O vale da morte
Nicolas estava nervoso. Já tinha parado três vezes ao longo da estrada para vomitar, e estava se sentindo cada vez mais fraco. Enquanto seguia pela rodovia litorânea ia repassando em sua mente os acontecimentos dos últimos dias.
O fenômeno durou trinta e sete horas. Sucessivas ondas de raios cósmicos, numa intensidade nunca vista antes, envolveram a Terra, fazendo com que em todos os lugares o céu adquirisse uma tonalidade marrom clara, ao mesmo tempo em que alguns clarões semelhantes a raios riscavam a atmosfera.
Numa reunião de emergência na sede da Agência Espacial Européia, alguns dos maiores especialistas do mundo analisavam os dados coletados em diferentes pontos da superfície terrestre. O clima era de nervosismo, pois a verdade ia se tornando cada vez mais clara. Após vários debates e trocas de informações, todos chegaram a uma conclusão aterradora: não havia mais nada a fazer. A Terra estava condenada. Praticamente cada centímetro do Planeta estava impregnado de radiação mortal. Com base no conhecimento dos danos biológicos causados por aquele tipo específico de radiação ionizante, estimaram que todas as pessoas, na melhor perspectiva possível, não teriam mais do que duzentas e setenta horas de vida. E sabiam que os primeiros efeitos da contaminação seriam náusea e vômitos, seguidos de manchas e lesões na pele. Ao final da reunião ficou decidido que deveriam ocultar a verdade da população o maior tempo possível, para evitar o pânico mundial. Diante dos fatos, Nicolas decidiu que havia apenas uma coisa a fazer: aproveitar ao máximo os últimos dias que lhe restavam na companhia de sua esposa.
No final da viagem, que lhe parecera interminável devido às suas condições físicas e emocionais, ele pôde ver a casa de praia onde tinha planejado passar as suas férias, e onde a companheira querida estava à sua espera. Ao ver aquele recanto inesquecível, que tantas lembranças felizes lhe trazia, uma emoção indefinível tomou conta de seu coração. Ele parou o carro perto da areia, e pôde ver a silhueta de Madeleine que, de pé, observava o mar. Com passos cansados e vacilantes, Nicolas caminhou até ela, e percebeu em sua expressão o quanto a revelação que ele lhe transmitira pelo telefone tinha sido devastadora. A dor da certeza do fim iminente, não apenas para eles mas para todos os seres, estava estampada em sua fisionomia, mas pôde ver que ao lado da dor, também transparecia em seus olhos o profundo amor que ela sentia por ele. Por um momento Nicolas pensou que quando a vida se aproxima do fim, o amor é a única realidade que permanece sobre todas as coisas. Após alguns instantes de silêncio, impregnados dos sentimentos de angústia e ternura, os dois se abraçaram fortemente e permaneceram assim por um tempo que pareceu se prolongar indefinidamente. As palavras eram desnecessárias, pois seriam incapazes de traduzir o que aquelas duas criaturas sentiam. Diante da certeza de que tudo estava desmoronando à sua volta, também desfrutavam a sensação de estarem juntos, podendo compartilhar os seus últimos momentos.
Depois de alguns minutos, Nicolas acariciou ternamente os cabelos de Madeleine e percebeu que algumas manchas avermelhadas estavam começando a surgir em sua pele, e então viu, sem nenhuma possibilidade de dúvida, o quanto o fim estava próximo. O mundo agora era o vale da morte.