O SECRETO DO IMPERADOR

30 de novembro de 2022 (221130)

Aldo Santos, o primeiro e talvez único humano terrestre a ser apresentado na corte do Imperador Zorkala Alak 201, corria desesperado com toda a força que suas pernas lhe permitiam naquele mundo grande e pesado com gravitação 1,8.

Estava sendo caçado como um animal no campo, armado apenas com seus óculos infravermelhos naquela gorra preta que teimava por deslizar na sua testa molhada de suor.

Seu coração parecia querer explodir pelo brutal esforço. Suas pernas pareciam de chumbo, custava pular por sobre os obstáculos naturais do terreno acidentado, coberto de rochas soltas e areia, restando-lhe velocidade.

Aldo era um humano forte e treinado, mas custava-lhe manter distância dos seus perseguidores alakranos, cujas vozes ouviam-se cada vez mais perto e seus animais de caça, os atoghs, monstros domesticados semelhantes a escorpiões de metro e meio de comprimento e setenta centímetros de altura, que se aproximavam batendo suas oito pesadas patas no chão e o horrível som das suas pinças abrindo e fechando, como querendo retalhá-lo.

Enquanto corria, ele se lembrava da conversa da semana anterior com o imperador Zorkala...

*******.

–Você é o ser mais indicado para desenterrar a Espada de Alakros!

–Porque eu? Só porque enxergo na luz normal?

–Não só por isso. Você nasceu no coração de Ran.

–Sim, mas há muitos seres como eu por aí, inclusive no seu império...

–Você no entendeu. Você vem de Ran e deve decifrar conforme sua cultura raniana a última parte da cantilena, aquela que se refere à armadura...

–E os braceletes...

–Agora entendeu. A espada já foi localizada, o “planeta de Universo” já foi encontrado e muito aventureiro alakrano e alienígena já tentou desenterrá-la da rocha sem conseguir. A espada não se mexe.

–Claro, se for verdade que está feita de metal que “de branco sol foi extraído”, é óbvio que não vai se mexer de jeito nenhum. Já estou até acreditando nisso.

–Os poucos alakranos que tentaram e voltaram vivos, estão perturbados e o único que voltou normal para casa nega-se até a pilotar.

–O lugar deve ser medonho...

–Sim. Acredito que seja tão difícil a permanência da raça alakrana no local, como difícil é atingir e pousar nele, “onde o espaço tem limite e as estrelas têm fim”.

*******.

Aldo corria agora, lembrando-se das palavras do imperador, enquanto os perseguidores e seus terríveis animais estavam pisando seus calcanhares.

Nesse momento viu um local de mato emaranhado e loucamente pensou em esconder-se nele para ter um respiro.

Entrou no mato sabendo que sua vantagem era nula, e um disparo queimou parte da mata, deixando-o ao descoberto. Não aguentou mais e caiu no chão morto de cansaço. Os monstros o seguraram firme pelas pernas e braços até que os soldados chegaram.

–Está bem, Lang, você me pegou!

–Você está melhorando, hoje foi mais veloz que ontem.

–Meus pés pareciam grudados ao chão!

Lang mandou os atoghs soltarem o prisioneiro com um gesto, e assim que as feras se afastaram obedientes, Lang estendeu uma mão ao caído:

–Levante-se capitão Aldo, venha comigo. Você tem que descansar para sua aula de pilotagem.

–Certo. Estou indo.

*******.

01 de dezembro de 2022 (221201)

Sentado nos controles da enorme nave alakrana, um cruzador de combate de longa distância, Aldo, sozinho, demonstrava sua pericia como piloto, realizando as manobras que normalmente ocupariam quatro tripulantes na ponte.

Claro que contava com um pequeno robô astro mecânico que ele tinha apelidado de “RB-01”.

Era obrigado a se defender das naves que o perseguiam em dobra por regiões galácticas desconhecidas e muito perigosas, com buracos negros, tempestades iônicas, marés gravitacionais no meio de sóis gigantes que se anulavam mutuamente provocando repuxos traiçoeiros.

A esquadra perseguidora, comandada por Lang, o ás do espaço alakrano, estava cada vez mais perto.

Aldo sabia que tinha um limite de energia e que se não conseguia chegar ao posto orbital de abastecimento da lua Rod'Ner do planeta Sikar do sistema Triple Amara, poderia ficar para sempre no multiverso sem poder voltar a esta realidade...

