A um passo da eternidade.

A Escola de Educação Infantil e Ensino Fundamental e Médio “Professora Etelvina Vieira Nunes” É um prédio antigo que funciona com três turnos e a classe de alfabetização do pré 1 e 2. Aqui as crianças entram analfabetas e quase engatinhando e saem formadas no ensino médio. Elas tem até a chance de fazer um pré vestibular ou um curso profissionalizante em horário diferente. A Escola tem princípios católicos, mas aceita alunos de qualquer religião.

Os princípios éticos são exigidos dos alunos e há câmeras de segurança por toda a parte, embora algumas não estejam funcionando, e talvez por isso, até esqueçamos delas. Os alunos entram na escola e as grades são fechadas e só são abertas quando bate o sinal da última aula. Não há aulas vagas aqui. Os professores pagam multas pesadas se faltarem.

A única deficiência aqui atualmente, é de pessoal da limpeza, mas nem sempre foi assim. É que acabou a licitação e a última equipe saiu e ainda não entrou nenhuma equipe em seu lugar. Esta é uma instituição de ensino particular mas as licitações são necessárias pois é apenas uma filial e a matriz está localizada em São Paulo. A escola está apenas com uma cozinheira e duas serventes em horários alternados. Elas quase não dão conta do serviço, mas a gente ajuda em algumas coisas, enquanto a outra firma não começa definitivamente as atividades. Não que a gente faça limpeza, mas tentamos sujar o menos possível. Em cada turma, o líder, recolhe o lixo para a servente e os banheiros e pátios são usados educadamente. Estamos nesta situação há apenas uma semana. Está sendo muito educativo afinal.

As funcionárias são voluntárias, amigas da escola e mães de alunos. Aqui temos um grupo grande de voluntárias, mas nem sempre elas podem ajudar. A escola é grande demais.

Tem um jardim no centro da escola e nele tem um chafariz abandonado com uma estátua de Nossa senhora dos Navegantes dentro dele, numa redoma de vidro. Também, bem no centro do jardim, há o prédio da caixa d'água. É um prédio pequeno e tem a caixa d'água bem no topo. Ela é bem grande e cabe uns dez mil litros de água.

Ao lado da cantina, tem a sala da supervisão, a sala de orientação e a sala da educação física. tem um corredor e ladeando o mesmo corredor tem os vestiários e banheiros femininos e depois os masculinos. Depois tem uma sala onde as serventes guardam as suas ferramentas de trabalho. No final deste corredor tem a saída dos fundos que vai dar na quadra de esportes construída bem atrás da escola e exclusivamente para ela.

A aula de matemática até que hoje foi legal. Com certeza a Fátima, estava de bom humor. Brincou com a gente e reinventou seu método e finalmente consegui aprender aquela matéria de multiplicar frações. Ufa Que alívio! Era a penúltima aula do dia.

O Roni estava esperando pela gente na saída. Em frente a entrada da escola tem um parque de árvores que foi plantado no passado por um professor de Técnicas Agrícolas chamado Getúlio e sua turma de alunos. Ele e a esposa, Dona Filoca, que ministrava aulas de Língua Portuguesa, eram os primeiros professores da escola. Hoje, o parque serve de sombra pra gente enquanto esperamos. Tínhamos combinado um passeio para o final de semana, que havia sido combinado antes, mas sempre dava errado. O Maumau também iria com a gente. Os dois, além de serem ótimos professores de Geografia e História também eram muito bons amigos da turma. Tínhamos resolvido que não iria a turma toda do 7º M2 no passeio. Havia alguns elementos que não saberiam se comportar. Afinal era um prêmio por bom comportamento e eles não mereciam.

Só eu e a Vitória tínhamos chegado quando o Roni se aproximou. Faltava o Bolinho de Carne e a Lúcia, que aliás também não merecia sair com a gente, mas foi usando a sua lábia e convenceu aos dois professores. Ela e Bolinho de carne estavam na sala de aula ainda. Era a última aula da Andreata, a professora de ciências. Ela também é muito legal mas a gente não sabia se ela quereria ir no fim de semana.

Tivemos muitos problemas com Lúcia. Ela é uma linda morena de porte grande e cabelos longos e alisados. Tem o jeito meigo mas é muito atirada pra uma menina de treze anos. Tia Celita, a mãe dela, já não sabe o que fazer para que ela melhore o seu comportamento. Nós, seus colegas do 7º M2, resolvemos ajudá-la nos afastando dela. Assim que nos afastamos, ela resolveu mudar. Até que anda menos tagarela. Mas ultimamente andava meio macambúzia, e só andava cabisbaixa. Isto até hoje na aula de ciências em que ela desembestou a falar e atentar a todos. Beliscou a Beatriz, tentou beijar o Bolinho de carne e puxou o cabelo da Vitoria. Sou a líder da minha turma por isso olhei pra ela com olhos reprovadores mas de nada adiantou. O que será que está havendo com ela? A chegada do Roni me trouxe a realidade.

_Olá Isa! Olá Victória! Como estão vocês meninas? Onde estão a Lùcia e o Bolinho de Carne?

_Oi Roni! Não sabemos. Quando a gente saiu eles estavam na sala de aula. - Falei

_Oi Roni, A Lúcia está de castigo na sala pois não terminou o exercício e a Andreata disse que ela só vai sair se terminar, pois não adiantaria levar pra fazer em casa. Além do mais ela atrapalhou toda a aula de ciências tagarelando, estava impossível hoje.- Disse Victória

_Essa menina não toma jeito! Exclamou o Roni.

_Olhem lá vem o Maumau! - Falei

_ Aqui, Maumau! Gritou a Victória.

_Aqui! Gritei acenando pra ele também.

Logo atrás do Maumau vinha o Bolinho de carne. Aquele jeitinho de menino quietinho, é só fachada! Ele sabe como fazer uma bagunça, mas gostamos muito dele. Quando Bolinho de Carne se aproximou da gente fizemos em uníssono a mesma pergunta:

_ E a Lúcia, onde está?

_Já saiu a um tempão. Eu também, mas estava lá dentro de papo com a Daniela.

_Por aqui ela não passou! Exclamei.

_Será que ela saiu pelos fundos? Perguntou o Roni.

_Ou deve estar escondida por aí. Êita menina danada!! Falou Vitória

_Vamos procurar por ela, Roni? Tia Celita me pediu pra ficar de olho nela.- Falei.

_Tudo bem. Eu e Bolinho de Carne vamos por aqui entre as árvores. Victória e Isa entram na escola. Maurício, você roda pelo outro lado e vê se ela não está por lá.

Saímos juntos e procuramos por todo o lugar mas não encontramos a Lúcia. Aproveitamos e perguntamos a todo mundo que encontramos se a tinham visto, mas ninguém sabia dela.

Encontramo-nos todos na entrada da escola, bem mais tarde, e ficamos preocupados. O celular, a Lúcia não tinha mais, porque a mãe tomou dela tempos atrás e nunca mais devolveu.

_E agora? Como vamos encontrar a Lúcia? Falei preocupada. Lúcia é minha melhor amiga, mas ultimamente ando afastada dela.

_Não se preocupe Isadora, ela deve estar por aí. Disse-me Maumau.

_Vamos combinar o passeio de domingo ou não vamos? Reclamou o Roni

_ É isso aí! Disse Victória.

_ Não levem a mau não, pessoal, mas prefiro encontrar a Lúcia Primeiro. Amanhã é sexta feira e a gente resolve.

Todos concordaram, Bolinho de Carne apenas balançou a cabeça afirmativamente.

Entrei no ônibus escolar por volta das 12 horas, depois que ele voltou do bairro São Benedito. Deixei pra entrar no ônibus por último na esperança de avistar a Lúcia por ali, mas isso não aconteceu. Cheguei em casa e almocei intranquila. Não conseguia parar de pensar na Lúcia. Onde estaria aquela maluca? Pensei em ligar pra tia Celita mas isto a assustaria e denunciaria alguma traquinagem da menina e eu não sou fofoqueira. Mas nem bem pensei e o fixo da minha casa tocou.

_Alô!

_Oi Isadora é a Celita. Você sabe da Lúcia?

_Tia, eu pensei que ela estaria em casa, pois saiu da escola e a gente nem viu. Procuramos por ela e não a encontramos.

_Isadora, já são três horas e até agora ela não chegou em casa. Será que ela fugiu de novo? Tem certeza de que ela não comentou nada com você?

