A PRIMEIRA BATALHA DA HÉRCULES
20 de janeiro de 2014 (140120.1) – Na Jornada para Júpiter
Ao atravessar a primeira zona exterior de asteroides, não por isso menos perigosa, o professor, cujo olho vasculhava o infinito através da lente do telescópio; lançou uma das suas típicas exclamações:
–Ach! O quê vejo? Mein Gott!
Enquanto regulava o foco para melhorar a visão, apertou o botão de alarme geral, provocando rebuliço na nave.
O capitão, que ditava o diário de bordo no seu camarote, interrompeu o trabalho, fechou o terminal, vestiu a armadura e saiu ao corredor.
Na ponte, os homens estavam nos seus postos.
–Quê acontece aqui? – perguntou a ninguém em particular.
–Von Kruger tocou o alarme – respondeu Boris – Viu algo grande no telescópio... Aí chega a imagem.
Na tela apareceu o que o professor transmitia desde o camarote-laboratório, ao tempo que a voz dele fazia-se ouvir nos fones de todos:
–Achtung, Herr Kapitan! Vê o que eu vejo?
–Não vejo nada, professor.
–Aguarde um segundo, vou ampliar a imagem. Veja agora!
Um ponto brilhante aumentava de tamanho por momentos.
–Estou vendo, von Kruger. O quê é isso?
–Não tenho certeza, Herr Kapitan. Está em rota de colisão, e se o computador está correto; por quê malditos demônios o radar não disparou o alarme geral antes que eu o fizesse, nos 49 segundos que se passaram desde que calculei a coisa?
–Aguarde, professor. Boris! Quê diz o radar?
Boris colocou na tela os radares, vertical e horizontal.
–Não se vê nada, capitão.
–Será possível? Von Kruger! Dê-me coordenadas do telescópio!
–A 0.25 graus, marco 15 da proa de estibordo; setor 0.51 marco 1.360, na frente da estrela Zeta IV; Barnard Reticulan, Mein Kapitan!
–Onde detectamos aquela explosão, capitão – acrescentou Konstantin.
–Boris, radar direcional.
Em seguida apareceu um ponto aproximando-se, e o sensor transmitiu os dados para o sistema.
–Capitão para Lídia!
Lídia Maximova fechava o zíper da armadura, quando ouviu a voz do capitão.
–Prossiga.
–Doutora! Viu isso?
–Sim, capitão. Já estou informada.
–Os dados estão entrando no sistema. Pode analisar as termográficas?
–Ainda não entrou nada no meu terminal.
–Deixe o canal aberto. Capitão para Inge! Abra o canal de emergência.
–Canal aberto, Aldo – disse Inge abrindo a chave correspondente.
–Capitão para engenharia!
–Prossiga – respondeu o maquinista Basil Muslimov.
–Acumuladores ao máximo! Capitão para sala de torpedos de proa!
–Prossiga – respondeu o artilheiro Grubber.
–Carregar os tubos. Capitão para sala de circuitos!
–Prossiga.
–Desligar redes não essenciais, ligar rede de emergência e luz de combate.
–Afirmativo, senhor – respondeu o eletricista Cables Torres.
Apagaram-se as luzes, ficando só a luz vermelha nos corredores e camarotes.
–Lídia para capitão!
–Prossiga.
–É um objeto de quatrocentos por cem metros, metálico, há pontos de calor movendo-se dentro dele. Um corpo oco, dentro do qual há corpos sólidos quentes, que se movem livremente dentro dos seus limites. É uma nave tripulada.
–Ach! Mein Gott das Himmel! – uivou o professor excitado desde seu camarote – tem certeza?
–Tenho. Envio-lhe o material para seu terminal.
Em segundos, o acurado olho do sábio professor examinava as termográficas. Desde o alarme até esse momento passaram oito minutos e quarenta segundos.
–Por quê o radar não o captou, Boris?
–Eles podem neutralizá-lo, Aldo. Só aparecem no radar direcional. Não querem ser descobertos, vêm em rota de colisão, suponho que é uma nave hostil, que tentará colidir ou nos atacar de alguma forma.
–O quê sugere?
–Atirar, se não responderem – concluiu o segundo de bordo.
–Se não houver outra solução... – acrescentou von Kruger.
