NO ACONCHEGO DA CIDADELA

24 de junho de 2020 (200624).

–Estamos em impulso máximo. Chegaremos a Rhea em quatro horas – disse Alan, enquanto conduzia Aldo, já limpo e barbeado ao seu alojamento privativo.

–Afinal, esta nave é venusina ou xawarek?

–As duas coisas, Aldo. Entre, vou lhe apresentar minha esposa Iara.

–Casou de novo? – Aldo sorriu por primeira vez – e a tigresa?

–Diga-me você.

–Eles ainda não voltaram, mas Valerión acha que não demoram.

No alojamento privativo; Iara, Lin e Antar os esperavam:

–Sea bienvenido capitán Aldo. Mandé hacer una comida terrestre en su homenaje. Alan Claude siempre habla de usted. – disse Iara.

–Espero que ele fale bem de mim, senhora – respondeu Aldo em português.

–Senhora me envelhece, capitão. Sou Iara.

–Sente-se Aldo – disse Alan em raniano – e vamos falar uma língua que todos entendem. Antar e sua esposa são boralianos... Venusinos. Vai querer cerveja terrestre, vinho de Auxor ou vinho de Greena? Os vinhos são venusinos.

–Vinho. Qualquer um. Estou precisando.

Alan serviu vinho de Auxor nas taças de cristal venusino.

–Aos camaradas ausentes – disse Aldo, levantando sua taça.

Duas horas e duas garrafas depois; um ano de aventuras desde que Alan partira de Rhea tinham passado de boca para ouvido.

–É sua vez de contar, Aldo. Pelo jeito a nave Sem Nome ainda não está pronta.

–Está, sim. Carregada, abastecida, armada e pintada; pronta para uma jornada de pelo menos cinco anos, mas não tenho suficiente tripulação qualificada.

–Foi por isso que você, Leif e Lúcio fizeram essa loucura suicida?

–Uma loucura suicida era a coisa mais lógica a fazer. O vice-almirante Pires nos avisou há dois meses. Por falar nisso, sua chegada foi espetacular, Alan.

–A cavalaria sempre chega no último momento, Aldo. A propósito; como está a Cidadela? Como estão Inge e as crianças?

–Inge ficou chorando e as crianças na escolinha do palácio. O Imperador fez questão de se encarregar pessoalmente da educação de todos meus filhos desde o ano passado para que sejam príncipes. Quer que Alvin seja seu príncipe herdeiro.

–Imperador Al-Vim, o Impiedoso – disse Alan, sardônico.

–Tao tem mais de cento e quarenta anos e apesar de sempre se queixar da velhice, vai viver para ver Alvin casado com sua tataraneta. Por falar nisso, Alana é uma graça, já tem três anos. Você deverá levar um presente para sua afiliada, Alan!

–Você tem uma afiliada princesa? – admirou-se Iara.

–Herdeira do trono, futura Imperatriz do Sistema Solar – interveio Aldo – Alan também é almirante em Taônia e Supremo Patrono da Frota Espacial.

–Então eu, como sua esposa, pertenço à alta sociedade local?

–Você seria uma bela dondoca taoniana – disse Alan sardônico.

–Temos um problema – disse Iara preocupada – você já era casado lá, e sua outra mulher pode voltar de Sírio em qualquer momento... Não?

–Posso ter duas esposas. Em Taônia é costume, como em Vênus, Hiperbórea e Japeto... Já em Antártica a história é outra...

Aldo suspirou, serviu mais vinho e disse:

–Quer dizer que Iara já sabe de Tikal Henna?

–Faz tempo, capitão – disse ela – e não me importa. Minha apreensão é que ela não me aceite. Alan disse que ela é uma guerreira grande, forte e poderosa...

–Uma tigresa assustadora com a meiguice de uma criança – disse Aldo –

minha esposa a adora, são grandes amigas desde que Alan a apresentou no promenade.

–E o que vai dizer sua esposa quando me veja no lugar da outra?

–Inge entenderá e gostará de você como gosta de Tikal Henna – disse Aldo levantando o copo – conheço minha esposa. Vou beber a isso.

–Quantas esposas o senhor, tem, capitão? – perguntou Lin.

–Uma é suficiente para mim – disse Aldo rindo – E em Boral?

–Alan foi dado como morto e Antar desaparecido na rebelião – disse Lin – Iara tornou-se a primeira e única amiga que tive na vida. Antar voltou e pedi a ele que a tomasse como segunda esposa, porque eu a amo.

