PROMENADE

Cidadela, Rhea, 30 de Janeiro de 2019.

Hoje, Arno, o terceiro filho de Aldo faz seu terceiro aniversário, e como já é costume na Cidadela há uma festa, embora discreta, já que há muitas pessoas atarefadas no espaço, inclusive o líder Aldo, mas chegará antes do final.

A capitã hiperbórea Paula Hedler von Stahl veio à festa, mas está com as malas prontas para retornar a Júpiter ainda esta semana para apresentar relatório ao seu pai, o Primeiro Cidadão de Hiperbórea e saber se a guerra na Terra já acabou.

Outra figura importante encontra-se na Cidadela: o famoso e até esse momento misterioso Lorde do Espaço, que chegou numa nave fabulosa, a Desafiante, atracada na doca orbital e alvo da curiosidade geral.

O Lorde ficou duas horas na festa para cumprimentar o aniversariante e sua mãe. Depois cumprimentou a capitã Paula e o comandante Boris Jaskavitch, capitão em exercício da Hércules, com quem falou longamente antes de entrar no elevador e descer às profundezas da Cidadela, em direção ao gabinete de trabalho do doutor Valerión.

*******.

Ao dia seguinte, Paula e Boris encontraram-se no bar do promenade.

–Falemos em espanhol, comandante, já que você não fala alemão – disse ela em raniano – preciso praticar os dois idiomas de Antártida, "Territorio Libre Del Planeta Tierra", como dizem as transmissões da RTVV. Vou preparar-me para visitar Antártica e também deverei aprender português, o idioma da maioria dos pilotos...

–Como quiera. Espero que esse dia chegue logo, Paula.

–Yo también. Do que falaram com o Lorde do Espaço...? Da guerra?

–Ele não disse uma palavra sobre a guerra. Achei-o meio preocupado. Vai ficar alguns dias antes de ir a Júpiter. Pretende encontrar Pru em Calisto, conhecer o príncipe Angztlán e recrutar o capitão Nahuátl Ang para comandar a Desafiante.

–Ele chegou a encontrar-se com o filho?

–Não. Alan Claude está em missão no espaço profundo. Os tigres pretendem testar a dobra ainda esta semana e depois vão voltar para carregar a nave e partir.

–Alan irá para Sírio?

–Não, ele não vai, apesar de que até pensa como um tigre e está praticamente casado com aquela tigresa linda; Tikal Henna... Os xawareks temem que seu povo não exista mais e não querem que Alan presencie a decepção deles...

–Sim, já sei. É aquilo da honra dos guerreiros e tudo o mais...

–Estão errados. Pelo que sabemos, eles estão bem ativos no seu sistema. Claro que em dez mil anos as coisas devem ter mudado. Os tigres mantiveram sua cultura incólume por milênios. Chegando lá, pode não ser como eles esperam.

–Entendo. Mas diga-me; porquê Martin Juan Sarrazin, um dos fundadores de Antártica, é conhecido como Lorde do Espaço?...

–Porque ele seqüestrou a nave Atlantis no espaço.

–Estudei esse caso famoso; foi em 2002; a bordo do avião espacial Ataque-1, construído pelo Dr. Valerión em... 2001...?

–Foi construído em 2002. Em 2001 ele construiu o Martelo I.

–Ah... Sim, em 2002. Ele planejou e executou a missão; me engano?

–Não se engana. Ele subiu ao espaço com o Dr. Valerión como engenheiro e o falecido general Preissler, outro fundador de Antártica, como piloto.

–Segundo a base de dados que consegui com o capitão Aldo, eles renderam a tripulação e fizeram a nave descer em Antártica!

–Sim. Colocaram o módulo Selene I a bordo e a dispararam de novo.

–Deve ter sido espetacular...

–Foi. Antes que a ditadura conseguisse reagir, eles montaram a primeira antena retransmissora da RTVV no pólo norte da Lua para divulgar nossas idéias.

–Além do primeiro acampamento, onde hoje é Ciudad Lunar.

–Vejo que está bem informada.

–Consultei bastante a base de dados. Mas há coisas que só você pode saber.

–É claro. O banco de dados não tem poesia.

–O que achei mais revelador, mais significativo nos arquivos, foi saber que a tripulação original da Atlantis desertou da ditadura e ficou em Antártica, participando de varias missões no espaço nos anos seguintes...

–Depois os mandamos para Marte, onde estão felizes; casados e com filhos; apesar de que suas cabeças estão a premio da ditadura.

–Mas a ditadura disse ao mundo que vocês os têm como reféns...

