A CIDADELA
Taônia, 24 de junho de 2015.
Uma das coisas “confidenciais” que Aldo não mencionara na entrevista foi que o líder Rebelde, Suer Dut, ainda estava fugitivo. Com a polícia taoniana em pleno no seu encalço ele conseguia manter-se incógnito; ainda tinha poucos colaboradores fiéis que o acobertavam na capital.
Perdido entre a multidão, planejava vingar-se daquele terrestre enxerido que destruíra sua organização. Precisava matá-lo, e para isso seria preciso que Aldo aparecesse na cidade. Por enquanto isso era impossível, já que os terrestres voltaram ao espaço, após encaminhar a indústria espacial taoniana.
As luas de Saturno foram mapeadas e bases foram instaladas em algumas delas pelo Dr. Valerión.
Aldo procurava uma base de operações melhor que Titã; e Valerión a encontrara em Rhea, lua do tamanho da lua terrestre.
Era um local ideal, estável, deserto e sem ar. Valerión achara uma montanha íngreme, com uma cara quase vertical que dava ao sul, onde poderiam furar galerias e cavernas para estabelecer-se, com espaço para moradias, depósitos, hangares subterrâneos e usinas de força.
–Não temos material para isso, Valerión.
–Temos em Japeto. Sobrou muito material e maquinaria dos xawareks.
–Tem razão. Mas quem vai operá-lo? – perguntou Aldo – Até conseguir treinar um batalhão de engenharia taoniano...
–Há engenheiros excelentes. Os próprios xawareks.
–Concordo. Mas será que os felinos vão aceitar trabalhar para nós?
–Talvez. Se formos convincentes e prometêssemos a eles nossa colaboração para construir a nave estelar que tanto desejam...
–Pode dar certo. Aldo para Nebenka! Traçar curso para Japeto!
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Aldo precisou usar toda a pouca diplomacia que possuía e demonstrar seu poder de vencedor perante aqueles seres que prezavam a honra e a força. Desceu sozinho à cidade subterrânea; armado apenas com sua pistola marciana.
Kern Mokvo e seus colegas tinham sido liberados pelos taonianos tempos atrás e devolvidos pelos terrestres à profunda cidade subterrânea principal dos xawareks, que tinha sido deixada intacta por ser a mais populosa, com famílias inteiras.
–Minha proposta é simples, Kern – disse o terrestre – podemos fazer nós
mesmos todo o serviço e esquecer que vocês existem. Podemos deixá-los para sempre enterrados neste mundo morto. Mas vamos dar-lhes a oportunidade de que construam a nave estelar que tanto desejam para voltar a casa, com a condição de que nos ajudem com sua experiência a construir nossa base na lua Rhea.
–Como sabemos que não vão nos trair, humano? – disse Kern, abaixando as orelhas para trás como um gato encurralado.
–Não tem como saber, mesmo, mas dou minha palavra, se é que a aceita. Além do mais, queremos ajudá-los a construir sua nave, para aprender a tecnologia de dobra.
–E depois nos perseguir e invadir nosso sistema?
–Não temos essa intenção e nem poderíamos. Engatinhamos onde vocês são mestres e nos derrotariam facilmente no seu território... E pensar que poderíamos ter sido aliados, se vocês não tivessem sido agressivos com os taonianos...
–Eles mataram...
–Sim, já sei, seus emissários honrados... A guerra terminou, droga! Coloquem uma pedra encima disso e vamos começar de novo! Não somos tão honrados como vocês, somos agressivos e traiçoeiros quando provocados; mas não queremos seu mal; não os destruímos, como poderíamos ter feito. Minha guerra nunca foi com vocês, mas com os Yord. Pensamos que vocês têm direito á vida, são guerreiros como nós e podemos chegar a um acordo vantajoso.
Kern Mokvo discutiu alguns minutos na sua língua com os mestres de clã e as fêmeas idosas, antes de encarar o terrestre:
–As mulheres velhas e os mestres de clã concordam em ajudar se isso garante nossa volta para casa. Mas não queremos tratar com os taonianos.