_Não Tia Celita. Juro que não. Se souber alguma coisa me avisa tá? Eu andei afastada dela pra ver se ela se emenda mas agora to arrependida. Se tivesse de boa com ela saberia onde ela tá agora.

_Não se preocupe não, tá filha? Deve ser outra das armações da Lúcia pra chamar a atenção da gente.

_Mesmo assim não to gostando disso. Avisa-me, tá?

_Tudo bem Se eu souber de alguma coisa te aviso e te peço pra fazer o mesmo. Se souber antes, me avisa.

_Pode deixar, tia. Ligo assim que souber dela. As lágrimas escorriam do meu rosto.

Tia Celita desligou e eu resolvi convocar a turma pra fazer alguma coisa. Vitória mora no interior e eu também, mas longe dela. Os outros moram na cidade. Liguei pra Vitória e ela falou que o pai dela não tava em casa pra levá-la a cidade. Meu pai me levou na biblioteca porque eu resolvi pedir ajuda a minha mãe.

_Mãe, a Lúcia sumiu de novo. O que é que a gente faz?

Minha mãe ligou pra tia Celita e ela falou que já tinha acionado a polícia como da primeira vez. Pôs-se a disposição e desligou.

_Voltei a escola e procurei por pistas. Encontrei Bolinho de carne na frente da escola. Ele falou que a mochila da Lúcia tinha ficado na sala de aula. Fui a secretaria da escola e pedi a Secretária pra ver a mochila da Lúcia pra saber se alguma coisa nos levava a ela.

A Dona Áurea não queria nos dar a mochila pois disse que não éramos da família da menina. Mesmo assim aproveitamos a distração dela pra pegar a mochila e sair correndo dali. Só queríamos procurar pistas escondidas. Mais tarde devolveríamos.

Até a bolsinha de dinheiro da Lúcia estava lá. Alguns chicletes e o seu diário. Ele estava trancado pois a Lúcia sempre levava a chave no pescoço.

Bolinho de Carne tentou abrir a fechadura do diário com um grampo e não conseguiu. Encontramos um ex aluno da escola que era expért no assunto e ele fez o serviço pra gente.

No diário Lúcia falava de alguém que estava amando. Mas não mencionou nada de hoje. Dizia que a aula de ciências “tava um saco” nada de anormal. Mataria aula no banheiro. E não escreveu mais nada.

Resolvemos ir até o banheiro pra investigar. Mas a Coordenadora estava no pátio e ela não poderia ver a gente. É proibida a entrada de alunos do matutino depois do horário. Joguei um pedaço de papel em forma de aviãozinho pela vão das salas finais e ela foi ver quem estava jogando. Enquanto isso tiramos os sapatos, viemos correndo e entramos no banheiro. A servente da limpeza ainda brincou com a gente achando que a gente tava fugindo da sala. Na certa confundiu nossos horários.

No banheiro nada demais. Resolvi perguntar a outra tiazinha da limpeza que encontrei no pátio, pela Lúcia da manhã. Quem sabe? Talvez ela tinha visto algo de errado.

_Tia, será que a senhora viu a Lúcia da turma da manhã hoje? Ela se assustou comigo mas respondeu logo em seguida.

_Claro que sim!! Ela fugiu da aula antes de acabar e veio pro banheiro. Mas a gente tava lavando o banheiro e não deixamos ela entrar. A doida entrou no térreo da caixa d'água. Acreditam?

_Só a Lúcia mesmo! A senhora a viu sair de lá?

_ Não fiquei olhando. Como disse eu tava lavando o banheiro.

_Ah é mesmo! Desculpe-me. Obrigada tá?

_ Bolinho de Carne, você tá pensando o mesmo que eu to pensando?

E corremos pro térreo da caixa d'água. Lá chegando tentei abrir a porta mas ela tava fechada.

_Isa, olha o que eu achei aqui atrás!

_O que é isso?

_Sei lá! Parece um tipo de escrita antiga.

_Deve ter sido feito por algum aluno.

_Talvez o Maumau saiba o que quer dizer. Ele tem aula hoje.

_Verdade, vamos perguntar a ele, Bolinho?

_Mas como chegar lá sem a Manuela nos ver? E por falar nela Cuidado! Lá vem ela.

Escondemo-nos atrás do pequeno prédio e ficamos esperando a Manuela passar. Logo depois que ela entrou na coordenação vimos o Maumau sair da sala do 7° V3. Chamei-o e ele veio.

_O que vocês estão fazendo aqui? Alguma notícia da Lúcia?

_Não, nenhuma. E contamos a ele tudo o que tínhamos encontrado e perguntamos o significado nas letras.

_Ele fotografou e disse que pesquisaria pois também não sabia. Disse pra irmos embora e depois nos procuraria pelo celular.

Voltei pra casa no ônibus circular com minha mãe. Bolinho de Carne foi pra casa e o mistério continuava.

No dia seguinte a gente ficou esperando pelo Maumau mas ele não veio dar aula. Não ligou pra gente e nem deu notícia alguma. Depois da aula resolvi investigar por conta própria pois também havia fotografado a estranha escrita.

No Google dizia ser uma escrita Maia. Alguma espécie de ameaça. Não entendi direito. Mostrei ao Roni na aula dele e ele ficou curioso. Perguntou-me se eu tinha perguntado a minha mãe mas eu disse que não.

Talvez na biblioteca existisse alguma coisa que explicasse aqueles símbolos. Mas antes que eu pudesse pensar em perguntar a minha mãe, duas coisas aconteceram.

Primeiro Bolinho de Carne saiu em direção a cantina. E a segunda Maumau encontrou no chão ao lado da pequena parede marcas de que alguém havia raspado a terra e tentado tapar com argila as marcas na parede. Enquanto analisávamos a descoberta, Bolinho de Carne voltava da cantina. Ele interrompeu nossa discussão e disse:

_Gente, olha só, pensei que se a porta tem fechadura talvez possuísse chave. Fui perguntar a tia da cantina e ela me disse que estava ocupada mas me deu a chave. Disse que faz muito tempo que ninguém entra ai.

_Como assim? A outra servente disse que viu a Lúcia entrar ali.

_ E tem mais. Ela disse que aqui não tem duas serventes na limpeza é só ela!

Ah Meu Deus! Disse Mau mau.

_Ah Minha Nossa Senhora da Chanel, da Gucci, da Prada, da Diór, na liquidação!!!!

_Isa e Felipe, olha só, agora já são cinco horas. Tá quase na hora dos alunos saírem. É melhor vocês irem embora. Vou entrar pois meus alunos já devem ter acabado a tarefa e já ouço burburinhos daqui.

_Certo, antes que a Manuela nos pegue no flagra, vamos-embora.

Saímos pelo portão dos fundos antes que a aula de educação física também acabasse e os alunos viessem da quadra, pois o da frente estava trancado. Fomos direto pra casa. Quase não dormi, mesmo porque a tia Celita me ligou as 8 horas da noite e estava chorando. A polícia não tinha nenhuma notícia da Lúcia. Nem eu. Ela chorou bastante e desligou depois que eu prometi que estávamos procurando por ela e íamos achá-la.

Amanheceu sem neblina. Chegando a escola eu, a Vitória e o Bolinho ficamos em frente a escola conversando desde que o ônibus escolar chegou até o sinal bater. O Maurício faltou e a gente ficou no vácuo nas investigações.

Na fila antes de entrar, a diretora fez uma reclamação muito séria. Pediu pra gente fazer o favor de ficar de olho, pra ver se descobríamos quem tinha escrito na parede no banheiro com batom. Ficou indignada e disse que a escola só tinha uma servente pra limpar e desse jeito não dava. Fiquei pasma com a declaração dela. Então a tiazinha da cantina tinha razão. Só tinha uma servente. Então quem era aquela mulher bonita com uniforme de servente que disse que viu a Lúcia entrar no prédio da caixa d'água?

Bolinho de Carne me olhou e eu aproveitei a deixa pra interceptar a diretora:

Diretora me da licença?

_Fala Isadora!

_O que exatamente escreveram na parede do banheiro feminino?

_ E que importância tem isso?

_ Toda. Por favor me responda. O que estava escrito lá?

_Está bem. Eram as letras “S” duas vezes e um “O” bem grande.

_Era SOS?

_Sim. Acho que era. Porquê?

_Podemos conversar depois um instante?

