A BATALHA DE JÁPETO

20 de abril de 2015.

Órbita de Japeto, 09 da manhã, hora local.

Aldo selecionava as tripulações de ataque quando Inge entrou no corredor de embarque com seu filho de quatro meses nos braços.

–Sairás de novo? – disse angustiada.

–Sim, Valerión foi a explorar, Jacques foi a Ganímedes e eu vou atacar Japeto.

–Quase te mataram da última vez. Não quero que te arrisques.

Aldo pegou seu filho e o beijou, dizendo:

–Pretendo vê-lo adulto, querida. Não chore, vou me cuidar. Em vez disso, minha Reverenda Senhora; peça aos deuses que me deem a vitória.

Nesse momento apareceu o mecânico de caça, Martinez.

–As naves estão a ponto, senhor.

Aldo devolveu a criança para sua esposa:

–Não vou amolecer só porque tenho um filho, querida. Sabíamos dos riscos quando partimos de Antártica...

–Já perdemos muita gente; Benítez, Chekov, Muslimov e...

–Inge, querida, se não gostamos de um pouco de sangue, devemos ficar em casa, embaixo da cama... Aldo para pilotos! Embarcar!

*******.

Os quatro homens abordaram a patrulheira da classe AR-1, que tinha espaço de sobra; dois beliches duplos, banheiro com ducha, despensa com cozinha e arsenal. A fuselagem de três metros e meio a tornava folgada por dentro com trinta metros de comprimento; metade da Hércules e dezenove menos que as naves da classe Antílope.

Magnetizado encima, o caça 002, o novo avião de Aldo. O caça 001, fora destruído nos anéis de Saturno. Os aviões 003 e 004 estavam com Tom e Kowalsky, o número 005 foi com Alan Claude na Expedição Valerión. O 006 estava na Hércules.

Ives pilotava com Aldo do seu lado. Bjorn Petersen e Gamal estavam equipados com armaduras de combate, que Gamal estava feliz em envergar após aprender seu manejo. A superfície de Japeto era igual a da Lua terrestre, crateras, vales, montanhas.

–O sensor indica concentração de gente, capitão – disse Ives – Subterrâneas, no setor á frente, após a montanha.

–Já vi. Galerias, alojamentos, seres movimentando-se. Mas o que queremos é algo que pareça uma base militar, quartéis, astroporto...

–Serve uma planta atômica?

–Serve. Onde?

–Estamos sobre ela, capitão. Cem metros sob a superfície.

–Parada total.

Ficaram pairando no alto, na quase inexistente atmosfera da lua de Saturno.

–É mesmo um gerador atômico, Ives. Há mais radiação da que deveria.

–Vamos ouvi-los; senhor? – disse Ives ligando os sensores de rádio.

–Deixa essa parte comigo – disse Aldo.

Segundos depois o computador separava as vozes no meio de uma voragem de sons. Aldo ligou-se ao sistema da Hércules, que orbitava centenas de kms acima, para deixar registro e obter novas informações.

–Ouve alguma coisa, capitão?

–Sim. Raniano e outra língua que desconheço. Como a que os xawareks falavam entre si. Espero que a base de dados da Hércules descubra qual é.

Não demorou em chegar a resposta do computador positrônico:

–Língua primária intergaláctica. Sistema colonial Alakros. Código 464-55A6, arquivo 345RTP78HY7-99 – brilhou na tela colorida.

–Deuses! – exclamou Aldo instintivamente.

–O quê foi, capitão?

–Alakros!... Aldo para Hércules!

O alarme do sistema da nave em órbita estava disposto para essa contingência; a palavra “Alakros” o disparava de imediato e Regina soube o que Aldo descobrira. Regina identificou aquela língua com o sistema híbrido binário/positrônico, abastecido de dados referentes a Alakros, reunidos em Júpiter pelo príncipe Angztlán e a Enciclopédia Alakros, emprestada pelo Eremita de Io, que tinha dito:

“–Os alakranos não morreram, senão que ainda devem estar por aí”.

–Regina para Aldo!

–Prossiga.

–Ensinam ciência atômica aos rebeldes Yord.