–É uma dura decisão, capitão – disse a doutora.
–Porém – interveio Inge – podem não ser hostis, talvez não nos viram pela velocidade que vamos e a distância que nos separa.
–Pode ser. Quanto falta para a colisão?
–No meu terminal, uma hora, vinte e três minutos, dezoito segundos e... Três décimas para o encontro, capitão – disse Konstantin.
–Capitão para Inge! Tenta comunicar com eles.
*******.
A batalha.
Inge desistiu após uma hora. A antena direcional focalizava-se na nave misteriosa que não respondia. Com o rosto molhado de transpiração, a jovem norueguesa tentara vários idiomas; inclusive os três dialetos marcianos que conhecia, sem resultado.
O capitão estava silencioso, o professor, nervoso, consultava o terminal
e a doutora observava a misteriosa nave na tela. Boris mandou esvaziar o ar em toda a nave, para evitar uma explosão num possível combate.
A tripulação em armadura respirava ar das mochilas. O suporte de vida e os sistemas não essenciais foram desligados. A luz vermelha dava aparência sinistra aos rostos através da viseira dos capacetes. Na ponte, só brilhavam os painéis e os astros no visor frontal. O capitão disse:
–Desista, Inge. Não querem responder.
–Não nos viram, não ouvem ou seu rádio é incompatível... – disse Inge com o visor do capacete embaçado pela transpiração.
–Devem ter visto a Hércules nesta distância – discordou o professor.
–Não imaginamos quê sistema de rádio eles possuem, professor – disse a doutora – mas sabemos que eles podem neutralizar nosso radar comum.
–Eles sabem o que é um radar – disse Boris.
–Então nos perceberam – afirmou von Kruger com toda lógica, e acrescentou:
–O que talvez eles não saibam, é que já os percebemos.
–Devem de saber – disse Inge – Conhecem o radar. Por lógica devem conhecer o rádio e devem ter ouvido minhas chamadas. Não entendo seu silêncio.
–São hostis – disse Boris – Estão vindo daquela explosão... Uma batalha?
–Pode ser – concordou a doutora.
O capitão deu outra olhada na tela.
A nave ampliada pelo telescópio deixava ver sua forma quase cilíndrica, meio achatada, sugerindo que seu fabricante fosse inspirado nas vimanas marcianas. Com duas nacelas à popa e oito motores. Sua aparência era assustadora. Segundo o professor, em questão de vinte minutos seria possível percebe-la a olho nu pelo visor da ponte.
Aldo desviou seu olhar para Inge com o rosto oculto pelo visor embaçado.
–Estás esgotada; vá descansar, querida. Báez ficará no radio. Tens um minuto para secar o capacete, logo voltaremos a fazer o vácuo.
A jovem levantou-se e foi ao seu camarote. Acendeu-se a luz verde e ela tirou o capacete. Com uma toalha secou rosto e pescoço, depois secou o visor por dentro.
Em um minuto, piscou a luz amarela. Inge colocou o capacete a tempo de acender-se a luz vermelha que indicava o desligamento do suporte de vida. Fez-se o vácuo. Nos fones ouvia vozes e respirações dos camaradas. Estendeu-se no beliche e fechou os olhos cansados, enquanto escutava a voz do capitão:
–Ponte para pilotos; abordem seus aviões!
–Sim senhor!
–Ponte para sala de torpedos de popa!
–Prossiga capitão!
–Carregar os tubos!
–Tubos carregados; senhor!
–Ponte para engenharia! Acumuladores ao máximo!
*******.
Pareceu-lhe ter dormido uma noite inteira, quando a nave tremeu e a fez voar do beliche. Bateu na parede e rebateu no lado oposto. Ao querer agarrar-se do corrimão, outra sacudida jogou-a no teto e logo caiu lentamente ao chão, enquanto ouvia nos fones uma descarga que torturava seus ouvidos costumados às interferências do rádio.
Aturdida pelo violento despertar, demorou em entender que a descarga era produzida pelo escudo; mudando seu código de freqüência milhares de vezes por segundo para não ser vazado pelo inimigo.
Endireitou-se como pôde e abriu a porta, com o barulho torturando seus ouvidos. No corredor, outra sacudida jogou-a na parede.
