O INIMIGO DO MEU INIMIGO...

Contacto!

Loira de cabelo curto como de rapaz, Regina tinha porte de modelo.

Seus olhos azuis brilhavam como supernovas iluminando seu perfeito sorriso. Nem sequer a pouco estética armadura espacial conseguia ocultar sua delgada, embora perfeita forma. O vitroplast grudava-se ao seu corpo e através do visor seus olhos iluminavam tudo.

Esposa do imediato russo-brasileiro Boris; o capitão apreciava-a demais. Aos 24 anos era psicóloga e perita em linguística, dominava; graças à máquina de táquions;vários idiomas terrestres; além do italiano, sua língua materna; e todos os cinco dialetos de Marte. Aldo dominava a língua, mas preferia ter sua conselheira perto.

Eles se conheciam desde os quinze anos. Havia um amor fraternal muito forte que os unia, um amor singular.

Regina entrou na saleta de rádio:

–Suponho que terá gravado a transmissão deles.

–Afirmativo. Transmitem dez segundos e param. Sempre as mesmas palavras.

–Ligue-o ao meu capacete. Dê-me um canal, no caso de responder.

De repente Regina ficou tensa:

–Atenção!

–Escutas alguma coisa? – disse Aldo desde a ponte.

–Sim. Espera um pouco.

Em seguida ouviu-se a voz de um tripulante da nave vencida:

–Panspoka! Ist vimana Analgopakin, a na fir ert spoka!

–Responde, Regina!

–Quê lhes digo?

–Aceita o parlamento.

–Certo – disse Regina, transmitindo imediatamente:

–...Panspoka, Analgopakin, An Caesar spoka uts ert spoka. Ist vimana Hércules, An dess gopak hars. – (Atenção Analgopakin, nosso capitão aceita parlamentar. Esta é a nave Hércules, dos planetas interiores.).

A resposta não se fez esperar.

–O quê eles dizem? – disse Aldo, nervoso, de ouvido saturado – Não entendi.

–Ah...! Algo como: ouvimos-lhe, Hércules, nosso capitão irá ao seu bordo imediatamente – traduziu Regina.

–Responde que irei eu mesmo.

–Bem, embora me parece perigoso.

–Perigoso seria deixá-los entrar aqui com vírus, parasitas ou coisa pior, lembra do que aconteceu com a nossa fábrica de combustível em Marte.

–Tens razão, como sempre – concordou ela, ligando de novo o rádio:

–Bem: Panspoka, Panspoka, vimana Analgopakin...!

A voz de Regina escutava-se a bordo da nave derrotada, a Analgopakin.

E a resposta deles veio em seguida:

–Virt n'rert, vimana Hércules, ur is hopn test.

–Isso temo – disse Regina – Ouviste, Aldo, nos esperam. O quê farás agora?

–Irei, claro.

–Sozinho não; espero. Não estamos num seriado de TV.

–Um pelotão armado de abordagem espera-me na eclusa.

–Sorte, querido. Vou monitorá-los pelas câmeras dos trajes.

–Faz isso – disse Aldo. E dirigindo-se aos seus homens:

–Preparados para abordar!

Dez figuras saíram com impulsores. Antes, Aldo perguntou por Inge.

–Inconsciente, mas não é grave. Uma fratura no braço direito. Nada posso fazer até que haja ar. Aí tirarei sua roupa e verei se não tem outra coisa.

O comando de abordagem impulsionou-se até a escotilha e entraram. A porta fechou-se detrás deles. Na eclusa havia instruções em gopaki que eles entenderam.

Quando a pressão estabilizou-se, Aldo abriu a porta interior.

–Benítez, Chekov, fiquem aqui. Os outros, comigo.

Os antárticos passaram a um corredor iluminado com a mesma luz mortiça da entrada, uma quinta parte da luz terrestre. Os instrumentos indicaram quinze graus e pressão de quatro mil metros na Terra.

Um tripulante de aparência marcianoide com armadura completa esperava-os. Com um gesto pediu ser seguido pelo corredor com sinais de batalha.