_Sim aguarde aqui. Os outros podem entrar pra salas.

E os alunos foram entrando um por um, fila por fila, bem rápido.

_Venha comigo Isadora.

E fomos até a diretoria. Chegando lá não perdi tempo.

_Diretora, a senhora não sabe mas a Lúcia desapareceu dentro da escola ontem. A mochila dela não saiu da sala de aula. Mas ela não chegou em casa e nós ficamos esperando por ela ali fora, até que saiu o último aluno.

_Meu Deus! Porque ninguém me falou nada?

_Achávamos que ela tinha fugido de casa. Mas nem no diário ela escreveu nada E tem mais. Ontem uma mulher estava aqui dentro com uniforme de servente e disse que viu a Júlia entrar no prédio da caixa d'água. Mas não era a tiazinha que limpa. Achamos que era voluntária e que ela trabalhava aqui, mas só soubemos que aqui não tem outra servente agora pela senhora. Ontem a tiazinha me falou mas eu não acreditei.

_Que absurdo! Quem será esta mulher? Tem certeza do que está dizendo menina?

_Isto é muito sério, Diretora. Podemos falar com o Maumau?

_Ele não veio trabalhar hoje. Nem mandou dizer nada.

_Ontem ele nos ajudou a descobrir algumas pistas. Será que deram sumiço nele?

_De que pistas você está falando?

_Venha comigo.

Saí com ela e lhe mostrei nossas descobertas.

_Isadora, estas marcas não estavam aqui antes.

_Como não?

_Tenho fotos daqui tiradas antes e tenho certeza de que não havia nada aqui. Foram feitas pra confundir a gente. E tem mais, alguém tentou fazer parecer que ele era velho. Por via das dúvidas abrimos a porta e estava tudo coberto com teias de aranha e poeira. Ela tinha razão. Ali não entrava alguém há muito tempo.

-Voltamos a estaca zero. E agora? Onde esta Lúcia?

_Vou procurar a polícia.

_Isso vai adiantar, Diretora?

_Não sei querida, mas nós enquanto escola, temos que registrar o sumiço da Lúcia.

_ A mãe dela já ligou pra polícia.

_Sim, mas a menina sumiu dentro da escola e a polícia até agora não veio aqui. Por que será?

Fui com ela até o DPM que fica em frente a entrada da escola. Fizemos uma descoberta ainda pior. Os policiais que atenderam a tia Celita pelo telefone não eram policiais. Chegamos a essa conclusão porque a polícia simplesmente não sabia de nada. A informação não estava no sistema. Ele disse que provavelmente, eles interceptaram as ligações dela e desviaram pra outra linha. Fizemos um BO. E os policiais foram conosco até a escola pra ver de perto a escola e tentar achar algumas pistas. Na verdade eles sabiam que era tarde pra isso. O Sargento Gonda que é o comandante daquele batalhão, nos avisou que, infelizmente, com certeza, a escola estava limpa de pistas. Já havia se passado muito tempo e a limpeza de todos os dias colaborou pra apagar as pistas. Mas eu disse-lhe que ele iria ver o quer descobrimos e o levei a caixa d'água e contei-lhe tudo o que eu e Maumau e Bolinho de carne descobrimos. E a Diretora contou-lhe também as suas descobertas.

Ele chegou a mesma conclusão que Maumau e a Diretora. Alguém muito amador tentou fazer as marcas desenhadas em baixo-relevo parecerem mais velhas do que são. E Lúcia deve ter sido subtraída pela mesma mulher que vimos. A diretora chamou Bolinho de Carne e ficou tentando localizar Mau mau em vão enquanto o Policial conversava com o menino e comigo.

As serventes voluntárias foram chamadas (Cozinheira e da limpeza) e ninguém havia visto a tal mulher que provavelmente entrou pelos fundos da escola. A polícia pegou o endereço do Maumau e foi até a casa dele. Era uma casa simples mas bem confortável. Maumau era totalmente do bem. A mãe dele estava muito preocupada com o filho que tinha saído pra trabalhar ontem e não tinha voltado ainda. Ele nunca sumiu sem dar notícias pra ela. O carro do Mau mau estava estacionado bem lá no fundo do parque em frente a escola. Seus materiais estavam dentro dele.

Comecei a chorar. Não sabia onde estava Lúcia e agora o Maumau tinha sumido também. Eu seria a próxima? Ou o Bolinho de carne?

Não fui a escola hoje. Acordei muito desanimada. Minha mãe nunca gostou que eu faltasse aula mas hoje, deixou-me dormir. Acho que ela ficou com medo que alguma coisa me acontecesse

Meu Deus! O que será que está acontecendo com a Lúcia? A Isa hoje acordou meio esquisita. Acho que está meio febril. Ela gosta muito daquela maluquinha. E o pior é que eu também gosto muito dela. Deixei-a em casa pela primeira vez. Ela me disse que o professor dela também sumiu. Tenho medo que aconteça algo com ela. Eu só tenho a ela e ao pai dela.

_Deus, cuida da minha filha!

Resolvi ligar pra Celita.

_ Oi Celita, é a mãe da Isadora. Tudo bem? Já tem notícias da Lúcia?

_Oi. Nenhuma notícia. Pensei que era alguém me dando uma boa notícia.

_Desculpe-me. Não queria te agoniar mais ainda, mas pensei que tinha notícias boas a me dar. A Isa tá de cama hoje. Nem foi pra escola. Ela gosta muito da sua filha.

_Elas nem estavam se falando!!

_Era só uma estratégia pra ver se a menina melhorava o comportamento. Mas ela morria de vontade de ligar pra ela.

_Nisto eu atrapalhei não é? Tirei o celular dela.

_Fez bem Celita. A gente tem que educar. Mas como dizia um grande filósofo chamado Aristóteles: A educação tem raízes amargas, mas os seus frutos são doces.

_Ela nunca me perdoou por isso, mas não voltei atrás.

_Vai ficar tudo bem. Você vai ver. Ela deve estar aprontando alguma. Fica tranquila.

_Obrigada, vou tentar dormir um pouco, pois não preguei o olho a noite inteira.

_Fica com Deus!

Resolvi ligar pra um amigo muito especial que é policial.

_Alô, Dudu, você pode falar agora?

_Sim. Posso. Como está você? Posso te ajudar em alguma coisa?

_Sim você pode me ajudar. Lembra do caso da menina que sumiu dentro da escola. Tenho um especial interesse em resolver. Ela é a melhor amiga da Isinha.

_Sabe Tuca, a gente tá com um efetivo muito pequeno pra esta cidade. Estamos investigando, mas até agora temos poucas pistas. Preciso encontrar a menina que nos recebeu na escola pois ela e um colega sabem como é a pessoa que eles viram na escola naquele dia. A Diretora nos disse que ela mora no interior e ele também. Mas são crianças e ela não quis dar o endereço. Precisamos da autorização dos pais pra eles deporem. Nós encontramos uma mulher bisbilhotando perto da escola e estamos querendo uma acareação.

_ Que sorte eu ter ligado! Ela é a Isinha. Não a reconheceu?

_Jura? Nossa como ela cresceu! Você pode trazê-la aqui hoje?

_Claro que sim. Vou esperar o pai dela chegar do trabalho e vamos até aí.

_O lugar é muito escuro e eu to com muito medo. Maldita a hora que eu aceitei ir com aquela mulher. Ela me prometeu uma carreira de modelo e eu quis me vingar da minha mãe e aceitei. Agora estou aqui amarrada nesta cadeira no escuro e sem ver ninguém. Estou amordaçada e sozinha. Ouço barulhos estranhos que acho que são de ratos. To apavorada!!! Onde será que eu estou? Porque não vejo a luz do dia? A última coisa que me lembro é de estar dentro do carro com eles e de repente uma mão, acho que era a mão dela, me colocou algo muito forte no nariz. Acordei nesta situação. Aqui cheira a mofo. Não posso ver se é dia ou noite. Estou com muita fome. Acho que já se passaram muitas horas sem eu comer. A última coisa que eu comi foi umas duas bananas no recreio da escola. Ah! Jesus, me ajuda eu quero sair daqui!!! Quem são eles e o que querem de mim? Prometeram-me mundos e fundos e agora isso.

De repente um barulho maior.