–Confere. Eles os treinam aqui. Devem de prometer-se qualquer coisa uns aos outros para conseguir apoderar-se de Taônia.

–Não são muitos. Têm pouca tecnologia, parecem náufragos.

–Confere com os que os monstros me disseram.

–As vozes deles não são alakranas. Deveriam ser diferentes... É estranho isso.

–Talvez sejam xawareks falando em alakrano. Regina.

–Pode ser... – Regina interrompeu-se de repente:

–Alarme, Aldo! Foram descobertos! Saiam já daí!

–Já estamos de saída. Temos o suficiente... Ives?

–Sim, senhor – disse Ives acelerando e tomando altura.

Meia dúzia de naves triangulares decolou de cavernas para interceptá-los. Aldo passou ao CH-3 pela escotilha e ligou o motor, separando-se em seguida. Com o laser, acabou com os atacantes em menos de um minuto. Ives pulou na sua poltrona:

–Boa pontaria; senhor.

–Obrigado, mas veja atrás de você.

Por trás do horizonte, apareceu uma nave-mãe, como a que atacou Taônia.

–É uma nave orbital, senhor. Não tem velocidade.

–Mas seus aviões sim – disse Aldo.

Antes que a nave lançasse seus caças, Ives acertou-lhe um míssil de cobalto e a fez desaparecer num lampejo incandescente, no maior dos silêncios.

*******.

Nas proximidades de Saturno, 20 de abril, 10:00 AM, hora local.

–Outra reação em cadeia, capitão. Desta vez na órbita de Japeto.

–Marília, chame o Prof. Von Kruger.

O cientista chefe entrou na ponte da Vingador, onde Lúcio, Breno Mendes, o piloto Takeo Kurosawa e o navegador Ewan McDonnell; estavam. Á frente; Saturno; a bombordo, a Milenium parecia quieta ao lado.

–Já, Herr Kapitan – disse von Kruger – agora é uma bomba de cobalto, não como a bomba de hidrogênio que detectamos em Titã. Esta é sem dúvida um torpedo de cobalto, como os que usam as AR-1.

–Devem ser os nossos, fazendo estripulias – disse Lúcio – Quanto falta, Mac?

–Duas horas para começar a frear, capitão – disse McDonnell.

Lúcio soltou uma maldição típica italiana.

–Vingador para Milenium! Está quente adiante e faltam duas horas para frear!

–Podemos acelerar em impulso total até o ponto de freada, Lúcio. Isso nos economiza noventa minutos. Manobramos e paramos com os motores de popa.

–E os reboques? Não podemos abandoná-los. Vão se espatifar em algum lugar.

–Colocamos pilotos neles para parar quando for preciso. Há bastante gente.

–De acordo, execute. Sincronizamos em um minuto.

*******.

Chega a cavalaria!

–Alerta vermelho! Postos de batalha! Armar torpedos, carregar lasers! Ligar luzes de combate, vestir armaduras, abrir válvulas de inundação, desligar gravidade! Passe o aviso à Milenium, Marília.

–Sim, capitão.

Ambas naves preparavam-se para o combate, enquanto em Japeto, Aldo e seu pessoal enfrentavam os frágeis aparelhos inimigos. Era evidente que o poder ofensivo xawarek era superior ao seu poder defensivo; nunca pensaram em ser enfrentados no espaço. Não eram grande coisa para as naves terrestres.

De qualquer forma havia que pará-los de vez, pelo que Aldo e Ives usaram lasers para não gastar mísseis.

–Fazemos tudo mal, Ives. Vá a bombardear a base enquanto limpo o céu.

Ives foi detectando os esconderijos, abrindo buracos com o canhão marciano e soltando bombas dentro. Aldo derrubara os escassos caças que apareceram.

–Regina para Aldo!

–Prossiga.

–Há duas naves desacelerando perto de vocês. E grandes.

******.

A batalha de Japeto.

–Permissão para subir a bordo, capitão.

–Permissão concedida! – disse Lúcio – Bem-vindo a bordo, capitão. O capitão Leif e o seu imediato Lon Vurián, estão a caminho.

Aldo não podia ocultar a sua alegria. A aparição dos amigos, no momento em que mais os necessitava, era mais do que providencial.