–Numa guerra, a primeira vítima é a verdade.

–Tem razão. Qual foi a participação de Alan em tudo isso?

–Ele ajudou o Dr. Valerión a construir a Selene II, com a qual depois foram à Cara Oculta onde fundaram a primeira base permanente de Antártica em 2004.

–Foi quando descobriram a base lunar dos kholems?

–Sim, e os colocaram para correr.

–O capitão Aldo participou dessa operação?

–Foi a primeira operação importante no espaço em que participou.

–Consta-me que ele tinha apenas quinze anos.

–Sim, mas o então cadete alferes Aldo era fundamental na Selene II. Estava aprendendo a ser capitão. Sarrazin era o capitão e Aldo era o piloto.

–Por quê o Lorde do Espaço não participou da missão com seu filho Alan?

–Eles já não se viam mais desde 1998. Alan ingressou na Força Aérea Espacial Brasileira nesse ano. Em 2002 já era o melhor piloto e em 2003, como capitão, foi para Antártica junto com outros pilotos brasileiros, enquanto seu pai; que já lutava na clandestinidade desde 1995; era procurado pela ditadura, por ser líder e fundador do Esquadrão Shock; pelo sequestro da Atlantis e também pela ação terrorista que sequestrou dois submarinos nucleares... Entre outras coisas.

–Ele era o “terrorista” mais procurado do planeta.

–Não esqueça que também foi um dos fundadores de Antártica.

–A “nação pirata...”.

–Era assim que eles nos chamavam.

–Como foi que o pegaram?

–Como sempre se fez com todos os heróis da humanidade; desde Sigfrido, Hércules, Sansão, Aquiles e outros; de Jesus Cristo para cá; passando por Napoleão e os mais modernos e conhecidos heróis do século XX; com a traição.

–Entendo.

–A traição é a única forma de acabar com um herói. Não se esqueça disso.

–Meu povo no exílio, traído e caluniado por eles não tem como esquecer.

–Mas as coisas vão mudar para bem, Paula. Você está se esforçando no estudo da nossa História terrestre. Isso é muito louvável.

–Mas... Voltando ao assunto que nos ocupa; o que ele fez depois daquela fuga espetacular de Guantánamo?

–Ele resolveu voltar aos Estados Unidos em 2015, para se vingar; aproveitando a guerra em curso e fez grandes sabotagens, entre elas a espetacular invasão da chamada Área 51 no deserto de Nevada em março de 2017.

–Ouvi algo sobre isso, comandante.

–Valerión enviara relatórios através de Júpiter e Marte, nos quais havia dados dos kholems cinzentos que ajudavam à ditadura.

–Qual o objetivo da invasão? Apenas tomar a base e exterminar os aliens?

–Não só isso. Ele queria prender os aliens e tomar a nave estelar deles, aquela nave que podia pousar em terra. Era a primeira vez que eles apareciam com uma nave estelar. Não tiveram outra saída desde que Lobsang, da Hércules, desativara o emissor de energia das naves piratas em 2014. Os pequenos discos perderam-se no espaço e não puderam mais ir à Terra e os que estavam lá não puderam partir.

–Disseram-me que havia mais de duzentos, entre cinzentos da constelação da Rede e aqueles reptilianos. Talvez quatro ou cinco espécies diferentes, incluindo aquele alienígena perigoso que comandava os kholems...

–Um dominion do planeta Haduk Prime de Alschaim, a estrela Beta da constelação da Águia. Uma das raças mais letais do quadrante.

–A mesma raça dos treze conselheiros do império raniano...

–Correto. Vejo que teve acesso aos relatórios de Ceres e Pomona. Ele tinha terríveis poderes mentais, assim como o décimo terceiro conselheiro Zvar Zyszhak. Soubemos em 2014 pelo nosso amigo comum; o Eremita de Io; que de acordo com as diretrizes da Suprema Confederação desde cinco mil anos atrás; os dominions são criaturas a serem mortas assim que percebidas.

–Então; como Sarrazin pôde derrotá-lo e como conseguiu que os aliens lhe ensinassem a pilotar a nave?... E pior; sob o fogo inimigo; sabe-se que as tropas do governo cercaram a Área 51 por duas semanas de tiroteio intenso...!

–Não esqueça que Sarrazin, quarenta anos antes, tinha sido um mercenário internacional bem famoso nos meios reservados das agencias de inteligência...

–Sei disso, mas não achei nada nos arquivos sobre seus anos de aventuras...

–Claro que não, isso ainda é informação reservada.

–Devia imaginar.