Ouço passos. A porta se abre mas não há luz. Uma lâmpada acende em cima da minha cabeça. Alguém me tira a mordaça e me desamarra. A mulher está aqui e fala:

_E aí minha modelo kkkk! Dormiu muito? Ta com fome não é? Vai comer e ficar quietinha. Se tentar fugir vai ficar com fome.

_Quero sair daqui!

_Tenho homens armados ali fora. Não tente nada.

Deu-me uma sacola com dois pães com salame e um refrigerante. Eu comi depressa devido a fome. Enquanto eu comia, ela continuava falando.

_ Amanhã você vai fazer uma viagem para a Espanha. Vai ser modelo lá. Kkkk Estamos pertinho do aeroporto e assim vai ser tranquilo. Um avião vai te levar e não se preocupe com a hospedagem kkkk você vai adorar. Eles vão te adorar também. Desculpe o mau jeito mas fomos descobertas e não podemos correr riscos. Vou dar uma olhada na escola pra ver se sabem de mim. Seus colegas até falaram comigo. Vou aproveitar que ainda é dia pra ir até lá.

_Deixa eles em paz!

_Calma, tá tudo bem! Não me interessa seus amigos. Se eles me deixarem em paz eu também deixo.

Sentia que ela estava mentindo por isso não liguei. Acabei de comer e ela me amarrou outra vez e me amordaçou. Só que desta vez eu estufei o corpo e dobrei as mãos, pra ficar mais folgada a amarração.

Uma coisa brilhava num canto do lugar. Eu não sabia o que era mas logo descobri. Era o celular da mulher. Ele tocou mas estava no silencioso e ela não viu.

Ela saiu e me deixou sozinha. Esperei um bom tempo pra ter certeza que eu estava sozinha e acabei dormindo pois estava com o estômago cheio. Ou será que tinha algo naquela comida?

Consegui acordar muito tempo depois. Pensei que logo eles viriam me buscar pra embarcar pra Espanha. Então me desamarrei . Foi bem mais fácil pois assim com o corpo relaxado as cordas soltaram fácil. Levantei da cadeira e quase nem consegui andar direito. Acho que estou nesta posição por muito tempo. Fui apalpando o chão até o canto. O tal celular estava com a bateria quase acabando. Mas deu tempo de eu mandar uma mensagem pra Isadora. Com a localização provável e tudo o que eu sabia. Tentei sair dali mas estava trancada e no escuro. Tateei mas não encontrei a saída. Mas não ia me dar por vencida. Continuaria tentando. O celular caiu a bateria. Se eu estava perto do aeroporto como eu não ouvia o barulho do avião? A fome me apertou bem mais tarde. O lanche que a mulher trouxera já estava bem digerido.

_Ai que fome e agora?

Continuei tentando achar a saída. Esbarrei num fio pendurado perto da cadeira onde eu estava amarrada. Puxei sem querer e acendeu uma lâmpada. Era uma espécie de porão muito úmido. Tinha ratos mesmo. Ai que horror logo eu que odeio esses bichos. Ainda bem que não tenho medo, só nojo. A fome foi apertando. Eu acho que já passaram mais de 24 horas desde que comi a última vez. To ficando fraca. Achei um fogão rústico num canto. Tinha uma panela em cima. Muito suja mas era uma panela. Muito carvão por ali. Acho que já cozinharam aqui. Porque será que a tal mulher não voltava? Me deu sono e resolvi sentar e dormir sentada.

Eu e minha mãe chegamos no DPM. Vamos ver se a mulher que a polícia pegou é a mesma que vimos na escola. Entrei na frente e perguntei por ela. O policial nos levou até uma sala nos fundos e lá estava a tal mulher. Ela era a mesma e eu voei no pescoço dela. É você sim. O que fez com a Lúcia?

Eles me seguraram. Pra eu não bater nela. Agora sabiam que ela era a tal mulher. Mas pra confirmar me perguntaram:

_Isa tem certeza de que é ela?

_ Sim, absoluta!!!. Bolinho de Carne pode confirmar, mas eu sei que é ela. Até o perfume é o mesmo. Lembro que estranhei uma servente tão cheirosa no fim da aula.

_Obrigada Isa. Agora é com a gente. É melhor levá-la Tuca

Eu e minha mãe saímos dali na esperança de que logo a gente saberia onde andava a Lúcia. Fui pra casa e minha mãe me pediu pra não dizer nada a tia Celita. É melhor dar boas notícias e a gente ainda não sabe nada da Lúcia.

Acordei horas depois mais fraca ainda. Pensei que se não comesse algo morreria de inanição. Aprendi isso recentemente na aula de ciências. Ah que saudades da Andreata e da turma. Aqui sinto saudades até da professora mais ranheta da escola!

Os ratos circulavam pra lá e pra cá com muita facilidade mas eu não sabia por onde eles entravam ali. Resolvi segui-los e achei uma passagem que dava pra fora dali pois tinha uma luz no fundo. Precisava cavar mas não tinha força pra isso. Uma pá e uma picareta estavam ali. Acho que já foi uma mina de alguma coisa. Mas eu não consegui levantar a picareta de tão fraca que estava. Tinha que comer. Mas o que? Pensei em Robinson Cruzoé e lembrei que ele comia caça. Mas aqui qual caça tinha. Lembrei dos ratos. Mas o nojo venceu. Relutei por mais algumas horas e desmaiei de fome. Acordei algumas horas depois com uma vontade danada de sobreviver. Olhei para um ratinho que vi num canto.

_Sinto muito ratinho mas você vai virar minha vitamina pra viver.!

Joguei uma pedra no rato e ele fugiu. Mais tarde outro apareceu e eu tomei mais cuidado. Sentei na saída deles e atirei outra pedra. Acertei a cabeça do animal que ficou no chão estrebuchando. E agora? Como comer aquilo. Eu havia Encontrado um canivete na parede escondido num buraco, próximo a cadeira, e com ele abri o bicho. Ainda bem que minha mãe me ensinou a limpar galinha. Tirei de letra limpar o rato. Tirei a pele, a cabeça e as tripas dele, lavei com um pouco da água da panela e coloquei dentro daquela panela. Ela estava tampada e sobrou um pouco de água dentro. Acendi o fogo com muita dificuldade. Havia jornais velhos ali e muitas pedras. Alguma coisa tinha ficado da minha aventura no escotismo. Batendo uma pedra na outra consegui algumas faíscas. O fogo logo virou labaredas e eu o alimentava com carvão. A fumaça não foi muita porque o carvão estava seco. Além do mais a fumaça saiu por um canto e saia pelo buraco dos ratos.

Enquanto o fogo aumentava achei outra lâmpada e acendi. Achei uma prateleira num canto que antes estava escuro e lá tinha um isqueiro e alguns pedaços de carne seca. Ai que ódio! Tanto esforço pra acender o fogo e o isqueiro bem ali! Achei que era melhor que rato cozido mas o rato estava pronto e a carne era muito dura e eu tinha que ter água pra tirar o sal. Se eu comesse morreria de sede depois.

Meu pai é muito curioso e assim aproveitei pra pedir a ele pra me levar de volta pra cidade pra continuar a investigação. Recebi uma mensagem de um celular estranho e não entendi lhufas porque dizia assim:

PRESA. PERTO AEROPORTO. ESCURO SEM LUZ DIA, MOFO E RATOS. S.O.S ESPANHA BREVE.

Deduzi que Só podia ser da Lúcia. Procurei o tio Dudu do DPM. E mostrei a mensagem a ele. Imediatamente os policiais seguiram em direção ao aeroporto mas o pneu da viatura estourou. Eles ficaram parados na estrada a espera de socorro. Eu e meu pai tínhamos ido na frente e chegamos no pequeno aeroporto da cidade. La não havia nenhum barraco e fiquei a matutar. A tal mulher saberia direito onde a Lúcia tava. Liguei pra meu amigo e ele disse que estavam ali perto. Voltamos e pegamos os três. Os dois policiais e a tal mulher algemada a um deles.

Quando chegamos ao aeroporto a mulher disse que colaboraria mas queria proteção pois eles a matariam. Disseram-lhe pra confiar neles que eles a protegeriam.. Ela disse que a menina estaria dentro do saguão do aeroporto num porão. Mas não havia nenhum lugar assim no aeroporto. Não havia porão. E agora?

Ela falou que não tinha estado no lugar mas informaram-na que era ali. Precisávamos acreditar nela mas tava difícil. Ficamos perambulando por ali muito tempo sem encontrar nenhum lugar assim ou uma passagem que desse pra algum porão.

