Clones
Esta é a história de Samuel que começou a perceber as pessoas um pouco diferentes em seu modo de ser o que lhe conferia uma idéia de que elas estavam sendo trocadas por clones, cópias autômatas que simulavam a pessoa copiada, mas com um pouco menos de sabor.
Josias, um colega de escritório, ferrenho defensor de suas idéias, que sempre aparecia em acaloradas discussões onde pretendia empurrar goela abaixo de seus pares o seu ponto de vista, estava ultimamente muito calmo, além do que se pudesse julgar normal. Não se tinha notícia de que ele tivesse se convertido a alguma religião (graças a Deus ??? – senão teríamos aquele chato da pior categoria) ou ido fazer uma temporada no Tibete onde aprendeu as vantagens da meditação a da calma para a evolução humana. Como teste resolveu falar mal de um programa de governo do qual já tinha visto Josias fazer defesas homéricas. Sua apatia mesmo que justificada por não querer perder amigos nem criar uma úlcera no estomago não convenciam. Ele já fazia parte daquele mundo sem sal.
-Pedro, o que você acha da mudança repentina de temperamento do Josias? – Samuel perguntou para outro colega do escritório para confirmar suas suspeitas.
-Acho normal e uma boa mudança. – a resposta lhe causou surpresa. Samuel não discutia se era ou não boa a mudança. Pensando bem Josias, sempre contundente nas suas opiniões, tenderia a ser uma pessoa mais agradável e sua maneira de expressar seus pensamentos, com convicções sempre agudas sobre qualquer assunto deixariam de ser tão agudas e não nos sentiríamos tão estocados, chamados para briga, mas decididamente não era normal. Começou a olhar aquele Pedro de uma forma diferente. Aquela opinião sobre Josias o colocava na lista dos suspeitos de serem apenas mais um clone sem sal do seu colega, o verdadeiro Pedro.
Que fim teria os clonados? Estariam cativos numa nave espacial alienígena, numa base militar secreta onde eram torturados dissecados e objetos de experiências malucas? Estariam mortos, ou simplesmente presos dentro de um coração amordaçado pela sociedade? Conforme ia observando tinha a percepção que dentre as pessoas que ele já considerava clonadas o maior número estava entre pessoas mais velhas. Via poucos universitários que considerava clonados, mas um grande número de avós que ele tinha certeza não passariam num simples teste que ele estava aprimorando: Sequência de perguntas sobre o passado algumas abertas com outras mais fechadas numa tentativa de fechar o cerco sobre a personalidade da pessoa que uma vez clonada se mostrava um tanto vazia. Em velhos clonados as respostas que procuravam fazer checagens escorriam por desculpas da idade e seu inseparável amigo o Lapso de Memória. É certo que quando mais jovens nós pensamos em mudar o mundo e no final nos contentamos ou nos conformamos em mudarmos a nós mesmos deixando aquela tarefa, se é que ela existe, para as novas gerações. Talvez não existisse clonagem, talvez este processo estivesse aos seus olhos lentos acontecendo mais rapidamente e quem sabe ele não fosse um desajustado que precisaria “evoluir”. Só o fato de conjecturar esta possibilidade deixou um temor que aquele processo estivesse acontecendo com ele também e que, talvez num futuro próximo, ele estaria sendo visto com espanto por quem o tivesse conhecido antes do evento, esta mudança para o povo sem sal. De qualquer forma continuava a fazer perguntas abertas para as pessoas, principalmente para as mais próximas para ver se vinha uma resposta curta e genérica, sintoma da clonagem ou como era de se esperar uma resposta com muitos substantivos e adjetivos que demonstrariam uma energia vital que lhe assegurava que aquela pessoa estava imaculada, agarrada a seus ideais, viva. Certo dia perguntou a sua esposa num belo amanhecer de sábado:
-Veja que maravilhoso dia este alvorecer nos promete.
-Legal.