–Ele era um guerreiro extremamente cruel naquela época, e não seria menos truculento agora, enfrentando a ameaça global da petulante anti-raça dominante, esses pseudo-humanos traidores da humanidade e aqueles alienígenas velhacos...

–Bem que sabemos desses traidores que caluniaram meu povo...

–Os aliens estavam habituados a lidar com essa raça de parasitas covardes e cobiçosos, mas não contaram com Sarrazin, que na ocasião estava acompanhado com alguns sobreviventes do Esquadrão original.

–Não encontrei os nomes deles na base de dados.

–É claro que não. Alguns ainda estão na ativa.

–Devia imaginar algo assim.

–Você nasceu em Hiperbórea, Paula; você é uma Mulher Verdadeira, aliada de nossa Causa, e merece saber. O inimigo do meu inimigo é meu amigo, como dizem. Estamos a milhões de quilômetros de Antártica e posso citar alguns, apesar de que o grupo na ocasião era de noventa homens e mulheres.

–Fico agradecida. Nós, historiadores, somos curiosos.

–Sei disso. O guerreiro mais famoso nos círculos reservados antárticos, ainda é o grande Alois Stülpnagel, o "Trovão"; um gigante austríaco perito em armas pesadas. Dele sabemos o nome verdadeiro graças ao Dr. Valerión.

–E os inimigos o conhecem?

–Sim, é claro, seu rosto é a última coisa que eles vêem antes de morrer.

–Deuses!... Acho que já ouvi esse nome antes... Talvez numa das festas no promenade... Mas é claro! O Dr. Valerión contou essa história para os sirianos!

–Então lembrará do mortífero Syd, o "Homem das Facas"; do qual a História não chegou a registrar o nome verdadeiro; da perigosa Liza, a mulher das armas leves; do Darlán, o homem da informática... Apenas sabemos o nome de Sean "Syves" McKinney; um perigoso ex-soldado S.B.S. escocês que lutou nas Falklands em 1982...

–Lembro deles, menos do último.

–Claro. McKinney não participou da missão em Buenos Aires. Mas ajudou a tomar a Área 51 e capturar a nave estelar dos kholems. Hoje ele é piloto, valete e capanga pessoal do Lorde do Espaço, seu melhor amigo desde 1999. "Syves" já arriscou sua vida por ele inúmeras vezes... E vice-versa.

–A nave ancorada lá em cima; a Desafiante... É essa?...

–Essa mesma.

–Fascinante! Isso nos leva a minha pergunta sobre...

–Sim, eu sei. Sarrazin fez coisas horríveis nas guerras em que participou no século XX, e na guerra de 2014 a 2018 não podia ser diferente. Ele lutava contra a ditadura mundial, a opressão de uma elite de seres autodenominados eleitos, que vendiam pessoas como alimento aos aliens em troca de tecnologia desde 1947.

–Sei que a crueldade pode ser necessária, comandante. Já lutei contra piratas milkaros e kholems, contra troianos indignos e sabia desde criança que talvez um dia deveria lutar contra os terrestres comandados pela anti-raça.

–Mas não lutou.

–Não foi necessário. De todas maneiras, vir aqui para colaborar com vocês foi uma forma de luta.

–Concordo, Paula. Você se saiu bem, destacou-se entre seu povo. Deve estar orgulhosa de si, e seu pai também.

–Bondade sua, comandante. Mas continue, por favor.

–Depois de matar todos os humanos da base, o Esquadrão matou a maioria dos aliens, que usavam armas phaser, ajustadas para atordoar. Sarrazin e seus comandados usaram armas de balas, metralhadoras pesadas, fuzis, granadas e facas, ele queria fazer barulho; matar, ferir, mutilar, causar terror nos aliens. O ataque do Esquadrão Shock foi um festival de sangue e fogo.

–E o dominion?

–Usou seu poder para paralisar os atacantes, mas estes eram muitos. Sarrazin tinha lido os relatórios de Ceres e suspeitou que esse era o líder. Atacou-o a golpes no corpo e na cabeça, já que o queria vivo, aterrorizado, machucado e com dor...

–Mas o alien não conseguiu dominá-lo.

–Quase. Sarrazin sentiu o poder do alienígena em seu cérebro e arrancou a pedra vermelha da testa dele com a faca de combate.

–Isso foi cruel. Ficou sem poderes.

–Com a dor e o medo da morte, ele cedeu. Sarrazin sabe diferenciar um valente de um covarde. Os dominion são covardes, confiam demais nos poderes e não resistem à dor. Sarrazin foi perguntando e degolando os kholems na frente do dominion, até que sobraram quarenta e cinco.