–Mas voltei para dizer que o comandante estava vivo – interveio Antar.

–Os boralianos são um povo amoroso e pacífico – disse Alan – ainda não sei como consegui transformá-los em guerreiros e fazer uma rebelião planetária.

–A Lei de Proteção de Família de Asdruth disse que duas mulheres casadas que se amam e seus maridos são uma família forte quando as sementes deles se tornam uma no ventre delas – disse Lin – se um deles morrer o outro tem obrigação de ficar com as duas e protegê-las; ou se uma morrer a outra se torna esposa dos dois.

–Fascinante – disse Aldo – então vocês quatro são casados entre si?

–Ainda não fizemos o ritual – disse Lin, pegando a mão de Iara – apesar de que a rebelião deixou muitas viúvas... Ainda bem que não fomos nós, Iara querida.

–Estivemos perto disso – disse Iara beijando a mão da jovem boraliana.

–Muitos guerreiros morreram ontem, ao que me consta – disse Antar.

–Dreisen tinha esposa nativa nas Terras Frias – murmurou Aldo.

–Ele era seu tripulante, seu amigo – disse Lin – o senhor deverá casar com ela.

–Não sei como encará-la. Dreisen era voluntário na missão. E eu devia...

–Devia o quê, Aldo? Deixar a Inge viúva? – disse Alan, servindo vinho – pare de se lamentar; ele sabia, todos sabemos que aqui fora é perigoso e você melhor do que ninguém. Lembre do que você disse antes da batalha de Japeto em 2015: “Se não gostamos de um pouco de sangue, devemos ficar em casa embaixo da cama”.

–Tem razão. Preciso falar com aquela menina...

–As mulheres das Terras Frias são fortes. Será honrada quando se saiba que ele morreu para salvar todos estes mundos – disse Alan – terá muitos pretendentes.

–E eu não precisarei casar com ela, é isso? – disse Aldo voltando a sorrir.

–Não, mas se Boris ou Valerión morressem, você poderia casar com Regina ou Nebenka. Falando nisso... Como está o velho Valerión? Eu trouxe a encomenda dele.

–Mandei prendê-lo numa cela com Boris, Konstantin, Henschel e von Kruger para que não viessem. Esta era uma missão suicida com demasiados voluntários e tive que deixar alguns, menos o Mudo, que ameaçou se matar se o deixasse para trás.

–Você deixou seus camaradas para trás numa batalha? Então terá problemas em casa quando chegarmos, Aldo. Tem certeza que não quer ir comigo para Sírio?...

–Huáscar para Alan!

–Prossiga.

–Rhea saúda e informa que a doca orbital aguarda.

–Entendido. Alan desliga.

–Então eles já sabem que...

–Que salvamos a Terra, Aldo – completou Alan – Vamos ficar alguns dias nas luas, quero que Huáscar e os boralianos conheçam tudo antes de partir para Sírio.

*******.

No aconchego da Cidadela.

A possante Amarna ancorou na doca orbital já ocupada por uma plêiade de naves e a oficialidade desceu nas naves de cabotagem para conhecer a Cidadela.

Terrestres, marcianos, hiperbóreos, taonianos e xawareks, esperavam pelos sobreviventes da Hércules no promenade enfeitado e preparado às pressas para a festa.

Como uma rainha, a Reverenda Sacerdotisa Ingeborg tentava não perder sua compostura, esperando seu marido e os visitantes, de pé na frente dos elevadores.

Aldo saiu do primeiro elevador, seguido de Alan, Huáscar, Kufu, Antar, Lilla Henna, Iara e Lin, que trazia um presente para Inge; uma garrafa de vinho de Auxor.

Depois do protocolo, apresentações, abraços, lágrimas e beijos; Inge conduziu a multidão ao bar panorâmico, onde havia uma longa mesa com iguarias taonianas e xawareks.

Boris, Regina e Valerión sentaram-se junto de Aldo.

–Não estão ressentidos comigo? – disse Aldo.

–Um pouco – disse Boris – o que interessa e que vocês tiveram êxito.

–Não o teria se tivesse que me preocupar com vocês. Teríamos morrido todos.

–Talvez não teriam perdido a Hércules – disse Valerión – muitas cabeças...

–Desculpe Valerión, mas perder sua cabeça é um luxo que não me permito, nem Boris nem Henschel, nem Konstantin, nem von Kruger. As coisas se complicaram e eu não precisava de cérebros, precisava de guerreiros.

