O DÉCIMO TERCEIRO CONSELHEIRO
Pomona, 16 de março de 2014.
A Vingador ancorou a oitocentos metros do Acampamento Von Kruger.
O capitão Lúcio Cardelino foi colocado à par dos acontecimentos.
–Então, não soube mais nada da Hércules?
–Nein, Herr Kapitan. Um grupo desceu em Ganímedes. Sabemos que acharam nativos amistosos. O sinal entrava com força, monitoravam a superfície, recebemos dados e depois o sistema caiu, segundo Herr Báez.
–Vou deixar um relevo. Vocês vêm conosco. O radiofarol fica funcionando.
–Vamos ficar – disse Julián Cables – Báez e eu operamos esta tralha toda.
–Como queiram. Vou deixar-lhes quatro auxiliares, três pilotos, dois aviões, dois alojamentos e uma contramestra cozinheira. Suficiente?
–Mais do que suficiente – disse Cables – já temos vinte ranianos operando os processadores para produzir combustível.
–De acordo. Você comanda Pomona agora, Julián. O resto do pessoal tem uma hora para fazer as malas e embarcar.
–Quê notícias há da Terra?
–Esperava a pergunta, professor. Mas o que se soube em Marte, vocês aqui já sabem. Chegou a frota do doutor Valerión com novos motores...
–Valerión! Finalmente, meu velho amigo resolveu...
–Ele tem trabalhado muito. Sabe a quê velocidade viaja minha nave?
–Nem suspeito; Herr Kapitan.
–Um milhão de kms por hora. A INDEVAL Motores agora tem tecnologia raniana. Valerión prepara em Marte uma frota e Marcos mandou outra a Ceres; com o pessoal do Japão Livre Imperial, nosso aliado...
–O novo presidente está fazendo o que é certo!
–A frota da Lua vai para Júpiter com naves novas. Marcos quer consolidar as posições e nos apoiar em Marte com gente selecionada. A 1a Frota tem 245 unidades, naves, caças e patrulheiras. São 1.220 homens. A segunda frota tem 12 naves, 16 patrulheiras e 72 caças; 454 homens e mulheres para Ceres. É um treino apenas; carga e homens ficam, naves voltam para ficar de prontidão quando a guerra começar.
–Poderiam me levar a essa rocha que vocês chamam Ceres? – disse Angztlán, que já dominava um pouco de espanhol, graças a Cables Torres, o chileno.
–Não podemos – disse Lúcio em marciano – vamos a Júp... Vurón. Não sabemos o que aconteceu com Aldo. Pode estar em dificuldades. Tenho ordem de levar você comigo. Necessitamos seu conhecimento... A não ser que prefira ficar com os meus homens aqui, na pedra.
Irei – disse ele com olhar sombrio – já estive tempo demais neste lugar...
*******.
Ceres – 15 de março de 2014
Ceres, o maior planetoide conhecido, é uma pedra de 755 kms de diâmetro, ilha espacial onde os comandados do capitão Itaro Fuchida, estavam assentados.
O navio Analgopakin ancorou e começou a cair devagar naquela gravitação infinitesimal, ao lado das cúpulas do Acampamento Fuchida.
Acompanhado do casal Cabot, o capitão Weiss foi à casa do governador; situada numa galeria.
Após saudações e amenidades vieram os assuntos importantes.
–Quero ver o que vocês encontraram; governador.
–Venha comigo, Cabot. Está no hospital.
Weiss, Fuchida e Pat foram caminhando na meia gravitação pelos corredores subterrâneos brilhantemente iluminados.
–Pomona mandou instruções para fazer uma tela mental. Já está funcionando, mas na verdade, não vejo sua utilidade.
–Esse ser é extremamente perigoso, possui poderes mentais espantosos. A tela mental é a forma que os antigos ranianos inventaram para proteger-se deles.
–Capitão, ele é digno de pena; seu estado é lamentável, machucou-se, não entendemos a língua, está imundo de sujo... Enfim. Veja você mesmo.