Íamos embora dali pois havíamos desistido de procurar, quando eu ouvi um grito de socorro vindo do outro lado do aeroporto e saí correndo pra lá. De longe avistei a Lúcia sendo arrastada por um homem e gritei:

Comi o rato com muito nojo mas no último pedaço até desejei que ele fosse um pouco maior. A água da panela era água de carne seca e assim temperou o bicho pra mim. Alimentada, senti me mais forte. Consegui levantar a picareta com muito esforço e enfiar a ponta dela no buraco. Levantei o cabo da picareta e comecei a martelar o cabo dela com a pá. Aos poucos a terra foi cedendo e o buraco aumentando. Eu ia tirando a terra. Com maior esforço consegui cavar para alargar o buraco até dar pra eu passar. Eu enfiei a cabeça pra fora do buraco e desci rapidamente. Estava no meio de uma estrada. E lá vinha um carro. Achei que corria risco de ser atropelada mas as rodas passaram longe do buraco. Depois que o carro passou, aumentei mais o buraco e saí dali. Dei com um lugar quase deserto. Era um aeroporto abandonado. Segui para o saguão do aeroporto pra ver se eu encontrava alguém. Não vi ninguém e comecei a gritar por socorro!

Um homem veio em minha direção e eu fiquei aliviada. Mas o alívio durou muito pouco. Ele era um dos bandidos e me pegou pelo braço perguntando como eu consegui fugir?

Lutei contra ele algum tempo mas não consegui me soltar. Ele já me levava de volta pro cativeiro quando aconteceu algo que ele não queria e nem esperava.

_Larga ela!

Ao meu grito o policial, que estava sem a mulher algemada a ele, veio correndo atrás de mim. O homem largou a Lúcia e saiu correndo.

O policial correu atrás dele e eu corri para a Lúcia que não parava de chorar sentada no chão.

_Calma Lúcia, já acabou!

_Isa, que bom que você está aqui. Pensei que estava perdida. Ele iria me levar pra Espanha e eu nunca mais iria ver a minha família.

_Eu sei. Entendi direitinho sua mensagem. Mas onde você estava?

_Num buraco. Eu cavei e sai. Tinha uma porta mas estava trancada. Foi horrível! Acredita que até rato eu comi?

_Credo! ai que nojo!

_A mulher que me trouxe me disse que iria me trazer comida mas acho que faz muito tempo que ela não vem. Nem sei quanto tempo faz desde que eu comi comida descente a última vez.

O policial, que era o amigo da família da Lúcia e da minha família, chegou perto com a mulher algemada e a Lúcia bateu nela. Foi preciso segurar a menina pra ela parar. Eu só fazia chorar, não sei se de alívio ou de emoção por ver minha amiga bem.

_Calma menina, agora ela vai pagar!

_Bruxa! Maligna!

_Vamos precisar de seu testemunho, Lúcia. Mas você é menor. Sua mãe e seus professores vão ajudar. E por falar nela olhe quem está tentando me ligar agora!

Ele deu o celular pra Lúcia que chorando falou com a mãe. Tia Celita nem acreditou que a Lúcia estava bem e falando com ela.

_Já estou indo pra casa Mãe. Pode ficar tranquila que de hoje em diante eu serei uma nova Lúcia pra você. Perdão por tudo o que te fiz passar.

A bateria caiu e o celular ficou mudo. O amigo da Lúcia pegou o celular e acalmou a menina dizendo:

Calma agora, Lucinha. Vocês estarão juntas logo e poderão matar a saudade.

_Tio, você tem alguma coisa aí pra eu comer? Estou com uma fome danada!

Ele tinha umas balas e um pacotinho de amendoim. Eu tinha um pacote de chips na mochila e o dei a Lúcia.

Meu pai tinha passado numa padaria e disse que no caminho a Lúcia poderia ir comendo tudo o que quisesse do que ele havia comprado e que estava no carro.

_Nossa Senhora Da Chanel, da Gucci, da Prada, da Diór, na Liquidação!! Que apetite! Você comeu tudo! Inclusive uma penca de bananas que eram pra minha avó! Exclamei depois de alguns minutos de viagem

Lúcia depois de comer, dormiu o resto do caminho deitada no meu colo. O futuro é sempre uma caixinha de surpresas. Nunca sabemos o que ele reserva pra gente, mas eu tenho certeza de uma coisa, eu nunca mais encontraria a mesma Lúcia outra vez. Ela aprendeu uma lição e tanto e daqui em diante será outra pessoa.

Chegamos no DPM e demos nosso depoimento. Eles ficaram de colher outros depoimentos e devolveram a mochila da Lúcia que tinham pego como prova do sumiço dela. A tal mulher foi direto pra cadeia do município vizinho pois aqui não tem. Ao sair dali, levamos ela em casa, onde tia Celita a esperava ansiosa. Depois de falar com tia Celita, eu me despedi da Lúcia e para minha surpresa ela me disse:

_Aquele policial é mesmo muito bonito, em Isa! Um gatinho! hum!!

_ Lúcia !

_Eu tava só brincando!!! kkkk

_Te vejo amanhã na escola tá? E aí quem sabe podemos marcar finalmente aquele passeio.

_Até lá.

_Pelo retrovisor ainda pude ver tia Celita dar um abraço na menina. Elas agora, finalmente se entenderiam. Ou será que não?

Chegando na escola no outro dia a Lúcia já estava lá. A turma a rodeava e ela contava suas aventuras com muito tato (demais até pra ela) tentando não contar que havia comido o roedor.

Descobrimos que o Maumau ainda estava sumido. Onde será que ele estava? O Roni abraçou a Lúcia com carinho e lhe disse que ela podia contar com a amizade dele. Que a considerava uma irmãzinha. Aquele assédio fraternal e quase amoroso levou a Lúcia ao mais alto grau de autoestima. Falando no Maumau resolvemos que iríamos ajudar a encontrá-lo pois chegamos a conclusão que ele sumiu por causa da nossa “investigação”.

A última vez que vimos o Maumau foi na aula dele do 7º V3. Depois disso nenhuma notícia. Resolvemos que iríamos visitar a mãe dele. Ela deveria ter alguma notícia. Partimos pra lá depois da aula, não sem antes avisar a tia Celita.

A casa de Maumau era bem menor do que imaginamos. Ficava dentro de um pequeno parque de árvores. Pés de goiaba, pitanga e coqueiros, entre outras espécies de árvores, povoavam aquele lugar. Tinha uma placa na entrada da propriedade escrita Vale Da Noite Escura. Em volta da casa, um quintal bem varrido e um pequeno lago com patinhos nadando. Uma bica d'água caindo no lago que desaguava adiante indo de encontro a um rio nos fundos da propriedade. Um pequeno chafariz embaixo de um pé de seriguela.

A casa era uma grata surpresa! Na verdade era uma tapera reconstituída, feita de estuque. Não entendi porque ele preferia viver numa casa daquela. Batemos palmas e ela veio nos receber alegre e sorridente. Era uma mulher com aparência jovem e a pele bem clara. Imaginamos que era a mãe ou a namorada do Maumau.

_Olá, Imaginei que viriam.

_Olá, sou a Isadora, esta é a Lúcia e este é o Felipe. Somos alunos de Maurício e gostaríamos de saber notícias dele.

_ Eu sou a mãe dele. Ele me disse que viriam. Entrem!

Ficamos encantados com a juventude da mulher para ser a mãe do Maumau. Entramos e nos acomodamos.

A casa por dentro parecia outro lugar. Era mobiliada com certo quê de luxo. As paredes eram bem rebocadas e o teto bem forrado. A casa de estuque era só fachada. Para parecer que era uma morada rústica. Na verdade eles tinham muito conforto ali.

_Espantados com a minha casa?

_É diferente!- Falei

_Maurício quis assim. Esta casa era a nossa morada desde a infância dele. Fomos morar na cidade quando ele começou a estudar. O pai não se adaptou a vida na cidade grande. Veio a falecer com doença do coração. Eu aproveitei pra estudar. Coisa que nunca tinha feito na minha vida. Com o apoio do meu filho consegui concluir a faculdade.

Não sei porque mas tive a impressão que ela mentia. Alguma coisa no seu tom de voz denotou uma certa falsidade nas informações que ela dava.

_Mas porque vieram morar aqui outra vez? É tão longe! – Disse bolinho de carne.

