Carismática
- É um... concurso de simpatia? - Perguntou cautelosamente o inspetor Hasselblad.
Com seu vozeirão ribombante, Inwnungi, o gog, tentou explicar melhor o conceito:
- A sucessão entre os gog é decidida por um colegiado de personalidades... que escolhem dentre os candidatos qualificados, aquele que melhor reúne os atributos associados à figura do nosso Líder Supremo.
O "Líder Supremo", bem o sabia Hasselblad, era um título extremamente prestigioso entre os gog, mas de reduzido poder secular. Podia ser encarado quase como um mestre de cerimônias em grandes celebrações religiosas. A sua importância provinha de que não se fechava nenhum negócio importante em Hargog, o planeta-natal dos gog, sem uma consulta prévia ao Líder Supremo - o qual nada recebia em troca, pelo menos não diretamente. Mas, o seu clã, sim, passava a gozar de vários privilégios e benesses, o que sempre provocava disputas acirradas quase até o ponto da altercação - algo embaraçoso para os gog, que tinham merecida fama de ser um povo pacífico e que resolvia tudo consensualmente, jamais pelo confronto.
- E então vocês estão com dois candidatos, empatados em todos os quesitos? E o colegiado quer que alguém de fora dê o voto de Minerva?
- E eu sugeri o seu nome - assentiu Inwnungi.
- Fico honrado pela lembrança. Mas, por que eu?
- Porque é um resolvedor de problemas - retrucou o gog.
* * *
- Pronto para a "Missão Quebra-Galho"? - Perguntou jocosamente o capitão Oscar Espinoza quando Hasselblad apresentou-se no hangar das vedetas. O cruzador que o conduzira até a órbita de Hargog tinha outro destino, mas Espinoza lhe fizera a cortesia de ceder um veículo de desembarque. Depois, teria que pegar um transporte civil para sair do planeta, o que não chegava a ser um grande problema.
- Para todos os efeitos, esta é uma missão oficial, capitão - atalhou Hasselblad, ligeiramente irritado. - Estou até em traje de gala.
- Não queria ferir suas susceptibilidades, inspetor. Mas não é todo dia que o vejo sair todo engalanado para ser juiz de concurso de beleza... - gracejou o capitão.
- Não é um concurso de beleza! - Protestou Hasselblad.
- Isso é o que veremos - provocou Espinoza. - Inwnungi lhe explicou que terá que incorporar as memórias de um célebre julgador, já falecido, para poder tomar sua decisão?
- Sim... ele explicou que era um procedimento de rotina para os não-gog... mas que as memórias implantadas seriam eliminadas depois que eu chegasse ao meu veredito. Imagino que seja um método seguro. Afinal, os médicos do Hospital Geral do Setor 12 o utilizam regularmente...
Espinoza abriu a porta da vedeta e lhe deu uma pancadinha amistosa nas costas:
- Não quero lhe assustar, inspetor, mas alguns desses médicos do Hospital Geral acabam ficando meio malucos depois desses implantes de memória.
- Malucos? - Hasselblad virou-se rapidamente, enquanto a porta se fechava entre ele e o capitão.
- Excêntricos - corrigiu-se Espinoza com um sorriso brincalhão.
* * *
A primeira sensação que Hasselblad teve ao despertar em seu quarto no hotel em Hargog, após o implante bem-sucedido das memórias de Zinguhab, o julgador, na noite anterior, foi de que estava incapacitado. Uma criatura de quatro pernas, seis tentáculos e quatro olhos, via-se limitado às duas pernas, dois braços e dois olhos dos habitantes da Terra. Muito frustrante. Mas, ao mesmo tempo, os conceitos complexos empregados pelos jurados para escolher o Líder Supremo mais adequado, agora estavam perfeitamente claros em sua mente - embora isso não significasse que pudesse entendê-los de sua perspectiva terrestre. Mas não precisaria entender, de fato - apenas julgar, segundo os critérios que agora eram para ele uma segunda natureza.
Ao tomar o desjejum no restaurante do hotel, que abrigava basicamente criaturas humanoides como ele mesmo, e não nativos, flagrou-se enchendo o prato de folhas - os gog eram vegetarianos. Sentiu náuseas ao olhar para os frios e ovos fritos expostos, e procurou sentar-se numa mesa distante de cheiros ofensivos. Finalmente, ao ser conduzido de helicóptero para o Nahanabu, o templo central gog onde o Líder Supremo fazia suas deliberações, viu-se admirando as paisagens de Hargog com nostalgia - embora nunca as tivesse visto pessoalmente antes. Abanou a cabeça - iria se livrar daquelas memórias perturbadoras o mais rápido possível!
Um grupo de funcionários de alta hierarquia do templo e familiares dos dois candidatos ao posto, o conduziram em procissão até o salão onde seria feito o julgamento. Havia uma plateia, que foi ocupada pelos gog, uma mesa baixa - adequada para os nativos, mas à qual ele teve que sentar-se sobre uma esteira, no chão, à moda japonesa - e um tablado, onde os contendores iriam se apresentar. Com a plateia instalada e em silêncio, ele bateu palmas para dar início à competição.
- Alakiwna, do clã Tamaroli! - Conclamou.
E só então, deu-se conta de algo que deveria ser óbvio: os contendores eram duas fêmeas. A segunda era Liwoave, do clã Gascare. Respirou fundo. Concurso de beleza. Espinoza estava certo.
Uma orquestra nativa instalada numa das laterais do salão começou a tocar uma música selvagem e exótica. Hasselblad sentiu um nó na garganta. Depois, Alakiwna entrou no tablado, retorcendo os tentáculos como serpentes enfurecidas. O nó na garganta do inspetor aumentou.
A gog era a criatura mais linda que ele já havia visto em toda a Galáxia.
* * *
Semanas depois, Hasselblad encontrou-se novamente com Inwnungi em Arapa-IV, o planeta das melkis. Os dois foram caminhar pelos campos ao redor da base da Pesquisa Colonial, e o inspetor relembrou os acontecimentos ocorridos em Hargog.
- Eu nem precisava ver Liwoave para saber que Alakiwna era a Líder Supremo perfeita.
- Mesmo assim, a chamou - ponderou Inwnungi.
- Naturalmente. Faz parte do regulamento. E seria indelicado não assistir à dança dela...
Hasselblad parou e apontou um dedo para Inwnungi.
- Inwnungi... estou começando a desconfiar que fui enganado.
- Como assim, inspetor?
- Você me recomendou para desempatar o competição.
- Claro que sim.
- E me sugeriu que usasse as memórias de Zinguhab.
- Claro! Uma sumidade em competições para Grande Líder!
Hasselblad colocou as mãos nas cadeiras.
- Sim! Uma sumidade inquestionável... e também alguém que era louco por fêmeas com znar-gzar aghak...
Tropeçou nas palavras alienígenas que não podiam ser traduzidas em linguagem humana por envolver um conjunto de movimentos de corpo e tentáculos que definiam "feminilidade" para um gog. Alakiwna possuía exatamente aquilo. Não importava que as duas contendoras estivessem empatadas. Ninguém poderia tirar a vitória dela com tais predicados.
Ou melhor: Zinguhab não tiraria nunca a vitória de uma fêmea com tais predicados.
Hasselblad olhou torto para Inwnungi e exclamou:
- Seu safado!
- [30-06-2017]