Ouvindo aquele “legal” passou a discutir:
-Legal é muito pouco para descrever este momento. Só uma mente pequena para pensar assim a respeito deste espetáculo maravilhoso. - Esperou pelo palavrão e a ordem para parar de ser chato, mas, e o que era pior, ouviu um consentimento da sua opinião.
-É verdade. - Desconfiado e indignado com a resposta tratou de continuar a discussão:
-Como assim “É verdade”, não vai defender seu ponto de vista?
-A defesa fica para outro dia, vou tomar banho e me arrumar para meu compromisso desta manhã. Não estou com tempo para ficar discutindo algo que nem merece discussão. Reconsiderei meu “legal”, acho que você tem razão querido: é maravilhoso.
-Compromisso? Como assim “compromisso”? Eu não estou sabendo de nenhum.
-Depois quando eu digo que você nunca me escuta você vai dizer o que? Eu já tinha te falado. Busque na sua memória. Você não é mais criança para eu ter que repetir várias vezes a mesma coisa. - Ela falou já saindo para o banheiro. O que ele considerava uma “trucada” dela deu certo. Ficou inseguro e preferiu não “levantar para seis” continuando aquela conversa onde porventura poderia ser pego com uma mão ruim de já ter ouvido e não ter dado a devida atenção. Que compromisso? Ele vasculhava nos cantos de sua memória e não encontrava nenhum. Talvez sua memória o estivesse traindo ou talvez a esperteza dos clonados lhes fornecessem saídas/argumentos falsos para que mantivessem encontros secretos, reuniões onde deliberariam suas estratégias ou recebessem ordens para missões de dominar o mundo. Tratou de seguí-la disfarçadamente. Após alguns minutos de carro ela desceu tranqüila e caminhou em direção a um prédio comercial, entrou, e Samuel pela fachada de vidro pôde observar que ela chegou ao balcão, falou com porteiro que lhe entregou uma chave. Samuel entrou e sem saber o que falaria para o porteiro tratou de observar no mostrador do elevador em qual andar ele iria parar. Pensando rapidamente para responder o porteiro que estava a perguntar:
-Em que posso ser útil?
-Vou falar com o Dr. Odilon. – respondeu olhando para o painel que ficava na parede às costas do porteiro, pois era o 1º nome que viu para o sétimo, andar aonde tinha estacionado a luz do elevador.
-O senhor marcou hora? -perguntou desconfiado o porteiro.
-Sim.
-Deve haver algum engano já que o Dr. Odilon, médico ginecologista, não atende aos sábados. – Samuel pensou em abrir o jogo e dar uma gorjeta ao porteiro para ir ver aonde tinha ido sua esposa, mas com medo de que ele fosse um deles achou melhor não arriscar.
-Devo ter me enganado com datas então vou ligar para ele na 2ª e confirmar o dia.
-Mas ele é um médico g-i-n-e-c-o-l-o-g-i-s-t-a. - a forma de repetir a especialidade médica pausada e bem articulada cobrava uma explicação.
-Sei, claro. A consulta é para minha esposa.
- E onde esta sua esposa?
-Olha, eu a deixei na frente do prédio e fui estacionar o carro, achei que ela já tivesse entrado, o senhor não viu?
- Aqui, não entrou nenhuma senhora a procura do Dr. Odilon. -A resposta não ajudava. Samuel queria saber aonde tinha ido a última mulher que entrou. Para que a chave?
- Vou voltar para o carro e ligar para ela obrigado.
-Não por isto. Quer deixar o seu nome e o número do telefone. Se aparecer aqui uma senhora procurando o Dr. Odilon posso dar o recado.
-Não precisa obrigado e até logo. - respondeu estranhando a boa vontade do porteiro. Por que deixar o nº do telefone? Por acaso sua esposa não saberia o seu número?
-Até logo. - respondeu o porteiro dando uma boa olhada em Samuel.
