O que a diaba quer?

- Quer te dar os parabéns... por ter morrido tão rápido... e...

Baixou a cabeça, rindo.

- O que foi? - Indagou Daniel, mais curioso do que irritado.

Juca tomou fôlego antes de responder:

- Ela identificou o corpo do seu avatar na cena da batalha e o recolheu.

Daniel arregalou os olhos.

- Ela resgatou o meu corpo?

- Está com ela. Disse que não é uma... necrófila... acho que está te xingando... mas que topa te devolver o corpo para que você coloque na sua coleção de cadáveres do jogo.

- E que o ela quer em troca?

Juca colocou o celular sobre a mesa e abriu um imenso sorriso.

- Ela não diz, mas eu acho que ela quer você. O seu corpo original, não o avatar do jogo.

Daniel enrubesceu. E tomou um longo gole de milk-shake.

- [28-07-2017]