–Deixem esse ódio de lado – disse Aldo – A partir de agora tratarão apenas comigo. Não se arrependerão. Poderemos ser aliados e empreender grandes caçadas.
Kern levantou as orelhas. Seus olhos verde-amarelados fixaram-se no terrestre:
–Vá em paz, humano. Vou reunir os trabalhadores e o equipamento.
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30 de junho de 2015.
Trabalhadores e cientistas xawareks foram embarcados com seu equipamento e levados para Rhea. Muito mais habituados a trabalhar enfiados em armaduras do que os terrestres mais experientes; rapidamente colocaram suas máquinas de perfuração a abrir a montanha com raios de plasma e a rocha derretida escorreu como água.
No decorrer dos dias surgiu uma boa camaradagem entre os humanos e os trabalhadores das estrelas. O fato de empreenderem juntos uma grande obra foi limando as arestas que sobraram.
Os felinos prezavam a dedicação dos antárticos ao trabalho e aos poucos foram esquecendo as velhas mágoas. As naves terrestres, com maior espaço de carga do que a Wodan, iam e vinham de Titã para Rhea com carga diversa; material de construção, alimentação natural para os xawareks, que eram carnívoros; e água.
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Rhea, 12 de Julho de 2015.
Quando a base terrestre já tomava forma e em alguns setores já havia
condições de ocupação; Jacques Cartier e Simon Gart retornaram de Júpiter com uma frota mista de hiperbóreos e troianos fiéis de Enéas-1172.
Pousaram com sua valente patrulheira AR-1 em Rhea; na nova pista perpendicular à entrada da montanha base; seguidos de quatro naves hiperbóreas semelhantes á Wodan e três naves troianas com algumas famílias dos tripulantes da Wodan; que ao saber que seus homens estavam vivos, empreenderam a longa viagem para estar com eles.
Paula Hedler von Stahl, filha caçula do Primeiro Cidadão de Germânia III, agora como embaixadora de Hiperbórea recém designada um pouco a contragosto pelo pai, comandava as sete naves da frota mista recém chegada.
A Vingador, a Milenium e a Wodan, mantidas em órbita permanente de vigilância; após a chegada da frota foram baseadas em Rhea. A bordo da Hércules, parada na cabeceira da pista; realizou-se a reunião com os recém chegados.
Paula era uma bela capitã de 22 anos, loira, de olhar azul, inteligente e sagaz, que pretendia contatar o Imperador Tao. O Primeiro Cidadão, ao saber da existência dele; queria adiantar-se ao que ele pretendesse propor. Se tivesse que existir um novo império raniano, Hiperbórea devia tomar parte.
O que o Líder hiperbóreo não sabia, era que sua doce caçula, uma Mulher Verdadeira, independente e audaciosa, estava apaixonada pelo intrépido tenente terrestre, o francês Adolphe D’Hastrel.
–Souberam alguma coisa da Terra? – perguntou Aldo.
–Não muito – Jacques foi direto – mas a situação está complicada. Antártica domina o espaço orbital e destruiu milhares de satélites de comunicação inimigos, com o que este ficou cego surdo e mudo, além de não poder controlar seus mísseis. Em contrapartida eles destruíram parte dos nossos e com isso Antártica tem dificuldade em comunicar-se com Marte e Júpiter.
–Atrasaram a guerra! – disse Aldo, pasmo.
–Mas há outra notícia bem alarmante... Talvez Marte entre na guerra.
–Sim, acredito que Elvis...
–Não, capitão. Os marcianos. O inimigo torpedeou a Arachânia em 7 de maio perto da Lua. Entre passageiros e tripulantes morreram dois mil; 821 deles eram cidadãos de Darnián, Hariez e Angopak, que iam para Novo Marte em viagem de intercâmbio. Salvaram-se trezentas pessoas, entre elas o capitão Guzmán.
–Coitado – disse Aldo – devia ter morrido. Levará culpa disso. Cheira-me a uma manobra do almirantado da Lua. Qual era a carga?
–Passageiros e carga comum – disse Jacques.
–Mas deve haver outra coisa...
–É obvio, capitão; contrabando de armas. A ditadura não arriscaria fazer mais um inimigo a não ser por isso. Foi o comentário geral em Ganímedes – disse Jacques.