No hospital esperava A Dra. Yashuko. Após as saudações a doutora indicou a janela de uma cela forrada com tatame e coberta por fora com a fina malha de arame de cobre, onde estava preso o Décimo Terceiro Conselheiro Zvar Zyszhak, da raça dominion, que provocara, segundo o príncipe Angztlán, a destruição do Império.
No desespero de escapar, desgarrara a roupa e machucara as mãos esqueléticas de longas unhas que lhe davam aparência sinistra. O rosto apergaminhado denotava uma avançada idade. Por entre o desajeitado cabelo longo ao redor da cabeça semi calva de pele amarela, assomavam as pontas das orelhas de duende.
Os olhos amarelados tinham brilho sinistro, o que aumentava seu aspecto desagradável. A cruel expressão depreciativa da boca era de desagrado pelos seres que lhe rodeavam.
A doutora afastou os olhos da janelinha.
–Ele me dá arrepios.
–É compreensível – disse Weiss – Senti uma sensação de pavor ao vê-lo, como se meus ancestrais se revirassem nos seus túmulos, lá na Terra...
–Ele pode nos ver, doutora?
–O cristal é um espelho falso, mas tenho a sensação de que nos percebe...
–E a sua saúde?
–Finalmente aceitou a comida, após quatro períodos de rejeitá-la, Pat.
–Fala? – perguntou Weiss.
–Sim, capitão, mas não lhe entendemos, seu marciano é muito difícil. Por isso contamos com Pat, que domina os cinco dialetos de Marte.
–As mensagens de Pomona vieram praticamente uma atrás da outra. Parece que estão desesperados.
–Estão em pânico, governador – disse Weiss – este ser é sumamente perigoso.
–Parece um pobre velho enfermo e cansado – disse Fuchida.
–Não se engane – disse Weiss – pesquisei a base de dados da Analgopakin e achei referencias desabonadoras à raça parasita dominion. Minha conclusão é que, em ressumo, Zvar é responsável pela destruição de Ran e por querer entregar o Império a uma potência de outro quadrante da galáxia.
–Quê currículo! – disse Pat – Um criminoso de guerra de dez mil anos!
–Angztlán quer julgá-lo em presença dos ranianos restantes; a tripulação da Analgopakin, o capitão Nahuátl Ang e Isis – disse Fuchida.
–Julgamento de cartas marcadas – disse Pat, irritado – um linchamento, como são todos os julgamentos dos ditos criminosos de guerra. Este ser está condenado de antemão. Apenas vão escolher a melhor forma de matá-lo.
–Parece que sim – disse Fuchida – Mas, segundo von Kruger, ele tem muitos conhecimentos que podemos aproveitar, Pat. Você deve descobrir tudo o que puder ao seu respeito e passar o relatório para Marte. Instalamos câmeras e microfones na sala, é imperativo extrair toda a informação possível. Acha que consegue?
*******.
O Décimo Terceiro Conselheiro
Zvar estava encolhido num canto, junto a uma tigela de papelão com restos de comida sintética. Ao ver entrar o terrestre, levantou a vista e seus olhos amarelados dilataram-se brilhando como brasas.
A pedra da testa estava opaca e apagada. A luz do quarto era fraca para não ferir seus olhos, dando-lhe uma aparência de vampiro.
Dominando um estremecimento, o professor Patrick Cabot disse:
–Sat um ert spoka, an gop?
Ao ouvir sua língua, Zvar endireitou-se, tentou levantar-se, mas não conseguiu, por causa da sua fraqueza.
–Hás nha's, al dess a spoka...! – (Por fim alguém que me entende).
–Priqe in virt n'rert? – (Você está bem?).
–Das, go virt n'rert. – (Sim, estou bem).
–Quero fazer-lhe umas perguntas.
–Vocês não são nada que eu conheça... Não parecem ariones ou ranianos; não são milkaros, xawareks, alakranos nem kholems...
