Quilojoules

Quando acordei na manhã seguinte e olhei pela escotilha do camarote, havia uma floresta ao redor da nave. E eu tinha absoluta certeza de que não pousara no meio de uma floresta.

Meia hora depois, saí para a superfície do planeta. A floresta semovente perfazia um círculo perfeito ao redor da nave. Os troncos eram altos, talvez dez ou doze metros de altura, sem galhos, rugosos e cinzentos, encimados por um esplendoroso penacho de folhas largas como se fossem de bananeira, porém vermelhas. Apesar de não haver vento, percebi que um tremor perpassava o topo das supostas árvores.

- Olá, vizinhas! - Saudei em voz alta.

O tremor dos penachos vermelhos aumentou visivelmente. Finalmente, um animalzinho que lembrava um gambá cinzento, desceu da copa de uma das árvores próximas e aproximou-se de mim numa corridinha. Parou cerca de um metro distante e sentou-se nas patas traseiras, exibindo a barriga branca, os olhinhos pretos e brilhantes fixos em mim. Acocorei-me.

- Fiz os cálculos e as perspectivas não são nada boas - eu disse, em Interlíngua. Não que a criaturinha fosse realmente entender o que eu dizia, mas falar ajudava a construir as imagens mentais que, estas sim, deviam poder ser compreendidas pelas minhas espectadoras e seu emissário de quatro patas.

- O seu sistema solar vai atravessar uma nebulosa escura nas próximas décadas. A poeira cósmica vai chegar muito próxima deste planeta, e há uma grande possibilidade de que possa interagir com sua atmosfera. Isso seria realmente catastrófico, pois todas as formas de vida aqui existentes, principalmente aquelas que não podem se ocultar debaixo da terra, estariam expostas a doses mortais de radiação.

O tremor voltou às copas das árvores. As emoções projetadas durante meu pequeno discurso deviam ter sido particularmente apavorantes.

- Mas há esperança - prossegui, em tom tranquilizador. - Fiz um estudo das condições de vida em alguns sistemas solares próximos, e minha organização poderá fazer o traslado de parte da sua população e providenciar abrigos subterrâneos para os que não possam ou não queiram deixar o planeta.

Parei de falar, à espera da resposta. Era preciso esvaziar a mente e sentir...

Fechei os olhos. Uma imagem inundou a minha mente.

Eu caminhava num prado iluminado pelo sol laranja daquele planeta, e a sensação era aprazível, como se a luz estivesse invadindo todos os meus poros e me nutrindo...

Mas claro que estava. Eram árvores, não eram?

Pensei em conversões de quilojoules em quilocarias, quilowatts/hora... não, não era aquilo. Não iriam entender dessa forma.

Parei de andar e me sentei no meio do prado banhado de sol.

- Sim, - disse eu, abrindo os braços - vai haver luz bastante para todos!

[25-01-2017]