–Não sabem quanto celebro que estejam aqui.

–Suponho. Venha para minha cabine.

–Herr Kapitan, Mein Freun!

–Professor! O senhor por aqui?

–Claro! Sempre há o que ver em Saturno.

Ives, Bjorn e Gamal ficaram sem munição e foram ao encontro da Vingador, passando a bordo em seguida. Gamal ficou deslumbrado ao ver os astronautas terrestres e marcianos com seus aparelhos e armaduras de combate.

Estava entre os deuses. Algum dia contaria esta história aos seus netos, junto ao fogo nas Terras Frias.

*******.

Japeto, 21 de abril de 2015.

Era o segundo dia de operações em Japeto e seu espaço imediato. A Hércules, sobre o equador do satélite, repartira-se com suas naves irmãs em órbitas Clarke para cobrir todas as posições, enquanto os enormes reboques orbitavam bem acima, a mais de sessenta mil kms.

Nenhuma nave poderia decolar ou pousar em Japeto sem ser detectada. Duas esquadrilhas de naves triangulares tentaram sair para atacar Titã, sem êxito. Foram derrubadas antes ainda de entrar em órbita.

–Estamos perdendo uma oportunidade, Herr Kapitan – disse von Kruger – Se há realmente alakranos aí embaixo, deveríamos capturá-los e capturar suas naves, em lugar de simplesmente matar todo mundo como Herr Aldo está fazendo.

–Tem razão, professor – disse Lucio – direi a ele.

*******.

A fortaleza.

–De acordo, Lúcio. Mandarei um grupo de comandos. Regina está analisando a informação dos sensores.

–Estou, querido. Ouvi a língua no setor H77. Transmitindo coordenadas.

–Recebido Regina – disse Lúcio.

–Desembarcaremos aí – disse Aldo – tenho um grupo a postos, irei junto.

Inge estava desolada. Desde a maternidade, sentia-se diferente, frágil, não era como antes, que a ação não a afetava. Por isso disse, quase chorando:

–Irás de novo?

–Claro amor. Se quiser uma coisa bem feita, faça você mesmo.

Aldo beijou seu filho e sua esposa.

–Já volto, meus queridos.

E partiu para a guerra.

*******.

Marcianos e terrestres repartiram-se em seis patrulheiras.

Aldo, Ives, Marnes e Wassermann acomodaram-se na restante. Duas esquadrilhas de caça deram cobertura.

Desceram como um açoite do céu. Os homens pularam e as naves elevaram-se para não apresentar alvo. O local era uma fortaleza acaçapada e escura embutida no solo.

Os canhões das torres começaram a disparar. Os atacantes avançaram protegendo-se entre as irregularidades do terreno. Por serem tantos e espalhados os artilheiros não miravam com precisão, dando vantagem aos atacantes. Após dois minutos, Aldo viu que não tomariam a fortaleza com pistolas e fuzis.

–Precisamos um tanque. Quem tem um tanque?

–Eu tenho – disse Lúcio – Leif também tem, mas está do outro lado.

–Pode mandá-lo?

–Mandá-lo? Terei que levá-lo!

A Vingador desceu próxima do teatro de operações, protegida por colinas baixas. Aldo viu a nave elevando-se e quase em seguida apareceu o Cascavel à toda velocidade que a gravitação permitia, pulando como coelho sobre dunas, sorteando obstáculos e construções inimigas semidestruídas.

–Aqui rapazes! A porta! A porta!

O canhão do Cascavel vomitou fogo. A granada de plutônio de baixa potência derreteu a porta metálica e parte da parede de rocha em volta dela.

–Comandos, atacar! – gritou Aldo pelo radio, pulando fora do seu esconderijo e avançando com o fuzil marciano em uma mão e a pistola na outra.

O inimigo concentrou-se na porta, tentando conter a onda de atacantes que voavam sobre os obstáculos. Os disparos ricocheteavam nas armaduras. Apelaram para granadas e foguetes de pequeno porte com mais resultado, fazendo os atacantes voar para trás na baixa gravitação, mas continuavam avançando sem misericórdia, alguns feridos pela concussão.