–Viemos dos planetas interiores...
–Gopakis? Atlantes? Astecas? Boralianos?
–Um pouco de cada coisa.
–Quanto tempo estive hibernado? A câmara estava programada para abrir-se com a chegada de seres inteligentes...
–Ao que me consta, mais de duas mil unidades do seu tempo.
–Tanto? Onde...? Estou no espaço...? A gravitação é...
–Estamos no que sobrou do seu mundo, um pedaço dele.
–Então aconteceu mesmo...
–Aconteceu o quê?
Por um instante, seus olhos se escureceram num lampejo de tristeza, mas se recompôs de imediato, assumindo expressão de desconfiança.
Zvar passou as horríveis mãos no cabelo longo e desalinhado e no rosto enrugado e hirsuto.
–Preciso limpar-me, raspar a cabeça e esta barba, cortar as unhas, tomar banho, mudar estes farrapos... – desconfiado, cravou seus olhos no terrestre:
–Como sabe minha língua?
–É uma língua vulgar no quarto planeta.
–Gopak? Vocês são de Gopak?
–Digamos que sim.
–Bem, chega de conversa. Vou sair deste lugar, tenho mais o que fazer...!
Cabot não pôde reprimir uma risada:
–Há...! Ele acorda após dormir várias eras e tem mais o que fazer!
Zvar não gostou. Seus olhos malignos recobraram o brilho que milênios atrás faziam tremer de medo aos seus subordinados.
–Preciso sair deste lugar! – disse tentando levantar-se; sem conseguir.
–Talvez, quando consiga caminhar – disse Pat sem amedrontar-se.
–Preciso sair daqui, devo encontrar Biltis.
–Biltis? O quê é isso?
–Ajude-me a encontrá-la e o recompensarei.
–Com quê vai me recompensar, se você não tem nada?
Zvar ficou possesso, não estava habituado com negativas. Juntou suas últimas forças para gritar como se ainda fosse um prepotente governante:
–Sabe quem sou eu, seu idiota...? Eu sou Zvar Zyszhak! Décimo Terceiro Conselheiro do Império!
–Quê Império? Não existe nenhum Império por aqui! – gritou Cabot, irritado pela prepotência do sujeito.
Agora sabia com quem estava lidando. Já não pensava como antes. Em Pomona estavam certos; o alienígena era maligno e ele devia tomar a iniciativa e dominar a situação. Não o deixou pensar muito:
–Ouça-me com muita atenção seu néscio! Você não tem nada que fazer, não tem aonde ir; as pessoas que você conheceu estão mortas e o seu império é uma vaga lembrança! É uma curiosidade arqueológica para nós! Você é uma curiosidade arqueológica! Se quiser viver mais tempo, fique quieto! Você não se alimentou como devia nem deixou que o atendessem; comportou-se como um animal e perdeu energia tentando escapar para nenhuma parte!
–Como se atreve a falar assim comigo?
–Falo como quero porque você é meu espécime!
–Vai se arrepender! Vou matá-lo!
–Ah! Cale a boca! Você não tem condições de matar ninguém! Você nem pode sair daqui! Isto é uma rocha morta. Lá fora não há ar nem gravitação. Entendeu?
Zvar calou-se. Percebeu que não havia saída, mas lembrou-se:
–Onde me encontraram havia uma câmara com meus pertences... Há riquezas sem conta, roupas, uma nave, arm...!
Pat percebeu a pausa. Zvar ficou em silêncio por um segundo. Depois disse:
–Fique com tudo que há aí. Só quero pegar minha nave e minhas... Armas.
–Aquilo tudo já é nosso. A nave não funciona; o combustível está decomposto; suas riquezas só têm valor arqueológico para nós; não há onde gastá-las. As armas já são nossas e vão para nossos museus! Aliás, você não tem nada! Você mesmo já não mais se pertence; você é nossa propriedade!