–Qual a posição de Germânia III, capitã von Stahl?
–Meu pai colocou a frota de prontidão, mas não intervirá a não ser que Marte peça ajuda – afirmou a moça – disse-me que você saberia os motivos.
–Sei, sim – disse Aldo – vocês não devem aparecer. O povo da Terra não está preparado para saber que vocês existem... Mas estou com vontade de ir eu mesmo.
–Desculpe minha sinceridade, capitão – disse a moça hiperbórea – você não vai fazer diferença nessa guerra. Consta-me que Antártida, Marte e a Lua possuem naves melhores que as de seus inimigos. Você tem uma tarefa muito mais importante aqui do que intervir numa guerra que só vai trazer atraso para a Terra. Depois que acabar; seus inimigos vão desabar, ganhem ou percam.
–Você parece o Dr. Valerión falando, capitã von Stahl.
–Paula, por favor, capitão.
–Me chame de Aldo então, Paula.
–Muito bem Aldo... Como sabe, convenci meu pai a me nomear embaixadora perante o Imperador Tao, porque há outra coisa que me interessa aqui.
–Sim, já sei o que é – disse Aldo sorrindo.
–Então? – disse ela, corando de expectativa seu rosto branquíssimo.
–Vou providenciar a vinda de Adolphe. Ele agora está ocupado transportando trabalhadores de Japeto... Mas... Outro pode fazer o serviço.
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Cidadela, Rhea, 19 de agosto de 2015.
A Cidadela, como Valerión denominou o enorme complexo, estava quase
terminada, permitindo a ocupação na maioria dos andares superiores.
No topo da montanha, um castelo fortificado de forma acaçapada ao estilo xawarek, lembrava uma cidadela que dominava a maior parte do território; debruçada sobre um abismo de quatrocentos metros.
No seu interior estava a nova base terrestre, uma cidade dentro da rocha, cuja cobertura era coroada por um promenade coberto por uma cúpula de alumínio transparente, através da qual podia-se ver o espaço, dominado pela presença de Saturno, que iluminava mais do que a estrela distante que era o Sol.
No coração da montanha; elevadores magnéticos comunicavam com os níveis, que se sucediam até duzentos metros sob a superfície, com moradias, depósitos, hangares e geradores. Ao pé do abismo, no nível da superfície, abria-se a porta de entrada das grandes naves ao hangar inferior e as entradas para veículos de transporte e máquinas pesadas.
Duzentos metros acima da superfície; abria-se na parede rochosa a enorme porta do hangar superior, por onde partiam velozes os caças e patrulheiras. O complexo era invisível do ar, a não ser pelas antenas parabólicas encima da fortaleza no topo da montanha. O material trazido de Júpiter nos reboques ainda em órbita; era descarregado conforme a necessidade.
Os reboques seriam desmantelados para aproveitar suas peças. Os xawareks esmeraram-se na instalação de sua tecnologia interestelar.
Adaptaram o computador central de um dos contêineres para controlar o complexo em sua totalidade; a apertura das portas automáticas, o suporte de vida e as comunicações, como se a enorme base fosse uma nave estelar.
Os níveis possuíam gravitação artificial 1G, como na Terra, e a pressão atmosférica era de 1.0. O programa admitia a modificação temporária de setores para marcianos, taonianos e xawareks. Aldo gastara a maior parte do ouro marciano que ainda restava, comprando materiais essenciais em Taônia para transformar a base com capacidade para mais de dois mil seres num local aconchegante para todos; o que finalmente conseguiu.
Foi então que Inge comunicou-lhe que estava grávida de novo.
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Continua em: AULA MAGNA
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O conto A CIDADELA. - forma parte integrante da saga inédita Mundos Paralelos ® – Fase I - Volume III, Capítulo 24; páginas 93 a 96; e cujo inicio pode ser encontrado no Blog Sarracênico - Ficção Científica e Relacionados:
http://sarracena.blogspot.com.br/2009/09/mundos-paralelos-uma-epopeia.html
O volume 1 da saga pode ser comprado em:
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