A luta da batalha perdida
Aconteceu mais ou menos como na música In the end of the world as we know it, do REM, mas não sobrou só um garoto de 13 anos, e nem a coisa toda tinha virado uma festa. Ainda tem um bando de seres humanos por aí. Bando mesmo. Eles se escondem em construções abandonadas, esgotos e acampamentos subterrâneos nas florestas. Se movimentam só a noite, quando as luzes das naves não conseguem iluminar toda superfície do que sobrou da Terra. Alguns dizem que os seres de outro planeta não enxergam sem a luz. Sei lá, já escutei histórias de pessoas que se salvaram por causa disso e de outras que viram cenas que comprovariam que isso não faz o menor sentido. Outros dizem que eles usam a luz como fonte de energia vital para suprir a horda, mas que a lua é muito fraca. Tudo deve ser parte de uma estratégia deles mesmos para confundir o inimigo. Eles tem uns 2,5m de altura e andam sempre em pelotões de centenas. Não usam armas, usam a força física para destruir o que for preciso. Animais, homens, mulheres e crianças. Nada que se mexe se salva. São superiores em número e força. Arrancam uma perna de um corpo como quem tira uma coxa de um frango assado. O fato é que, por via das dúvidas, se alguém tivesse que ir para algum lugar, ia quando não houvesse mais luz do sol, e se escondendo por onde as naves não conseguem iluminar.
O melhor mesmo é não precisar ir para lugar nenhum e ficar quietinho no seu canto. Mas a maconha da tribo do sul estava acabando, e se eles quisessem manter o clima de otimismo nas fileiras do bando eles iam precisar de mais. Por isso o Neb estava tentando chegar até alguma tribo na floresta que pudesse fornecer erva. A princípio ele tentou sair da cidade pela rota do oeste, mas alguma coisa havia fechado o caminho pelos esgotos, era o que dizia um batedor da tribo subterrânea que ele encontrou numa das bifurcações do caminho. “O túnel desmoronou há algumas semanas.” Não restou alternativa senão ir pela superfície. “Vou me atrasar um pouco, mas faço uma parada para evitar a luz do sol no ponto da tribo urbana se for preciso.” “Restam cada vez menos bandos nas construções. Procure algum lugar subterrâneo para ficar durante o dia.” “Não vim preparado para isso, talvez precise de alguma munição.” “Tenho algumas balas aqui, e um silenciador. Você vai precisar se encontrar algum ser de outro planeta perdido da horda e não quiser chamar atenção. O que você tem?” “Pilhas AA e algumas frutas.” “Faz tempo que não como alguma coisa que não seja enlatada.” “Que tal um pente de balas por duas mangas e o silenciador por uma pilha?” “O que eu vou fazer com uma pilha?” “Carregar o rádio?” “Não. Estou com fome.” “Ok, um repolho e duas cenouras. Já é uma sopa.” “Isso mesmo, vai ter festa com as crianças hoje.”
Andar pela superfície mais que dobra o risco de encontrar com a morte em pedaços. Os seres de outro planeta poderiam não ver no escuro, ou enxergar mal, mas eles estavam lá e as naves pairavam literalmente sobre a cabeça dele. A ideia de Neb era conseguir chegar até o limite da cidade com a floresta e arrumar um lugar seguro para passar o dia. Ele usou os túneis do metrô para atravessar o centro da cidade e emergiu na saída da avenida perimetral. Andou cerca de trezentos metros se arrastando por entre os carros batidos e as ruínas até perceber que uma nave de luz vinha escoltando uma horda no sentido contrário da avenida. Carros eram arremessados contra os prédios e grunhidos de horror podiam ser ouvidos cada vez mais perto. O chão tremia. Neb virou em uma rua transversal e começou a procurar um lugar escuro para se esconder. Do outro lado da rua veio um assobio de bem-te-vi. Seguindo o som desesperadamente ele percebeu que os escombros eram um cemitério. A face de uma mulher apareceu de uma das criptas e sinalizou para ele. “Aqui, aqui.” “Preciso de um lugar para ficar até a próxima noite.” “Entre aqui e espere até a horda passar.” Neb viu uma escada e desceu para escuridão. Nunca imaginou que se sentiria tão seguro dentro de uma cripta. O chão tremia com a horda passando. Neb e a sentinela urbana se abraçaram unidos pelo medo. Antes que pudessem perceber o que estava acontecendo os dois estavam transando como se aquele fosse o último ato de suas vidas.
Quando Neb acordou ainda era dia e a luz iluminava a escada da cripta. Lá fora os barulhos da destruição não cessavam. Eles estavam no subterrâneo, o que sempre era mais seguro. Ele levantou, descascou duas laranjas, dividiu um pão e acordou a sentinela, com um beijo, para o desjejum. “Estou indo para oeste, na fronteira com a floresta. Ia pelos esgotos, mas os túneis ruíram.” “Você não soube que as tribos do oeste foram dizimadas?” “Como assim?” “Foi há dois dias. O seres de outro planeta fizeram o demônio lá depois que uma horda foi destruída por um ataque surpresa da tribo da floresta com os homens das cavernas. Eles eram mais de mil e tinham granadas. As notícias dizem que não restou mais nada.” “Preciso de maconha para suprir as fileiras do sul.” “Acho que você vai perder o seu tempo e arriscar a sua vida indo até lá.” Como agradecimento pelas informações Neb deixou uma bebida para a sentinela urbana e se negou a abandonar seu ‘plano A para’ se juntar a resistência urbana. As tropas do sul precisavam de maconha para elevar a moral, o único lugar que ainda tinha era nas terras das tribos da floresta, e sua missão era voltar carregado. As tribos da florestas eram muitas, se mantém por lá desde o começo da invasão, sobreviveram a outros ataques, alguém teria sobrado.
Rastejando pelos escombro Neb conseguiu chegar até o limite da floresta. Havia uma cortina de luz suspensa cercando as fronteiras das árvores. Ele nunca tinha visto aquilo. Pensou que poderia ser uma armadilha, então arremessou um pedaço de pau. Nada aconteceu. Então ele correu na direção da floresta. Foi desviando de árvores até perceber que não tinha mais nenhuma delas. A floresta tinha virado um chão de terra batida. De repente um banho de luz cegou seus olhos. Neb olhou para cima e viu uma nave que irradiava mais luz que o sol. O som da horda de seres de outro planeta chegando fez uma poeira subir no horizonte. Ele se virou e começou a correr na direção das árvores. Se escondeu atrás de uma e esperou eles se aproximarem. No fim Neb conseguiu descarregar todo seu pente de balas antes de ser desmembrado.