As duríssimas palavras do terrestre terminaram por derrubar o moral do petulante alienígena. Cabot fez uma pausa estudada e depois lembrou:
–Me diga o que é Biltis e pensarei em ajudá-lo de alguma forma.
–Biltis é uma princesa de Ran que hibernei numa câmara como a minha para perpetuar minha linhagem. Ela tem um localizador de energia cósmica na câmara, e eu tenho o receptor na minha sala de pertences...
–É improvável encontrá-la; caso tenha sobrevivido à explosão do planeta.
–Deve ter sobrevivido, se eu consegui, ela também. Sua câmara foi colocada numa pirâmide feita do mesmo material do que a minha. Biltis é a única esperança que tenho de preservar minha estirpe...
–Então... Por quê não me conta sua história? Temos tempo de sobra...
–Por quê eu faria isso?
Cabot estava a ponto de perder a paciência. Zvar era petulante, arrogante e néscio, mas precisava extrair toda a informação possível e voltou ao ataque:
–Eu já disse; você é nossa propriedade arqueológica; ainda está vivo porque nós permitimos. Mostre-se cooperativo e talvez o ajude a encontrar sua princesa.
–Você? Não acredito! – disse Zvar, desconfiado.
–Apesar de que me chamou de idiota. Seja útil enquanto lhe deixamos viver. Se não... Depois de morto também será útil. Meu pessoal está do outro lado da porta, ansioso para abrir sua carcaça e ver a cor das suas tripas...!
Então, o arrogante dominion Zvar Zyszhak disse por primeira vez em sua longa vida; uma palavra que nunca constou do seu vocabulário:
–Desculpe.
*******.
Astronautas de serviço japoneses fizeram barba, cabelo e unhas do alienígena, que em meia hora ficou apresentável.
Após um banho de esponja introduziram-no num ofurô trazido da casa de banhos da comunidade ceresana; não exageradamente quente, ao gosto dos japoneses, porém regulado para que ele suportasse.
Pat dispensou os astronautas de serviço, que ficariam do lado de fora com a doutora e sentou-se junto da banheira. Zvar agora se sentia com um humor excelente:
–Isto é ótimo.
–Sim, eu sei que é. E também sei que você é Zvar Zyszhak; mas não sei o que você era antes. Terei ouvido conselheiro...?
–Eu era... Um governante. Ocupava o cargo de 13º Conselheiro do Império Raniano. Tinha muito poder... Ah! Parece que foi ontem!
–E o que aconteceu?
–Estávamos em guerra total contra o Império bárbaro Alakros; suas raças clientes e seus aliados. Eles reuniram uma frota de autoplanetas com trinta milhões de vimanas para uma invasão em massa. Não havia como vencê-los nem como trazer ajuda de Milkar, nosso aliado ocasional, porque não chegariam em tempo...
–Aliado ocasional?
–Os alakranos tornaram-se ameaça para eles ao achar a anomalia de Almach, setor 010, marco 1842, a 80 parsecs daqui. A fenda encurta o caminho a Milkar. Havia perigo de que; após nossa derrota; atacassem Milkar. A única forma de pará-los era com a arma total; um sol de antimatéria, arma de resultado imprevisível, só usada uma vez no planeta K’Krch do sistema Aludra; setor 007 marco 2137, a 828 parsecs daqui; contra uma raça de insetos que ameaçavam espalhar-se pelo quadrante...
–E o quê aconteceu desta vez?
–A arma tirou a frota deles do universo, mas como conseqüência o campo de contenção do núcleo instável de Ran entrou em colapso e o mundo explodiu; como vejo agora. Mas antes disso; nossas vimanas foram ao quadrante deles a esterilizar sua espécie. Não soube o resultado disso, mas imagino que tiveram sucesso, se vocês não sabem o que é um alakrano...
–Como veio parar na câmara hibernadora?