Os torpedos fotônicos dos perseguidores estavam chegando cada vez mais perto, e logo atingiriam o escudo debilitado pela energia no ponto crítico.

Aldo tentou uma manobra desesperada, a nave, apesar do tamanho, era ágil e bem manobrável. Sabia que o mundo Sikar estava a poucos minutos luz.

Com o pouco de energia restante poderia acelerar pelo subespaço tentando dobra nove por poucos instantes, até chegar.

Então, com a esquadra inimiga já começando a interpenetrar sua nave para prendê-la, Aldo pisou no freio.

Um piloto menos capacitado teria passado adiante milhões de quilômetros em alguns microssegundos, como verdadeiramente passaram as belonaves perseguidoras, menos a nave de Lang.

Lang parecia sentir na ponta dos dedos as oscilações do espaço-tempo-energia e conseguiu prever a manobra do fugitivo e o prendeu com o raio trator.

Agora ambas as naves pareciam quietas no subespaço, oscilando levemente e Lang conseguiu prever todas as tentativas de Aldo para desvencilhar-se dele.

Aldo ligou a pseudo desaceleração saindo de dobra, embora grudado com Lang ao espaço normal. Mais uma vez o alakrano previu seus movimentos e ligou sua própria chave.

As naves giraram lado a lado como uma só. Aldo parou de se debater, tentando uma reentrada em dobra, mas era tarde demais.

Estava preso.

–À abordagem! – disse Lang, levantando-se da sua poltrona e abrindo a porta do seu simulador para entrar no simulador de Aldo.

–Certo capitão Lang! Venceu-me de novo! Parabéns!

–Obrigado, mas você é muito bom, capitão Aldo. Deu-me muito trabalho, achei que conseguiria escapar.

–Vamos de novo?

–Dê-me um descanso, Aldo. Vamos ao refeitório da base. Estou com fome e acho que você também deve estar.

–Tem razão, estou com fome. Há comida para humanos?

–Claro, venha.

O terrestre e o alakrano saíram do setor dos simuladores da escola de pilotagem da base militar e passaram ao corredor principal, onde uma esteira rolante os levou ao refeitório coletivo.

Escolheram uma mesa e sentaram enquanto Lang discava o pedido no painel. Agora eles não tinham mais formalidade para conversar.

Ambos tinham adquirido bastante confiança um no outro.

Lang era bem culto e diplomático; sabia lidar com alienígenas e chegou a simpatizar com o terrestre. Aldo também chegou a apreciar o alakrano como um amigo que poderia ser em outra realidade. Em todo o tempo que se conheceram, na viagem desde o outro lado da anomalia, tinham conversado muito, tinham conversado sobre seus povos e costumes.

Poderiam ter sido amigos se a situação fosse diferente.

Aldo não se sentia prisioneiro, apenas um hóspede.

–Aldo, você poderia ter fugido de mim sem pisar no freio.

–De que maneira?

–Mantendo a velocidade original, porém tentando um enfasamento diferente.

–Claro! Como não pensei nisso?

–Não pensou porque estava preocupado com a energia. Ainda tinha energia suficiente para chegar a Sikar, Aldo. Esqueceu que toda nave de guerra possui pilhas Shiba de fase dupla?

–Tem razão, Lang. Fiz fiasco.

–Mas ainda assim, você está aprendendo bem rápido, Aldo. Tentamos outra batalha amanhã?

*******.

5 de dezembro de 2022 (221205)

–Você já está preparado para realizar sua missão? – perguntou o imperador.

–Penso que sim, já completei meus treinos de pilotagem combate e navegação.

–Muitos períodos já se passaram desde que você chegou. Agora você vai procurar a espada e trazê-la aqui, onde é seu lugar. Será recompensado fartamente.

–Só peço uma coisa em troca da Espada de Alakros.

–Qualquer coisa que pedir capitão Aldo.

–Que depois de entregar a espada me permita retornar ao meu mundo, para reunir-me com minha família.

–Família? Você tem família? – Zorkala pareceu suavizar-se, pareceu ficar mais afável, acariciando seu ventre volumoso – Conte-me sobre sua família.

–Tenho esposa e quatro filhos. Três machos e uma fêmea.

–Fascinante! Vocês têm dois sexos como os animais. Como fazem os humanos para se reproduzir...? Você é macho ou fêmea...?

–Você não sabe?

–Não. Não me contam muita coisa os visitantes... Que são poucos. Você e Shiram são os únicos em muito tempo... E você é o mais importante para mim.