Samuel ficou no carro olhando para a saída do prédio e após umas duas horas viu sua Cristina sair acompanhada de um homem bem trajado, que o belo terno não conseguia disfarçar o porte atlético. Trocaram beijos no rosto e cada um seguiu um caminho. Pensou em correr para dar o flagra, mas e se ela não fosse um clone e se aquele rapaz não fosse um alienígena. Se aquela loucura no final fosse só uma loucura e o observar as pessoas tivesse deixado cego para os sinais que sua esposa pudesse estar carente e buscasse a solução em outra pessoa. Os sentimentos de culpa e de vergonha se misturavam com uma vontade cada vez maior de que aquela pessoa fosse um clone da sua Cristina. Preferia perder para um alienígena que ele imagina um ser mais evoluído com poderes além da sua capacidade do que perder para outro ser humano, onde não haveria poderes especiais e sim suas falhas em evidência.
Sua estratégia para atacar uma ou outra possibilidade foi passar na floricultura e comprar um buquê de rosas vermelhas levando para sua esposa:
-Desculpe por hoje de manhã.
-O que é isto? São para mim? O que você andou aprontando? – Falou Cristina em tom de brincadeira, mas admirada e na percepção de Samuel com menos entusiasmo do que ele esperava, já que ela era doida por rosas.
-É um pedido de desculpas por hoje de manhã. Realmente não lembrei e continuo não lembrando o seu compromisso. Devia estar distraído quando você falou.
-Oh querido, não precisava se preocupar. Está desculpado. Vou retirar o celofane, arranjar um belo vaso, colocar um pouco de água e acomodar estas belas rosas.
-Que bom que você gostou. .....hum e você não vai me dizer aonde você foi?
-Eu tinha dito para você que ia falar com a Maria. Amiga desde os tempos da faculdade e que queria uns conselhos. Sabe como é, né?! Amigas sempre se ajudam.
-Que tipo de conselhos e porque tinha que ser no sábado?
-A semana dela estava muito corrida no serviço e ela precisava de um bom tempo de conversa que não se resolveria num almoço. Quanto ao tipo querido, ela me pediu segredo, só lhe adianto que eram conselhos sentimentais. Na verdade mais escutei do que falei. Amizade é assim...
-Ora, claro meu bem, então vocês resolveram marcar para sábado na casa dela? - a pergunta tinha o objetivo de cercar a mentira, uma vez que ela saiu com um homem de um prédio comercial.
-Samuel, por que o seu interesse repentino neste assunto? Quando eu te falei do compromisso você nem desviou o olhar da televisão, hipnotizado pelas notícias que se repetem todo dia? – o “querido” tinha saído da conversa, chamá-lo pelo nome já demonstrava certa impaciência.
-Não meu bem só estava puxando assunto, que tal irmos ver Tarzan no cinema? Vi que estreou nesta semana. – Samuel preferiu desconversar e tentar descobrir a verdade de outra maneira.
-Não sei, não é o gênero que eu gosto.
Samuel sinceramente achava que Cristina estava mentindo, mas preferia fazer uma aposta parecida ao que no turfe seria do tipo PLACE onde se ganha com seu cavalo sendo 1º ou 2º colocado. Só que nesta aposta seria um pouco diferente: ele escolheria dois cavalos para ser o provável vencedor do enigma, pois apesar da desconfiança na história de Cristina queria eliminar a possibilidade dela ter ido se encontrar com alguma Maria. Por isto no mesmo dia à noite foi para o banheiro e munido do seu smartfone pesquisou na rede social e procurou entre as amizades da esposa uma tal de Maria. Encontrou três: uma era a sobrinha adolescente, que pela idade própria de acreditar em amores impossíveis poderia até querer conselhos sentimentais, mas que nem na faculdade estava sendo eliminada sumariamente como possibilidade. Outra parecia muito feliz em fotos disponíveis para o público e tinha no seu perfil também aberto a data de nascimento que era superior em 10 anos à da Cristina, e status casada. Os dados não eliminavam a chance dela ter sido uma colega de faculdade e estar com dificuldades no casamento, mas faziam cair bastante o retorno por uma aposta. A terceira Maria tinha seu perfil bloqueado e apresentava como foto de perfil um símbolo que no horóscopo seria o signo de gêmeos, mas para um desconfiado poderia indicar a clonagem. Pronto, se tinha alguma Maria para ser investigada ele já tinha sua eleita. O outro cavalo era descobrir quem era aquele homem do terno.