–Vi que as pessoas começavam a fugir; os terremotos eram freqüentes e resolvi que deveria fazer algo. Meu alto cargo impedia-me de partir, então preparei tudo para hibernar. Para garantir minha reprodução, sequestrei à princesa Biltis, bisneta do Imperador Ramsés XVIII. Era uma menina e coloquei-a numa câmara dentro da pirâmide do Interventor Athenkos XXIII, perto da minha. Se vocês não a encontraram nesta rocha, pode estar em algum outro pedaço de Ran...
–Quem mais está hibernado, que você lembre, para que o procuremos?
–Muita gente, não tão importante como Biltis e eu. Não estavam em criptas de pedra metálica e não devem ter se salvado... Havia dois... Não... Só um... Krishna foi deshibernado para viajar...
–Krishna?
–Um cientista. Viajou ao terceiro planeta. O outro, Angztlán, sobrinho-neto do Imperador, era herói do Império. Eu o congelei porque me acusou de alta traição.
–É uma horrível acusação.
–Mas nunca puderam prová-lo.
–Quer dizer que você...? – Pat ficou estarrecido.
–Estava tudo perdido! O que eu fiz foi entregar o Império aos alakranos em troca do governo do planeta, isto é, quando ainda não sabia que explodiria.
–Eles não iam cumprir sua palavra, me admira você, um ser tão inteligente...
–Eram bárbaros; alienígenas demais; tremendamente poderosos e poderiam nos esmagar. Logo vi que eram perigosos e só havia uma forma de acabar com eles; a arma total. Não tinham tecnologia similar. Mas agora sei, Ran explodiu. O sol de antimatéria era uma espada de dois gumes...
–Você sabia disso?
–Claro. Podia evitar-se com o plano do falecido... Hibernado Angztlán; mas não me era conveniente. Já estavam para descobrir-se minhas atividades...
–E você não viu que isso tudo seria seu próprio fim?
–Tinha outros planos. Os milkaros pretendiam me levar longe.
–Vejo que você não perdeu o tempo!
–Eles me levariam por um tempo para algum planeta do setor, em troca do domínio deste sistema, assim que Ran explodisse...
–Também vendeu seu mundo aos milkaros? – escandalizou-se Patrick.
–Sim, claro – Respondeu Zvar, submerso até o pescoço na água quente, o que lhe fazia rir; e seu riso era música puríssima; surpreendendo Cabot, que o escutava por primeira vez – os tolos não sabiam que compravam uma bomba relógio!
–E por quê eles não vieram lhe buscar, afinal?
–Suponho que me traíram, mas eu já o tinha previsto e hibernei-me.
–Tinha certeza de se salvar?
–Não totalmente, era uma possibilidade em um milhão, mas a cripta estava feita do mais duro material encontrável neste quadrante e se abriria ao captar ondas mentais de seres inteligentes... Como vocês.
–O quê me diz das outras duas criptas?
–Têm a mesma chance. Só me interessa encontrar Biltis.
–E com respeito ao tal príncipe... Como é mesmo...? Angztlán...?
Ao lembrar de Angztlán, Zvar ficou pensativo por alguns momentos.
–Talvez esteja por aí... Se o encontrasse ia deixá-lo dormir em paz.
–Por quê você tem me confessado seus crimes?
–Do meu ponto de vista não foram crimes – disse Zvar com o olhar profundo e duro de alguém que já teve milhões de vidas nas mãos – foram grandes erros.
–O lamenta?
–Não há motivo agora. Talvez antes, se tudo tivesse sido diferente. Sou o último e devo começar de novo; não acha?
–Não me parece que seja o último. Se foram grandes conquistadores, devem ter fundado colônias em milhares de mundos.
–Claro... Devem ter se dispersado, ter fundado governos, impérios... O Império deve ser apenas uma lembrança, como você disse antes...
–Provavelmente sejam planetas independentes e livres...
–Ou talvez não – disse Zvar, com olhar sombrio.
–O quê aconteceria se o meu pessoal encontrasse os outros hibernados?
Zvar passou a mão na cabeça e na face recém raspada. Os dias que passara sem lavar-se nem se barbear, tinham lhe traumatizado.