Seu braço direito bateu contra um extintor de incêndio, arrancando-lhe um grito. Ao endireitar-se, notou o braço paralisado. Viu que era uma fratura. Com o outro braço, segurou-se do corrimão e tentou arrastar-se até a sala de rádio. A descarga no fone quase lhe rompia os tímpanos, mas percebeu vozes humanas.
Seu ouvido, habituado a escutar comunicados em condições adversas, interpretava palavras no meio do barulho. Reconheceu a voz do capitão que ordenava:
–Fogo o três e o quatro! Carreguem o um e o dois!
Instintivamente encolheu-se no chão do corredor ignorando a dor. Sabia o que estava para acontecer.
O violento retrocesso dos dois torpedos não alterou sequer, os rostos dos ocupantes da ponte, solidamente amarrados nas poltronas, ao igual que os tripulantes nas outras dependências. Nas salas de torpedos, os artilheiros estavam de pé, presos a arneses de proteção que lhes permitiam mover-se com soltura e manipular os perigosos torpedos nucleares.
Todos; menos Inge; sem proteção, com o braço paralisado e o rosto decomposto pela dor e a tortura dos ouvidos.
Sem vontade de mover-se, estava no chão do corredor em incômoda postura. De novo embaçou-se o seu visor e seu corpo tremeu dentro do traje. Ouvia, entre sonhos, a voz do capitão, dirigindo o ataque combinado dos caças CH-2:
–Jacques, Ives, por estibordo! Adolphe, Tom, por bombordo! Kowalsky, por cima 175, marco menos 15! Não parem de atirar! Fogo com tudo!
*******.
Poderia chamá-lo no seu socorro, mas, alguns minutos de sofrimento não são nada. Não distrairia o capitão no meio de uma batalha. Por sua causa não morreriam seus camaradas. Ela era uma Reverenda Sacerdotisa Odínica norueguesa, uma Viking!...
Suportou a dor de olhos fechados mordendo os lábios até fazê-los sangrar; estendida no chão sobre a mochila metálica. De repente não sentiu mais a dor nas costas. Sentiu-se flutuar, a gravitação fora desligada e seus olhos encheram-se de lágrimas, pensou chegada a hora de partir para o Walhalla, e lamentou não ter uma arma na mão, como uma guerreira, para ser recebida com honra pelos Deuses, mas não seria agora que iria para Asgard. De repente ouviu a voz de Boris:
–Aldo! Descobrimos a seqüência do escudo deles!
–Transmita-a para o banco Phaser e para os defletores dos aviões!
Em segundos veio a resposta dos aviões de caça:
–Nossos disparos estão entrando, capitão – disse Kowalsky – o escudo cedeu!
–Continuem atirando! – disse Aldo e ordenou à sala de torpedos de proa:
–Fogo o um e o três! Carreguem o dois e o quatro! Engenharia, impulso nove!
–O quê acontece? – perguntava-se, ouvindo sem participar dos acontecimentos como sempre fizera.
A dor aumentava sua ansiedade. Ela confiava em Aldo; vira-o superar muitos perigos, mas este era insólito. Teria hoje a incrível sorte que sempre lhe acompanhara?
Seria este o fim das suas aventuras?
Com o Sagrado Nome de Odín Wothan, do seu Filho Thor e dos Grandes Avatares no pensamento; a jovem perdeu o conhecimento por vontade misericordiosa dos deuses; que não deixariam que sua devota filha sofresse acordada; enquanto a encarniçada batalha continuava.
*******.
Alguns disparos atingiram e ricochetearam no escudo da Hércules. A nave rival era feita para batalhas a longa distância. Os caças, como vespas, acertavam nas torres e esquivavam rajadas que teriam volatilizado à Hércules se não fosse pelo escudo.
Quem sabe de quê material essa nave estaria construída para que torpedos e canhões capazes de vaporizar cidades, apenas abrissem buracos na estrutura agora desprotegida. O decodificador mudava o código do escudo milhares de vezes por segundo, mas os disparos atravessavam seu próprio escudo para sair, deixando penetrar frações de ondas, que o sistema de defesa da nave terrestre decodificara, programando seu próprio plano de ataque e o dos aviões de caça.