Quando saiu do banheiro pegou a sua Cristina no telefone – a conversa estava boa, pois ela nem percebeu ele se aproximar. Cavalo encilhado, Samuel aproveitou para tentar ouvir a conversa.
-Acho que ele anda meio desconfiado.
-.... – pena que Samuel não podia ouvir o outro lado. Com quem ela falava? Quem estava desconfiado? Do que estava desconfiado? Estaria ela fazendo seu papel de conselheira sentimental de uma amiga que estava tendo um caso extraconjugal ou ela estaria falando com alguém a respeito dos clones e a desconfiança de Samuel? Tentou ouvir mais um pouco, mas a partir deste momento Cristina começou a sussurrar. Tentou se aproximar mais para tentar ouvir, mas foi traído por um castiçal de ferro, que empurrado por sua blusa soltou um grito estridente do material quando em contato com o taco do piso, servindo de alerta para Cristina que então percebeu sua presença.
-Ah, oi querido, você estava aí....agora deu de escutar conversas alheias?
-Não, acabei de chegar, por que perdi algo interessante – respondeu com um sorriso maroto que tentava se mostrar ingênuo.
-Então tá querida, nos falamos depois, beijo, tchau. – encerrando Cristina a ligação.
-Não, pode continuar sua conversa que se você quiser volto para o banheiro.
-Não é preciso, já conversamos o necessário.
-Engraçado eu não ouvi o telefone tocar.
-Porque fui eu que liguei.
-Ah...tá. Me empreste o telefone, preciso combinar com o Pedro um material para a reunião de amanhã. – Cristina passou o telefone desconfiada. Samuel mais do que depressa apertou a tecla “redial”.
-Alô?! – falou uma foz aveludada e grave do outro lado, parece que Samuel visualizava o tal homem de terno e porte atlético.
-Alô. Quem está falando?
-O senhor quer falar com quem?
-Ahm com Pedro. Não é Pedro?
-Aqui não tem nenhum Pedro, quem está falando?
-Aqui é uma pessoa que queria falar com o Pedro, devo ter me enganado, vou tentar de novo. - Samuel gostaria de ter dito foi engano/desculpe/obrigado, mas ficou irritado com a pergunta de seu interlocutor. Cristina falando com uma amiga? Só se ela tivesse algum problema muito serio nas cordas vocais, porque nem muito hormônio masculino poderia justificar aquela voz de locutor de rádio.
No dia seguinte cedo foi a um médico seu amigo desde os tempos de escola e simulando dores pediu uma consulta.
-Tenho enjôo, minha cabeça parece que vai estourar e tenho dor nas costas e estou sentindo calafrios.
-Deixe-me examiná-lo, diga “AAAA” - após uns exames rápidos onde viu sua garganta, ouvidos, apertou a barriga, mediu pressão e temperatura disse:
-Me diga Samuel, o que você quer? Seu quadro clínico é normal. Te vejo apenas um pouco ansioso. Está com algum problema em casa com a Cristina ou no trabalho? Você quer um atestado?
-Ricardo – o “Doutor” nem era necessário, não porque não o considerasse um bom médico, mas sua lembrança de futebol e brincadeira juntos e a vontade e manter a relação mais intimista possível junto com sua vontade de conseguir um atestado o faziam chamá-lo pelo nome – se você puder me dar uns dois dias eu agradeceria, preciso resolver algumas coisas. Prometo que no futuro eu explico.
A amizade falou mais alto e o Dr. Ricardo que se considerava um médico “das antigas” que cuida da saúde integral do paciente não se incomodou muito em emitir um atestado onde apareciam mais de uma “ite” nas vias aéreas com direto a faringite e laringite agudas devidamente acompanhado de receitas de antibióticos fortes para justificar seu tratamento.