–Se despertassem não perdoariam meus atos. Biltis não seria perigosa porque é uma menina... Gostaria de encontrá-la para me reproduzir... Claro que eu já sou um velho, mas isso é importante e tenho tudo na cripta para realizar a inseminação.
Zvar ficou sombrio. Evidentemente, o fato de achar ser o último de sua espécie lhe preocupava e lhe impelia a procurar uma forma de se perpetuar.
–E o príncipe?
–Esse é perigoso. Ainda lembro da praga que rogou ao ser hibernado.
–Praga? Uma maldição?
–Sim, contra o Conselho:
"–Eu os amaldiçôo com todo o meu coração. Suas mortes serão as mais
horríveis que alguém possa imaginar. Pena que não o verei”.
–Uma praga e tanto. Terrível esse Angztlán, não?
–Sim. Os outros doze morreram de forma horrível.
–Vai me dizer que eles eram tão ruins como você, me engano?
–Não se engana. Ainda antes da guerra o Império estava corroído por dentro, graças às falcatruas, à corrupção, tudo isso por parte deles... Nossa.
–(Agora sei de onde os políticos terrestres herdaram...)
–Eles morreram antes que eu me congelasse. Alguns deles foram assassinados pelos seus serventes, outros, no pânico que se produziu no mundo quando foi evidente o fim próximo, outros morreram em acidentes tentando escapar do planeta.
–E você estava vivo então, ao que conta. Mas você era tão ruim como eles...
–Não como eles. Meu defeito era que sempre fui sincero. Eles não. Suas belas imagens sempre estavam limpas... A minha... Eu sempre fui detestado.
–Parece que continua sincero. Em resumo; agora que você escapou da praga do príncipe; o quê pretende fazer da sua vida, caso nós o libertemos?
–Já que dependo de vocês, vou procurar Biltis, embora me leve a vida inteira.
–E se você encontrar o príncipe Angztlán?
–Como já disse: que durma em paz. Sua câmara só pode ser aberta por alguém que conheça o mecanismo. Foi uma precaução.
–Claro. Ao não haver mais ranianos vivos, ele dormirá até o inferno congelar.
–Não é uma infelicidade? – disse o alienígena, sardônico.
Cabot suspirou:
–Ajudou bastante, Zvar. Respondeu as perguntas e prestou serviço relevante à nossa ciência. Isso é história pura e nos eleva culturalmente.
–Já que ajudei, vou sair da banheira e vestir roupa de... Na cripta havia...
–Mandarei buscar.
–Seria ótimo. Bom. Depois vou sair daqui. Minha nave está na cripta e...
–Eu já lhe disse antes; o combustível está decomposto.
–Suponho que vocês terão naves...
–Você não consegue mover-se nem ao outro canto do quarto.
–Eu estou me sentindo ótimo – mentiu.
–Não foi o que a doutora disse.
–Estou melhorando. Este banho me fez bem.
–Quê bom. Mas não há pressa. Descanse e alimente-se.
–Para mim, o importante é sair daqui.
–Obedeça nossa médica. Depois disso, veremos.
–De acordo. Tem lógica.
–Quê bom que entendeu. Depois de vestir-se coma e descanse. A doutora vai examiná-lo. Seja educado, se quer viver mais tempo. Ela só quer saber como tratar de sua saúde; já que é a primeira vez que vemos um ser como você e não queremos que morra tão cedo. Ainda queremos conversar mais com você.
Então, Zvar disse, por primeira vez em sua vida, uma outra palavra que nunca constou do seu vocabulário:
–Obrigado.
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Continua em: OS CENTAUROIDES
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O conto O DECIMO TERCEIRO CONSELHEIRO - forma parte integrante da saga inédita Mundos Paralelos ® – Fase I - Volume II, Capítulo 15; Páginas 83 a 89; e cujo inicio pode ser encontrado no Blog Sarracênico - Ficção Científica e Relacionados:
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O volume 1 da saga pode ser comprado em:
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