O terrestre então explicou sucintamente o processo reprodutor dos humanos, e Zorkala ouviu com crescente interesse, sempre acariciando seu ventre cada vez que Aldo mencionava o ventre das fêmeas humanas.

Aldo então percebeu:

–Você está com sua descendência no ventre?

*******.

O imperador alakrano, um ser de uma espécie hermafrodita auto fecundante, estava para ter um filho.

Aldo agora entendeu por que tinha sido tão amável com ele, e por que foi bem recebido em Alakros. Aventurou uma pergunta:

–A espada é para seu descendente?

–Sim. Para que possa dizer a todos no futuro que seu antepassado fez tudo para que a relíquia fosse devolvida para o povo de onde nunca deveria ter saído.

–Majestade, eu farei tudo para cumprir seu desejo. Mas há um ponto da cantilena que deverá ser realizado antes de tudo.

–Qual? ...

Aventureiro!

Se desejar a Espada encontrar

A armadura deverá vestir

O bracelete deverá calçar

Para a Espada empunhar.

–Tem alguma relação?

–Claro que tem, Zorkala. Admira-me que vocês com todo esse poder, essa cultura milenar e essa incrível ciência superior não tenham descoberto o secreto. Logo vi que a armadura os braceletes tinham grande importância.

Muitos heróis tentarão

Mas a Espada não pegarão

–Entendeu agora?

–Sim, eu já sabia disso, mas não tenho ideia de onde estão essas relíquias.

–Sem isso não será possível extrair a espada da pedra.

Quem o fará

Ainda não nasceu

Mas nascerá

No coração de Ran.

–Tirando a hipótese que o sujeito em questão seja eu; onde estão essas relíquias, Zorkala? Vejamos:

Os braceletes e a armadura

Estão no fim de Alakros.

–Onde é o fim de Alakros? – disse Aldo.

–Poderia ser em milhares de mundos da fronteira, capitão Aldo. Por isso ninguém se preocupou deles, quando se soube onde a espada estava.

Muitos heróis tentarão

Mas a Espada não pegarão

–Porque ninguém reparou nesse detalhe.

–Quer dizer que você vai procurar primeiro onde é o “fim de Alakros”?

–Sim. Uma vez conseguidos os braceletes e a armadura, que sem dúvida têm uma importante função, de acordo com a cantilena, então irei ao planeta de Universo. Se a espada é tão pesada assim só com eles será possível desenterrá-la.

–Mas onde será esse lugar?

–Pensei em tentar três: o posto avançado do outro lado da anomalia, o posto avançado perto da anomalia de Almach... Mas acho que vou começar pelo meu sistema, Ra. Parece-me o mais lógico.

–Por qual motivo?

–Ran foi o “fim de Alakros” há muitos milhares de ciclos, Zorkala.

–Foi.

–Então vai me deixar livre para agir apesar das circunstâncias?

Um longo silêncio se passou até que o imperador encontrasse uma resposta:

–Você pode sumir daqui, traindo minha confiança...

–Sim, é possível e também seria lógico que o fizesse.

–Você faria isso comigo, Aldo?

Já tinham dispensado formalidades ao falar em privado, chamavam-se pelo nome, e Aldo, sensibilizado, simpatizava com o alienígena grávido, que talvez por isso parecesse tão carente.

–Olhe para mim, Zorkala; apesar das suas atuais diferenças com a Suprema Confederação e o Tri-Estado do outro lado da anomalia... Milkar, etc. você foi amável comigo, foi simpático. Você nunca foi meu inimigo, apesar de que seus antepassados o foram dos meus. Mas Ran já não existe. Eu não o considero inimigo. Você me deu uma cultura alakrana, me treinou e me alimentou; deu-me muitos presentes que não pedi, enquanto que a Suprema Confederação nem se lembra de meu mundo. Eles nem se importaram com nós... Repito Zorkala; você foi simpático comigo.

*******.

Continua em: A FUGA DE ALDO SANTOS

*******.

O conto O SECRETO DO IMPERADOR - forma parte integrante da saga inédita Mundos Paralelos ® – Fase II - Volume V, Capítulo 41; páginas 67 a 71; e cujo inicio pode ser encontrado no Blog Sarracênico - Ficção Científica e Relacionados:

http://sarracena.blogspot.com.br/2009/09/mundos-paralelos-uma-epopeia.html

O volume 1 da saga pode ser comprado em:

clubedeautores.com.br/book/127206--Mundos_Paralelos_volume_1