A torre do Cascavel girou para a porta e Aldo gritou:

–Usem metralhadoras, não quero que morram todos. Precisamos prisioneiros!

Nesse momento, uma granada explodiu aos seus pés, atirando-o para cima. Aldo caiu lentamente ao solo e ficou imóvel. Marnes correu para socorrê-lo.

–Capitão!

–Não é nada – disse Aldo endireitando-se – foi o choque nas pernas. Ainda está doendo. A armadura protegeu-me.

–Pode levantar-se?

–Sim. Vamos!

Aldo levantou-se quando o pelotão marciano já entrara na fortaleza; protegido atrás do carro de combate. Os terrestres em três colunas apresentavam batalha aos defensores das torres e avançavam para a entrada, em pôs dos marcianos.

Os caças voavam sobre o local disparando metralha e laser nos que tentavam fugir. Uma vez dentro, Aldo e Marnes foram ao comando central, de acordo com instruções de Regina. Agora o combate era corpo a corpo.

Aldo pendurou o fuzil nas costas e puxou a outra pistola enquanto Marnes protegia sua retaguarda. Atirando com ambas mãos, tentou diferenciar inimigos enfiados em armaduras. Todos pareciam humanoides, sem dúvida os rebeldes Yord.

Logo viu seres diferentes em armaduras negras. Seus rostos felinos não se distinguiam porque os visores dos capacetes eram finas linhas de grosso material transparente. Aldo disparou às suas armas, destruindo-as. Um deles escapou e o outro se atirou encima de Aldo, que disparou repetidas vezes no visor que o outro protegeu com o braço encouraçado.

Aldo regulou a pistola em potência media e o xawarek voou para trás, mas levantou-se e em seguida apareceram os terrestres.

–Peguem-no! – ordenou Aldo.

Enquanto seus homens lutavam corpo a corpo com o alienígena, Aldo foi atrás do outro, seguido por uma coluna de terrestres e outra de marcianos. A terceira coluna cortou-lhe o passo. Os marcianos atiraram-se encima do ser, mas ele os sacudiu como se fossem penas. Os oito soldados marcianos não conseguiram segurá-lo.

–Planeta pesado! – gritou Aldo.

–Comandos! – gritou Breno Mendes – ataquem!

Os terrestres foram em socorro dos marcianos, cercaram o alienígena e o derrubaram no chão de pedra vitrificada e o amarraram com cabos de vitroaço.

Amarrado de pés e mãos, foi colocado encima da carroçaria do Cascavel, que já entrava porta adentro nos corredores da fortaleza, demolindo paredes e divisórias.

O ar contido escapava ao espaço sem piedade, fazendo objetos e inimigos voarem longe. Assim que os dois xawareks estiveram amarrados, Aldo deu a ordem de retirada, não sem antes capturar meia dúzia de humanoides Yord.

*******.

Os prisioneiros foram arrancados das armaduras e amarrados com cabos de vitroaço no porão da Vingador, que descera para recolher os feridos e o Cascavel.

Aldo foi recolhido por Ives, que se elevou a tempo de ver a Vingador soltar um míssil na entrada das galerias. A explosão desintegrou o complexo inteiro até vários andares abaixo, onde estavam as moradias dos humanoides Yord.

–Tivemos baixas, senhor?

–Não, Ives. Apenas alguns feridos... E minha perna direita está doendo.

–É grave?

–Acho que não. Acelera, estou cansado.

–Sim, senhor.

Ives empurrou os aceleradores ao máximo e a valente patrulheira AR-1 saiu disparada para o espaço, com um gemido de juntas torturadas.

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Continua em: TAO, O IMPIEDOSO

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O conto A BATALHA DE JÁPETO. - forma parte integrante da saga inédita Mundos Paralelos ® – Fase I - Volume III, Capítulo 23; páginas 82 a 87; e cujo inicio pode ser encontrado no Blog Sarracênico - Ficção Científica e Relacionados:

http://sarracena.blogspot.com.br/2009/09/mundos-paralelos-uma-epopeia.html

O volume 1 da saga pode ser comprado em:

clubedeautores.com.br/book/127206--Mundos_Paralelos_volume_1

Gabriel Solís
Enviado por Gabriel Solís em 14/12/2016
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