–O dominion cedeu. Então eles têm medo... Isso é fascinante.

–Claro. Todo ser vivente tem amor à vida e medo da dor. Sarrazin usou de toda sua selvageria contra o alien, de todo seu ódio. Você compreende isso?

–Sim, ele lutava pela humanidade.

–Precisava da nave que os kholems roubaram da Suprema Confederação para dar o troco aos inimigos terrestres e aos aliens no planeta deles, futuramente.

–Isso será possível algum dia?

–Quem pode discordar do Lorde do Espaço?

–Ele quer vingança.

–Com razão, Paula. Eles se aproveitavam dos humanos, usavam para seus fins às pessoas mais desprezíveis e mais perversas da Terra. E nós não tínhamos tecnologia, éramos como índios contra europeus quinhentos anos atrás...

–Os cinzentos fizeram o que quiseram com vocês. Nós os combatemos por décadas. Nunca chegaram a infiltrar-se em Hiperbórea, mas atacavam as naves...

–E a Suprema Confederação nunca nos protegeu nem se interessou por nós; estava bem perto e não quis interferir por causa de suas diretrizes ridículas, apesar de que os kholems cinzentos são uma praga até para eles. Sem falar do dominion...

–E os terrestres pegaram a nave. Isso foi fantástico.

–Colocaram quarenta aliens sobreviventes a bordo, amarrados de pés e mãos, e partiram em antigravidade para Antártica, sob o fogo dos soldados locais.

–Como conseguiram tão rápido?

–Darlán, o gênio da informática entrou no sistema com um computador de mão e conseguiu desvendar alguns comandos. Depois em Antártica, após inúmeras seções de interrogatórios, e uma dúzia de kholems degolados, conseguiram descobrir como usar o impulso e a manobra, mas não se atreveram a usar todos os recursos da nave, até porque muita coisa ainda é misteriosa para eles. Então a levaram para INDEVAL, a fábrica lunar de Valerión. Foi aí que Sarrazin recrutou engenheiros e tripulantes para testá-la no espaço imediato da Lua.

–E o que foi feito dos kholems?

–Foram levados para a prisão de segurança das Montanhas Malditas até que apodreçam. Servirão de isca para atrair outros kholems, talvez.

–Junto com o dominion?

–Sim ele é uma boa isca, supondo que...

–Duvido. Acho que não se atreverão a vir de novo a este sistema.

–É uma possibilidade. Segundo um arquivo da Analgopakin que Valerión traduziu, os dominions passam a vida escondendo-se. Não sei se ainda haverá alguns no planeta deles. Talvez a Suprema Confederação tenha algum tipo de controle sobre esse planeta, mas duvido, consta-me que está fora do seu território. Aldo quer a nave Sem Nome pronta quanto antes, para tentar avisar à Suprema Confederação do perigo que se aproxima em dobra dois, vindo de Bellatrix.

–Sim já sei, tive acesso a esse informe. É apavorante. Os kholems reptilianos pretendem atacar a Terra, matar todos e estabelecer-se.

–E quando a Terra estiver esgotada, eles vão partir para outra...

–Sei, a Suprema Confederação. E depois?

–Sarrazin trouxe a nave para Rhea para descarregar a base de dados e aplicar a engenharia reversa com ajuda dos xawareks. Depois da guerra ele foi informado do que conseguimos aqui. Inclusive da construção da nossa nave ainda sem nome. Mas disse-me que vai recrutar o capitão Nahuátl Ang em Júpiter para comandá-la. Ele tem o mesmo problema que nós. Precisa de uma tripulação.

–Uma verdadeira epopeia – disse Paula com os olhos brilhantes.

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Pela ordem, segue em:

NAVEGADOR SOLITÁRIO.(já publicado)

Próximo conto; em Recanto das Letras - Contos > Aventura:

HISTÓRIA DE MARTIN: O PASSADO DO LORDE DO ESPAÇO

(Antes dos MUNDOS PARALELOS ® entrarem em colisão...)

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O conto PROMENADE - forma parte integrante da saga inédita Mundos Paralelos ® – Fase II - Volume IV, Capítulo 28; páginas 5 a 9; e cujo inicio pode ser encontrado no Blog Sarracênico - Ficção Científica e Relacionados:

http://sarracena.blogspot.com.br/2009/09/mundos-paralelos-uma-epopeia.html

O volume 1 da saga pode ser comprado em:

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Gabriel Solís
Enviado por Gabriel Solís em 20/12/2016
Código do texto: T5858601
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