–Mas Dreisen...

–Dreisen conhecia a Hércules como ninguém e a fez render ao máximo. Ao final morreu com ela. Deixei Henschel para trás, porque seu conhecimento da nave Sem Nome é quase igual ao de Zyphran. Deixei Boris porque se eu morresse, ele e Regina cuidariam de Inge, da Cidadela e da nave Sem Nome. Deixei Konstantin porque seu conhecimento de navegação estelar aprendido com os tigres é essencial. Deixei von Kruger porque ele é um cientista do seu nível, Valerión. Se eu perdesse qualquer um de vocês, que antes de tudo são meus melhores amigos, seria melhor ter deixado os aliens tomar a Terra, porque já nada mais me importaria.

Aldo lutava para não perder a compostura. Seus amigos nunca o tinham visto assim desde o sequestro de Inge. Regina abraçou-o com ternura e o beijou no rosto, sussurrando-lhe:

–Agora não é momento e lugar para isso, querido. Todos estão felizes e há convidados de fora. Vem comigo para baixo. Inge pode comandar a festa.

–Sim – disse ele, levantando-se devagar.

–Aldo e eu vamos um minuto lá embaixo, amigos – disse a psicóloga.

*******.

–Não entendo a língua deles – disse Lin – mas o capitão Aldo parece que não se recuperou da batalha. Está bem abatido.

–Ele perdeu muitos amigos – disse Iara.

–Essa senhora loira e linda de cabelo curto é muito carinhosa com ele.

–Regina, esposa de Boris – disse Alan – sua melhor amiga e conselheira.

–Então ele vai se recuperar – concluiu a jovem – Ela parece muito amorosa.

–Na Cidadela todos se amam, Lin. Não à maneira de Greena, mas isso também é algo que eu gosto daqui. Estou em casa... E é muito bom.

–Por falar em casa – disse Iara – quando vou conhecer seu apartamento?

–Espere a festa terminar, querida.

*******.

O capitão Huáscar e sua oficialidade em pleno ficaram encantados de conhecer os lendários guerreiros Amarna de Japeto.

Como era o costume xawarek, havia que contar uma história; e os mestres de clã de Japeto pediram ao capitão Huáscar que a contasse. Ele ficou de pé e fez uma respeitosa reverência para Inge:

–Peço permissão à Reverenda Mãe deste Clã para contar feitos gloriosos.

–Sua nobre presença honra esta casa, capitão Huáscar – disse Inge, conforme o protocolo – seus feitos gloriosos vão nos honrar ainda mais.

Huáscar fez outra reverência e um sinal a Lilla Henna, que ligou um aparelho do seu cinto de utilidades. No meio do promenade apareceu um enorme holograma da base de Zhoro, com a Amarna na pista e os tigres caminhando ao lado.

"–Era um amanhecer como outro qualquer no planeta das nuvens. Os oficiais e eu fomos à praça de armas. Os soldados de Xawarek Amaru torturavam um prisioneiro humano coberto por uma esfarrapada túnica azul com dizeres do hospital de Walhall. O prisioneiro viu minha esposa, a imediata Lilla Henna, caminhando ao meu lado e de repente gritou..."

(***)

Enlace com o conto: VINGANÇA!:

"–Henna! – gritou – Henna querida! Eu estou aqui!"

"-Tikal Henna de Xel Amarna! Sou Alan, não me reconheces?"

"–Não sei quem é você, humano! Nunca o vi antes! – disse ela, com uma bela voz de contralto – Como fala minha língua?... E meu nome não é Tikal!..."

"–Eu sou Lilla Henna, Baharnum de Amaru Xel, humano. Nunca ouvi falar

de Xel Amarna. Acho que esse lugar não existe."

(***).

*******.

O conto NO ACONCHEGO DA CIDADELA - forma parte integrante da

saga inédita Mundos Paralelos ® – Fase II - Volume IV, Capítulo 34; Páginas 129 a 135 e cujo inicio pode ser encontrado no Blog Sarracênico - Ficção Científica e Relacionados:

sarracena.blogspot.com

O volume 1 da saga pode ser comprado em:

clubedeautores.com.br/book/127206--Mundos_Paralelos_volume_1

Gabriel Solís
Enviado por Gabriel Solís em 23/11/2016
Código do texto: T5832243
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