_ Sempre vinhamos para cá nos finais de semana. Mauricio trabalhou muito para que nossa casa ficasse do jeito que está.

_ É linda por dentro – disse a Lúcia

_ E por fora também, Lúcia - eu falei tentando disfarçar e futucando a Lúcia.

_Não, ela tem razão. É muito feia, a parede é de estuque, mas ele quis que continuasse assim. Disse que era mais natural por aqui. Ele ama muito este lugar.

_Onde está o Maurício? Perguntei.

Recebi uma carta do meu filho dizendo pra ficar tranquila que ele está bem. Disse que vocês viriam procurá-lo. Ele pediu pra dizer que está investigando uma coisa muito importante.

_ Mas se é sobre mim, ele não sabe que eu já fui encontrada?

_Não mocinha. Você é só uma pequena parte do novelo. Maurício está preocupado com todas as meninas da cidade.

Notei um leve tremor na voz dela. Como se estivesse com raiva de alguma coisa.

Enquanto conversávamos, eu ouvi um barulho lá fora. Parecia alguém gemendo muito alto. Arregalamos os olhos e ela sorriu. E em seguida falou bem alto.

_Pode entrar lulu! Vem menina!

Na mesma hora entrou uma cadelinha poodle se saracoteando toda. Ela correu em cima da mulher e a lambeu toda. Era pequena mas muito bem cuidada e muito bonita. Parecia floquinhos de algodão de tão branquinha.

_Calma Lulu, calma. Dizia a sua dona. Pelo menos eu pensava que era.

Quando a cadelinha se acalmou ficou deitada no colo da mulher escutando a gente falar.

_ Desculpem a Lulu. Eu a esqueci no banho de sol lá atrás da casa.

_ Ela é muito linda!

_ Carinhosa também. Maurício adora essa cadelinha. Ele a ganhou de uma aluna quando ainda era um filhote. Anda muito agitada com a ausência dele.

_Coitadinha! Disse o Bolinho de carne

_Venha cá menina! Chamou a Lúcia mas ela nem se mexeu

_Não adianta, ela não vai com estranhos! Tem medo.

_Que lindo e diferente! Os olhos dela são vermelhos!

_É a raça dela. Vem de outro país.

_ Mas e o Maumau, vai voltar pra casa ou é melhor irmos embora? Digo porque o Felipe está cochilando.

_ Mais tarde ele volta. Venha vamos levar seu colega pra tirar um cochilo e depois faremos um lanchinho enquanto aguardamos o meu filho chegar.

A Senhora levou Bolinho no colo até um quarto muito bem preparado nos fundos da casa. Nós a seguimos. Era incrível a força dela! Parecia que o Felipe era feito de papel. E ele até que era gordinho para seus doze anos. Parecia que tinha uns cinquenta anos, mas, mesmo assim, era muito bem conservada e forte!

Ao passarmos pelo corredor vi uma porta fechada mas ela passou direto por ela. Na volta parecia fazer questão de ficar do lado da tal porta. Talvez pra evitar qualquer ímpeto de curiosidade que nos fizesse abri-la.

O lanche foi servido na sala com uma bandeja bem recheada de coisas gostosas. Minha boca encheu-se de água só de ver seu conteúdo. Mas a mulher não comeu nada. Apenas bebeu um chá viscoso, que eu acho que continha folhas, pois era de um tom bem verde. Disse que era sua vitamina da tarde.

Após o lanche eu também senti vontade de dar um cochilo e ela acompanhou eu e a Lúcia para outro quarto. Dormimos bastante. Eu acordei mais tarde ouvindo a voz do Maumau. Ele estava zangado com a mãe

_ Porque não os mandou embora? E agora.? Aqui não é seguro pra estas crianças, você sabe!

_Tudo bem, não teremos visita esta noite. Podemos ficar bem a vontade com eles.

_Não! Isso não! São meus alunos e eu não quero nenhum mal a eles.

_São crianças molengas que confiam em qualquer um! Merecem qualquer destino. E afinal estaremos lhes fazendo bem.

_Você chama esta vida que a gente leva de estar bem?

_Claro! Somos mais fortes que qualquer um deles. Temos o alimento que quisermos e ainda somos livres.

_Não! Nem pense nisto! E fale bem baixo. Você vai acordá-los

MÃ-MÃE!!!

_ Calma Mau-mau, também não é preciso se exaltar. Não vou fazer mal a nenhum deles. são apenas crianças.

_Vai tratá-los do mesmo jeito que a Lúcia?

_Silêncio, ela está aqui com eles!

_Meu Deus! Porque não os mandou embora?

_ Eles são um prato cheio pro chefe!

_Não! Já falei que, com eles não! Ha muitos anos que eu defendo as crianças e vocês insistem em tentar me manobrar. Sabem que não conseguem. Não vou desistir!

Eu ouvi toda a conversa entre ele e a mãe e fiquei muito preocupada. Chamei Lúcia.

_Acorda Lúcia!

_O que foi?

_Temos que sair daqui agora. Vem comigo e eu te explico depois. Não dê um pio sequer.

Lúcia me acompanhou assustada e ficou em silêncio. Saímos tentando encontrar uma saída enquanto ouvíamos a voz deles. Entramos naquela porta e era o quarto dele.

_Que esquisito! Não tem cama. Falou a Lúcia.

Mas era cheio de coisas dele por toda a parte. Numa estante havia materiais que ele usava nas aulas com a gente. Havia um baú grande num canto e a gente curiosa resolveu enxerir. Era uma escada que dava passagem pra algum porão. Descemos por ela e fechamos o baú. Lúcia ia atrás de mim bem colada. Morria de medo de passar por tudo outra vez. Lá embaixo tinha luz normal. Uma claraboia iluminava o ambiente com a luz de fora e havia lâmpadas em caso de noite! Era um laboratório. Alguém mexia com genética. Exemplares de cobaias diversas estavam em gaiolas espalhadas por toda a parte. Um ratinho com asas voava dentro de uma delas. As feições do ratinho eram horríveis. Alguns animais tinham sido dissecados. Seus restos estavam na lixeira. Amarrados em um saco plástico. O sangue estava armazenado em pipetas para estudo. Havia um tipo de sangue, escrito na pipeta: sangue humano contaminado.

Um barulho vindo da escada chamou nossa atenção. Alguém estava descendo.

_E agora? Perguntei a Lúcia.

_Esconda – se rápido!

_Mas onde?

Não havia um lugar que escondesse nós duas. Nem uma de nós, sequer. Esperamos e vimos Maumau descer a escada, de costas, calmamente. Ele parecia mais velho e abatido do que a última vez que o vimos. Tremendo de medo nos abraçamos e esperamos a reação dele. Atrás dele veio descendo mais alguém. Pensei na hora que fosse a mãe dele mas era o bolinho de carne, meio sonolento, que vinha amparado por ele. Os dois terminaram de descer e ele colocou o menino em uma cadeira. E ficou acarinhando-o por alguns minutos. Depois perguntou:

_Você está bem? Acordou mesmo? Posso te soltar?

_Tudo bem. Acordei. O que está acontecendo?

_Está tudo bem agora. Pra vocês também Lúcia e Isa!!!

_Você sabia que estávamos aqui?

_Sim Lúcia, eu sabia. Procurei por vocês e vi que não estavam em seus quartos. Deduzi que ouviram a nossa conversa e tinham se escondido. Sabia que não tinham passado na sala. Só podiam estar aqui. O Felipe ainda estava dormindo e por isso fui até lá e o trouxe pra cá também.

_Quem, ou o que é você Maumau?

_Seu Professor de História, Isa!

_Maumau !!!Você entendeu direitinho o que eu te perguntei!

_Desculpe, sei bem que não posso subestimar a sua inteligência. Tenho muito a falar com vocês mas é melhor a gente calar a boca por pelo menos umas duas horas. Quanto menos falarmos melhor. Acreditem, depois explico mas é urgente fazermos silêncio absoluto. Além das palavras o seu semblante era mesmo de urgência.

O silêncio reinou ali. Ninguém ousava falar nada. Eu e a Lúcia sabíamos que estávamos diante de algo bem perigoso por isso nem ousamos falar nada. O Felipe dormiu outra vez sentado na cadeira. A gente ficou uma de cada lado e assim o protegemos de cair da cadeira durante o sono. Isto até dormirmos também. Eu dormi apenas alguns minutos mas os dois ferraram no sono.