Antibiótico forte era Samuel e sua determinação de, desmascarando os clones começar a virada da raça humana. Ligou em seguida para seu chefe onde, forçando uma voz rouca e embargada por dor, falou da súbita doença que o afligia e que o impediria de ir ao trabalho por dois dias. Seu disfarce o ajudava a dar menos explicações sobre seu estado, o que poderia levá-lo a alguma contradição.
-Fique tranqüilo Samuel. Melhoras e só volte 100%. Aqui nos vamos dando um jeito. – pronto: Samuel ouviu sua alforria e tinha carta branca de dois dias para investigar o que achasse necessário. Para não voltar para casa e correndo o risco de ter um encontro com novas mentiras desta vez para Cristina (ou sua clone), resolveu passar no mercado onde com o baixo orçamento a que se dispôs, comprou um boné, um casacão de tectel preto e um óculos escuro grande, o que no seu conceito o deixava irreconhecível, seguro, portanto de eventuais encontros com conhecidos e mirabolantes explicações.
Foi numa lanchonete próxima ao lugar onde Cristina tinha se encontrado com o tal ... e pediu um café, O lugar tinha uma grande área envidraçada que dava excelente visão para o prédio do encontro. Ali ficou observando e tinha a pretensão de ficar até vê-lo. Desta vez iria seguir os passos. Porém sua presença ocupando lugar já causava certo desconforto e uma garçonete chegou:
- O senhor precisa de algo.
-Não obrigado estou bem. – Samuel percebeu no olhar de impaciência da moça a mensagem das entrelinhas e falou: - Pensando bem você poderia me ver o cardápio para que eu possa escolher alguma coisa?
-Esta aqui – retirando um encarte plastificado entre tantos outros que ela trazia num bolso frontal do seu avental. Ele olhou e viu que ela ficou ao lado como forma de pressioná-lo a fazer uma escolha.
- Vou querer uma porção pequena de mandioca frita e um suco de laranja.
- Ok, aguarde só uns minutos. – falou a moça enquanto anotava o pedido num pequeno bloco de papel. – mais alguma coisa?
- Não, por enquanto é só. Não precisa ter pressa, obrigado.
Seu visual por si só já era suspeito, e ainda este tipo comentário numa lanchonete, onde o normal é a pressa uma vez que muitos trocam uma refeição por um lanche justamente por ser mais rápido. Nos tempos modernos tão curtos, os fast –foods aparecem em auxílio, dando mais tempo para fazer o que não gosta. Sim porque se uma pesquisa fosse feita sobre os maiores prazeres da vida, comer estaria bem relacionada, poderia até perder para, sexo, viagens, mas o prazer de saborear um alimento com certeza estaria na listas das coisas pelo que vale a pena trabalhar. Só que trabalhando mais, já abriam mão de algo que seria enfim um dos motivos de trabalhar. Contradições à parte, aquela figura com um óculos de sol gigante, um boné e sem pressa não passaria despercebido das pessoas suspeitas de qualquer coisa menos de ser uma pessoa normal. A moça foi para o balcão e telefonou para alguém, enquanto falava olhava diretamente para o Samuel. Ele pensou “será que ela está ligando para a polícia? Incomodado levantou-se e se dirigiu a o balcão para tentar conferir o que a moça falava:
-Não, não fazemos entrega. Se o senhor quiser podemos indicar um serviço de moto-boy para o senhor. - Percebendo que era uma conversa inocente, ia quase voltando para a mesa, quando a garçonete disse .
-Pois não, o senhor queria algo mais?
-Ah sim esqueci de pedir se puder pode acrescentar uns bacons na porção?
-Nossa porção é especial, o senhor vai ver: vem com bacon, salsinha e cheiro verde. Já está quase pronta.
-Ótimo, obrigado.
- O senhor esta com algum problema na vista?