Agora os disparos atingiam o alvo. O combate realizava-se a formidável distância e ambos viam os torpedos aproximar-se. Os caças atacavam a curta distância dando um show aparte.
O inimigo gastou os torpedos que se perderam ou foram destruídos; e ficou indefeso para a luta à distância, acossado pelos caças que danificaram antenas, torres e canhões.
Aldo aproximou-se, reduzindo a possibilidade de errar. Um torpedo destruiu metade dos canhões de um lado e paralisou o resto. O inimigo, acuado e já quase sem defesa, virou em redondo, batendo-se em retirada, perseguido de perto pelos caças.
–Engenharia, a toda máquina! – ordenou Aldo – Weiss, a persegui-los!
–Sim senhor!
Boris não estava de acordo e expôs suas objeções:
–Pode ser uma cilada, Aldo.
–Talvez, mas temos que pegá-los antes que se reorganizem.
Notaram que apenas dois motores de impulso da nave inimiga funcionavam.
–Veja, capitão! – gritou o piloto Rojo Weiss – já são nossos!
–Sala de torpedos, carregar o número um com sinalizador e disparar.
O torpedo deixou uma cauda luminosa de partículas, paralela à nave inimiga, explodindo a uns poucos milhares de kms à frente, desintegrando toda matéria em quinze kms.
Logo, a enorme nave acionou os freios e disparou salvas em rendição.
–Feito! – gritaram os tripulantes da Hércules em coro.
–Weiss, chegue perto e dispare cabos de fixação. Tente comunicar agora, Inge!
O silêncio foi a resposta.
–Inge, responde! – gritou o capitão pelo rádio do capacete.
Silêncio.
–Boris, a ponte é sua – disse Aldo desamarrando-se da poltrona.
O capitão saiu ao corredor. Ali, flutuando no vácuo, estava o corpo da garota.
–Inge! O quê aconteceu?
O visor estava embaçado e não se podia observar o rosto da jovem, mas o indicador da mochila registrava as batidas do coração e a respiração.
–Aldo para von Kruger! Venha imediatamente ao corredor!
Em segundos, apresentou-se o professor.
–Ach! – gritou – O quê aconteceu com a pequena Fraulein?
–Não sei. Ocupe-se dela, leve-a para a enfermaria e atenda-a!
Von Kruger retirou-se flutuando e puxando a moça na imponderabilidade.
–Báez, assuma as comunicações, contate o inimigo, veja se está transmitindo.
–Sim senhor – disse Báez, introduzindo-se na saleta de rádio.
–Capitão! – disse o piloto Weiss – Abriu-se uma escotilha na nave inimiga!
O capitão flutuou até seu posto e apertou o botão de ordens.
–Hércules para caças! Vigiem o lado de bombordo da nave inimiga. Segundo artilheiro; reúna os servidores do canhão de estibordo e prepare-o!
–Sim, senhor!
–Segundo contramestre!
–À ordem, capitão! – respondeu Carlos Bachín.
–Forme um pelotão armado e me espere na eclusa de saída. Lídia! Fique alerta no sensor, podem querer explodir e nos levar junto.
–Já fiz isso, capitão. Não há perigo, os motores deles estão desligados e não há atividade magnética nem nuclear a bordo, só elétrica.
Em seguida, Aldo entrou no quarto de rádio.
–Alguma coisa, Báez?
–O idioma parece marciano. Não sou fluente, capitão. Ouça o senhor mesmo.
Este ouviu palavras que não eram de todo desconhecidas, e disse:
–É marciano antigo como o da caverna de Angopak – disse Aldo – Chame a Regina para lhe acompanhar no rádio, Báez. Eu vou à ponte, passe a comunicação ao meu painel.
–Sim senhor.
Aldo sentou-se na poltrona de comando, desde onde se podia ver a escotilha aberta da nave aparentemente derrotada, porém ninguém aparecera.
*******.
Continua em: O INIMIGO DO MEU INIMIGO...
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O conto A PRIMEIRA BATALHA DA HÉRCULES - forma parte integrante
da saga inédita Mundos Paralelos ® – Fase I - Volume II, Capítulo 10;
Páginas 12 a 16 e cujo inicio pode ser encontrado no Blog Sarracênico -
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