Maurício cuidou das pesquisas. Preparou alguma coisa em um tubo de ensaio e reservou sobre um suporte onde haviam mais tubos de ensaio. Ele examinou um ratinho dissecado e depois foi ao microscópio onde examinou por muito tempo um pedaço de tecido. Acreditei que era do ratinho mas parecia bem humano. Na verdade caberia bem embaixo daquele curativo que ele carregava no braço esquerdo.

A escuridão da noite, antes vista do lado de fora, agora se escasseava. A noite chegava ao fim dando lugar a aurora. Maurício fez café e preparava alguns lanches para a gente. A luz do dia aos poucos foi invadindo o ambiente e logo as lâmpadas foram desligadas. Assim que a luz deixou todo o ambiente as claras e avistamos o sol pela claraboia, arrisquei falar:

_Podemos falar agora?

_Sim Isa, agora podemos conversar. Acordemos os dois e depois tenho muito o que explicar. Veio com um bule de café e os lanches preparados por ele.

Depois de acordados e alimentados, ele começou a falar:

“_Nasci muito longe daqui. Não vejo meus pais há muito tempo. Nem sei se estão vivos mais. Não contei o tempo. Conheci alguns amigos quando entrei na faculdade e eles me levaram a conhecer um grupo diferente. Lá fui contaminado por uma espécie de coisa que não é vírus nem bactéria. Não fico doente nem sinto fome ou frio. Eles me convenceram de que era a imortalidade. A princípio isso me pareceu a glória, mas não é, acreditem.

_Mas e ela não é sua mãe?

_Não. Ela não é minha mãe. Agimos assim pra não levantar suspeitas. Fiz esse laboratório onde estou conseguindo encontrar a cura mas ela não pode saber ou vai me boicotar. O chefe dela precisa de crianças como a Lúcia e vocês pra se alimentar de energia. As crianças foram escolhidas porque não resistem a exploração deles por muito tempo e acabam morrendo se resistirem. E não denunciam porque tem medo deles. Eles se alimentam de energia pura. Jovens como vocês são energia pura. Eu estou sempre bem porque estou no meio de jovens e como são muitos, vocês não se prejudicam me alimentando de energia. Um cientista contaminado não sabia que estava contaminado até parar de sentir fome e passar a ter fengofobia.

- Mas você sente fome! Eu já te vi comer!

_ Sim querida Lúcia, eu sinto porque uso o antídoto e mesmo quando não sinto fome, descobri que vegetais como tomate, abóbora, espinafre e outros folhosos verdes, também amendoim, abacate, os grãos inteiros, chá-verde, cacau, linhaça, leguminosas, nozes e sementes, azeite de oliva, especiarias e ervas retardam o envelhecimento. Também o consumo de salmão. Forço me a me alimentar com esses alimentos pra manter minha saúde

O cientista não possuía o antídoto e por isso ele se sentia desconfortável ao dia e muito animado a noite. Na verdade passou a ter queimaduras causadas pelo sol. E evitava isso de qualquer maneira. Começou estas pesquisas porque antes acabou contaminando outras pessoas sem querer. Nosso sangue contamina as pessoas. É como uma aids só que muito pior. Não é preciso um contato muito direto pra isto acontecer. Apenas ligeiramente encostando a parte afetada em alguém, a contaminamos. Tive que retirar um pedaço de tecido meu ontem. Para não correr o risco de contaminar ninguém nem fui a escola. As pesquisas me levaram a um antídoto que dura alguns dias. Seu efeito vai passando aos poucos e assim não trás muitas consequências. Mas mesmo assim, meu sangue estaria exposto e por isso preferi evitar.

_Mas e nossa investigação?

_Eu sabia muito bem onde estava Lúcia. Ou melhor, com quem. A investigação me levou a eles como eu imaginava. Precisava correr com as pesquisas.

_Onde está o cientista?

_Já morreu há muitos anos, Isa. Não somos imortais apenas se o sol não nos queimar, duramos mais uns cem anos do que a maioria dos humanos. Não morremos de acidentes ou doenças, nem de velhice, que podemos viver até duzentos anos, desde que o sol não nos cause muitos danos. Ele se expôs muito ao sol nas suas pesquisas. Assim que fui contaminado, percebi que o sol me fazia mal. Eu amo as praias e sentia muita saudade de um banho de mar ou de cachoeira.. Achei esse laboratório dele e continuei as pesquisas.

_O sol não te faz mal mais?

_Não, Lúcia. Vocês já vão saber por quê.

_Estamos seguros aqui?

_Sim Bolinho de carne. Aqui ela não entra pois tenho um bloqueador de sinais e ela não sabe deste laboratório. Ela quer oferecer vocês ao chefe. Tem um bônus de gratificação pra seus luxos para cada criança que entrega a ele. Mas não quer voltar a ser igual a vocês. Não se preocupem mais com ela. Está dormindo agora. Vocês só sairão daqui com o antídoto. Assim não serão valiosos mais pra eles.

_Existem muitos contaminados?

_Não Isa. Só nós quatro, aqui. Eu, Ela, o chefe e a esposa dele.

_Onde eles moram?

_No aeroporto velho.

_Ai meu Deus! Ela era aquela mulher?

_Sim Lúcia era ela. Mas já está bem soltinha da Silva. O policial dormiu e ela se soltou.

_Como eu consegui sair daquele buraco? Até agora não entendi. E ele, por que não me impediu?

_Teria impedido se eu não estivesse com ele e, argumentando com ele, o atrasei.

_Ufa, Obrigada Maumau!

_De nada minha princesa! Você se soltou sozinha! E eu não deixaria nenhum mal acontecer a nenhum de vocês. Na verdade tenho lutado por muitos anos pra que nada aconteça com nenhuma criança. O antídoto que consegui fazer tem feito com que o chefe não fique atrás de nenhuma criança mas, ela quer ficar mais bela. Só pensa nisto. Muita energia retirada de vez faz com que as crianças corram riscos de vida. Quem absorve a energia fica mais jovem. E o chefe faz tudo o que ela quer. Se não temos energia por muito tempo envelhecemos. A alimentação deve conter mais vegetais, do que proteínas e assim parecemos normais. Ando negligenciando minha alimentação.

_É por isso que parece mais velho?

_Sim, Isa. Na verdade minha verdadeira idade começa a aparecer.

_Quantos anos você tem?

_Oitenta e cinco no mês que vem, Bolinho de carne!

_Impossível! Um gato desses! “Me engana que eu gosto”, vai!

_Mas é verdade Lúcia! Nasci a oitenta e cinco anos.

_Já pensou se esse antídoto fosse feito pra ser um elixir da juventude Maumau?

_Já pensei sim, Isa. Na verdade estou adaptando a fórmula pra ser assim. Estou quase no caminho da cura total das pessoas contaminadas por essa estranha doença. Assim que eu estiver curado vou curar elas na marra. Vou dar um jeito de adormecê-las e depois administrar-lhes o antídoto. Não vejo a hora disto acontecer. Só não sei o que vai nos acontecer. Por isso estou fazendo experiências com cobaias. O cientista acabou vítima das próprias pesquisas. Espero conseguir concluir sem me prejudicar. Sonho em voltar ao meu país de origem e encontrar meus pais vivos. Tomara que eu consiga.

_E se eles tiverem morrido?

_Ha uma chance deles estarem vivos, se tiverem conseguido sobreviver serei o homem mais feliz do mundo.

_Como eles podem estar vivos se você está com 85 anos?

_Simples, Minha mãe pode ter se contaminado com meu sangue. Se ela contaminou meu pai, tenho certeza que não fariam mal a ninguém. Devem estar vivos e me esperando. Vou descontaminá-los e seremos felizes! E se pôs a dançar e cantar:

_Seremos felizes! Seremos felizes! Seremos felizes! Seremos felizes!

_KKKK, Maumau você é demais!

_O antídoto vai ficar pronto quando Maumau?

_Na verdade Isa, já está pronto mas preciso testar muito bem antes de aplicar em alguém. As cobaias estão reagindo bem. Hoje eu vou levá-las pra enfrentar o sol. E por falar nisso, vamos?

_Mas e a Mulher?

_Está dormindo Júlia, lembra? Ela não quer tomar o antídoto. Prefere dormir ao dia e evitar o sol.

Subimos a escada lentamente atrás dele. A tampa do baú não queria abrir. Estava trancada. Só pode ter sido ela.