- ... – demorou um pouco para responder a procura de uma resposta que não o obrigasse a tirá-los – na verdade eu fiz um exame de vista agora a pouco e pingaram um colírio que dilata as pupilas e por enquanto a mínima luz me incomoda. –Samuel voltou para a mesa e continuou sua observação. Realmente para o que ele pretendia de tempo naquele P.O. (Ponto de Observação) o lanche viria rápido e por mais que ele se enrolasse para comer viu que não poderia passar de meia hora. Olhando para fora começou a pensar aonde poderia ficar a espreita sem causar suspeitas. Enquanto olhava para fora entrou na lanchonete aquele personagem dos seus conflitos íntimos. Levou um susto e agradeceu ao tamanho meio que desproporcionais e vidros escuros dos seus óculos que escondiam sua cara de espanto. O fulano sentou-se numa mesa atrás da sua e pediu para a garçonete:
- Oi querida, o mesmo de sempre.
- Ok .
Enquanto aguardava o seu pedido o homem pegou o telefone e ligou para um tal de Caio e falava num sussurrado alto que Samuel não tinha dificuldade em ouvir:
- Oi Caio, sabe eu to ligando por que quero um conselho seu.
-....
-Sabe o que é, recentemente eu conheci uma mulher num simpósio da empresa e conversamos, logo me apaixonei e estava tentando conquistá-la,
-....
- Não...
-....
- Sei....
-....
-Não é este o ponto. Caio você pode me ouvir? O problema é que ela é casada, e ama muito o marido. Hoje eu liguei para ela e disse que não ia mais ligar, gosto dela, não me apaixonei de propósito, mas não vou mais enchê-la com minha paixão. Se eu gosto dela e quero o seu bem, devo reconhecer que para ela o melhor é ficar com o marido que ela já me garantiu que ama muito, só que anda meio estranho, com umas teorias malucas. Imagine você que ele fala que as pessoas estão sendo trocadas por clones...
-............
- Eu sei, também acho loucura, mas é quem ela ama verdadeiramente e não serei eu um destruidor de lares. Vou continuar a procura pela minha cara metade, mas que não seja casada.
-....
- Pois é, sei,
-.....
- Então, eu liguei para ver se você está a fim de descer para a praia no final de semana.
-...
-É verdade, nada como um novo amor para esquecer o anterior. Vamos “azarar”.
-....
-Beleza combinado então, te vejo na sexta.
-...
- Abraços. – falou e desligou o telefone colocando-o na mesa. Samuel sentiu-se arrasado, tinha vontade de pular no pescoço do indivíduo, mas reconhecia nele valores de dignidade como seu respeito à família. Levantou-se e dirigiu-se ao balcão para pagar a conta. A moça preocupada disse:
- Já está pronto, vou levar na sua mesa.
- Não precisa, surgiu uma emergência e tenho que sair, não se preocupe com a conta vou pagar pela porção e suco.
- Tudo bem... – falou a moça que fez um ar de estranhamento e curiosidade, enquanto recebia o dinheiro e lhe entregava o troco – Volte sempre. – Samuel não chegou a ouvir o final olhando para a moça. Assim que recebeu o troco ato continuo virou-se costas e saiu. Ele iria para casa ver Cristina, estava decidido a não mais ficar pensando em bobeiras, teorias de conspiração, não pesquisaria mais nenhuma Maria com avatar de gêmeos. Pensava só em retribuir o amor que segundo o testemunho de um estranho era muito grande. Ele iria dar mais atenção àquela mulher que vivia ao seu lado e o amava muito. Na lanchonete a garçonete aproximou-se do homem e disse:
- Será que vai dar certo?
- Acredito que sim. Plantei uma sementinha de culpa no rapaz e acho que agora ele vai parar de ficar buscando quem a gente já clonou. A JB54 - estava se referindo a Clone da Cristina - já foi reprogramada para ser mais amorosa até que consigamos terminar o XW65 -clone do Samuel - No que terminarmos pegaremos o Samuel recolheremos suas memórias para reprogramar o clone e incluí-lo na nossa sociedade.
Assim termina esta história meio sem pé nem cabeça ou com pé, cabeça e tudo mais clonados. Como já dizia meu avô “antes clonado do que cornado”. Bom, na verdade ele não dizia isto, mas que a frase é legal é né?!