_E agora, o que vamos fazer?

_Ela esqueceu de uma coisa, Isa.

_Do quê?

_Disto!

E deu um murro na tampa do baú que se espatifou. Ela esqueceu que ele tinha uma superforça. Como ela.

Saímos devagar e no caminho ele mandou que esperássemos na sala. Voltou pelo corredor e entrou em um quarto. Fiquei com medo e disse a Lúcia e Bolinho pra sairmos para o sol.

Valéria estava dormindo em seu quarto escuro. Imóvel como a hibernar. Aproximei-me dela e apliquei-lhe o soro. Se desse certo ela estaria curada mas se não desse certo ela estaria morta. Porque iria atrás de mim ao sol assim que descobrisse q sua força não era mais a mesma. Seria bem-feito por desejar mal a mim e as crianças, mas eu não desejava mal a ela e torci para que funcionasse. As crianças não estavam na sala. Saí para o quintal e as encontrei esperando em frente ao chafariz. As seriguelas boiavam na água e Júlia tentava apanhá-las e eu a segurei no momento em que escorregava e quase caía dentro da água. Uffa! Que alívio! Aquela água estava contaminada.

_ Garota gulosa, espero que não tenha comido nenhuma fruta. Você comeu alguma?

_Não, pega uma pra mim?

_Ainda bem! Esta água não é própria para consumo. Aqui lavo meus tubos de ensaio. Por isto este chafariz é tão alto para que as criações não o alcancem.

E levantou o braço e pegou um galho das frutas deixando que as crianças comessem-nas.

A gaiola de cobaias se agitou com o sol. Maumau colocou um ratinho em cima da beirada do chafariz e ele saiu correndo em volta. Ficou correndo em círculos. Depois cansou e seu coraçãozinho batia tanto que a gente via por fora. Ele sentou e ficou ali parado a nos observar. Acho que esperava ser capturado outra vez. Mas não fizemos isso. Ele parecia estar muito bem. O sol não lhe fazia mal. Maumau retirou outro ratinho de dentro da gaiola que estava coberta com um pano escuro e colocou na beira do chafariz também. Ele começou a se contorcer e logo a sua pele parecia estar vermelha. Ele pegou o bichinho e devolveu pra gaiola. Convidou-nos a entrar e eu fiquei com medo.

_Mas e se ela acordar?

_Não se preocupe mais com ela.

_Porquê? O que você fez com ela?

_Nada demais. Digamos que eu espero que ela esteja curada.

_Será? O que te faz pensar isso?

_Apliquei-lhe o soro. Tomara que faça com ela o que fez aquele ratinho.

_Minha Nossa Senhora Da Chanel, da Gucci, da Prada, da Diór, na Liquidação! Esquecemos o ratinho lá fora! Algum gato vai comê-lo.

_Não é mais nosso problema. Ele agora pode se defender. Está curado.

_Então o antídoto funcionou?

_Parece que sim. Vamos ver como funcionou na Valéria.

_Quando vamos saber?

_Quando ela acordar. Por enquanto acho melhor levar vocês pra casa. Seus pais devem estar preocupados.

_Ah eu não quero ir embora!

_Aiaiai Lúcia, Tia Celita deve tá doidinha te procurando.

_Não, Isa, eu disse a ela que ia pra casa do meu pai. O fim de semana inteiro ninguém vai me procurar.

_Tudo bem mas eu vou levar vocês do mesmo jeito.

Entramos na caminhonete hilux dele e partimos. Ele levou a gente pra casa. Já era domingo a tarde.

Segunda feira cedinho eu fui a primeira a chegar. O Nego, motorista do ônibus escolar veio com a notícia na minha casa. Encontrou a Valéria com uma cara ótima logo cedo. Ela estava vindo da padaria. Comia um pão delicioso no meio da rua. Até se lambia, gulosamente. Ele nunca a vira comendo nada. Pensou até que ela vivesse de vento. Sempre jovem e bonita, mas um pouco pálida e sem guloseimas nas mãos. Será que estava grávida e com desejo? Não, era velha demais. Aliás estava parecendo mais velha, porém bonita assim mesmo. Parecia mais serena.

Maumau também chegou cedo na escola. Estava animado demais. Brincou com a gente. Brincou com a coordenadora e até fê-la sorrir. A Diretora da escola brincou dizendo que ele tinha avistado passarinho azul e ele respondeu que tinha era visto a liberdade a voar.

Ninguém entendeu nada mas eu e a Lúcia entendemos o recado. A Valéria deve estar curada e ele também. Por isso não nos surpreendemos, quando na hora da aula dele, nos avisou que iria embora. Eu fiquei muito triste.

_Poxa, sempre que a gente tem um professor legal ele vai embora!

Ele percebeu minha tristeza e disse que logo ele estaria de volta. Primeiro iria embora e depois me escreveria contando as novidades e planejando tudo.

Fizemos uma despedida para o Maumau que ele nunca esquecerá. Foi uma choradeira e ao mesmo tempo uma comilança deliciosa. Pela primeira vez vi o Maurício comer as guloseimas e se empanturrar. Estava sempre comendo frutas e vegetais como cenouras e outros afins. Estava muito feliz. Lembrei-me da dancinha dele e me alegrei com ele. Ia finalmente encontrar seus pais.

Ainda ouço o barulho da Hilux dele saindo do pátio da escola. O dia ensolarado que até doía nas nossas costas, mas ele, pela primeira vez também, não estava de casaco e óculos escuros. Pensei comigo mesma:

_Seja feliz Maumau meu amigo, seja muito feliz! Você merece.

Passou uma semana e recebi uma carta do Maumau. Todos na sala ficaram curiosos mas eu não mostrei a carta a ninguém. Queria ler primeiro. Pra saber se poderia ler pra todos. Ela dizia :

“Querida Isa,

Cheguei a minha cidade as três horas da tarde da quarta feira. A casa de meus pais estava fechada. Abri com a minha chave que nunca joguei fora, e entrei. Eles repousavam sobre uma cama num quarto escuro. Minha mãe foi a primeira a me ver. Meu pai acordou com os gritos dela. Foi uma grata surpresa pra mim encontrá-los assim tão jovens. Imaginei que tinham sobrevivido, mas não lembrava que poderiam estar jovens. Falei sobre o soro e eles quiseram tomar na hora. Estão curados mas ainda tem um pouco de fengofobia. Pretendo levá-los pra morar aí. O chefe e a esposa foram morar na Europa, onde conseguiram comprar um castelo. Até gostaram de viverem sem aquela maldita doença. A Valéria ficou revoltada comigo por tê-la descontaminado e mudou-se da casa. Foi morar numa casa na cidade. A casa é minha de papel passado. Fui eu que a comprei quando descobri que era ali que morara o cientista. E lá pretendo morar com meus pais. Aqui é muito frio e a neve não faz muito bem aos idosos e eles logo ficarão assim, afinal estão com mais de cem anos não é? Não vejo a hora de voltar a dar aulas pra vocês. Sei que também vou envelhecer como qualquer um mas é bem melhor saber que posso viver como todos e ser livre finalmente. Vou iniciar aquelas pesquisas sobre envelhecimento e talvez possa retardar os efeitos do tempo em todos nós.

Dá um beijão na Lúcia e no Felipe. Claro, dê lembranças a todos os meus alunos. To morrendo de saudade deles. Estou vendendo o imóvel dos meus pais daqui e assim que estiver tudo o.k., vamos de mudança.

Um beijo em você minha amiguinha do coração.

Mauricio”

Tenho um carinho especial pelo Maumau. Acho que é de irmão. Fico imaginando eu, ele a Lúcia, o Bolinho e a Victória fazendo piquenique naquele sítio e comendo as frutas que tem por lá. Só não gosto do nome que está escrito na placa de entrada do sítio “Vale Da Noite Escura”. Me dá arrepios. Eu e a Lúcia, com a ajuda do Bolinho vamos mudar o nome do sítio para “Vale do Alvorecer”. Já até pedi ao meu tio Valmir pra fazer a placa de madeira bem bonita. Tenho certeza que o Maumau vai adorar.

Fim

Esta é uma obra de ficção e nada tem a ver com a realidade. Alguns nomes foram usados apenas para homenagear pessoas muito queridas. Divirtam -se

Nilma Rosa Lima
Enviado por Nilma Rosa Lima em 02/03/2017
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