Equipes de manutenção iam e vinham com ferramentas. No fim do corredor abriu-se uma porta corrediça e apareceu um ser vestido de armadura. Através do visor brilhavam olhos negros e penetrantes, como dos marcianos. Com um gesto, o ser que parecia o capitão, indicou o seu capacete. Aldo ligou seu microfone exterior e esperou. O capitão inimigo imitou-lhe, e disse em gopaki:

–Meu nome é Nahuátl Ang e comando a Analgopakin.

–Meu nome é Aldo e comando a Hércules.

–Solicito, senhor, que tenha clemência com meus tripulantes feridos.

Aldo virou-se para seu contramestre e disse em espanhol:

–Traga à doutora Lídia com equipamento médico marciano e ajudantes – e depois em gopaki:

–A ajuda está a caminho.

–Agradeço-lhe.

–Quero os dados de sua nave, capitão Nahuátl. Quantos tripulantes há?

–Eram 1600 tripulantes e 250 robôs. Há 44 mortos, 95 feridos e 83 robôs inteiros. Há 12 canhões funcionando e restaram 40 cargas. Há dois tubos de torpedos, mas só um míssil. O banco phaser está exaurido. Dois motores operantes, uma bobina de dobra inutilizada. O plasma perdeu-se todo no espaço.

–Harro test ut Vimana, Caesar Nahuátl – disse Aldo no melodioso idioma.

(Mostre-me sua nave, capitão Nahuátl).

–Siga-me, capitão – disse Nahuátl, levantando-se e indicando um elevador.

A gravitação artificial era 0,4.

Na ponte com teto transparente enxergava-se a Hércules ancorada a cem metros; de onde se aproximava com impulsores o grupo da doutora Lídia. Havia uma tela circular de dois metros. À proa, bombordo e estibordo, em três painéis, sete tripulantes estavam a postos.

No centro, uma poltrona giratória vazia indicava o posto de comando.

Aldo perguntou:

–Os motores podem ser consertados?

–Terei que consultar o engenheiro. É um dos feridos.

–Vamos vê-lo.

–Siga-me – disse Nahuátl dirigindo-se ao elevador.

–Simon e De Leon, fiquem aqui – disse Aldo.

Desceram dois níveis e atravessaram corredores agitados por onde equipes de reparos soldavam, martelavam e levavam o entulho para reciclagem. Outras equipes retiravam os corpos dos mortos colocado-os em veículos flutuantes com destino ao incinerador. Aldo deslumbrou-se; intimamente satisfeito por conseguir tamanha vitória na sua primeira batalha.

Na enfermaria os feridos estavam sem armaduras.

Aldo e seus homens viram que eram seres iguais aos marcianos, porém de estatura igual aos terrestres. O capitão Nahuátl aproximou-se de um ferido com o tórax enfaixado:

–Tarn, estes seres querem fazer algumas perguntas.

–Perdemos, capitão...? – Os olhos do engenheiro alienígena escureceram-se e pareceram ficar ainda mais escuros, na penumbra reinante.

–Diga o que souber sobre o estado do impulso. Pode ser consertado?

Tarn olhou primeiro os terrestres e depois o seu comandante:

–Dois motores funcionam, mas precisam encanamentos e válvulas. Outro não tem energia, deve ser pouca coisa... O pessoal está trabalhando nisso. O reator de dobra está sem núcleo, que foi ejetado. Não há como consertar a não ser na base.

Os capitães entreolharam-se. Nesse instante entrou a doutora Lídia à frente do seu grupo para socorrer os feridos e se fez cargo da situação. Depois, os capitães se dirigiram para a ponte, com suas respectivas escoltas.

*******.

O inimigo do meu inimigo...

–Não quero ser seu inimigo – disse Aldo – As mortes são irreparáveis, como os erros que cometemos. Não é possível corrigir o que está feito, mas espero consertar esta situação e ver se podemos conviver em paz.

Os olhos de Nahuátl brilharam através do visor como brasas, ao encarar o rosto do terrestre. Sua voz saiu rouca e triste ao constatar:

–O senhor comanda agora, capitão Aldo.

–Sua nave me pertence como espólio, mas não posso ficar aqui mais tempo e não sei o que fazer com você. Há uma coisa que não perguntamos, nem você nem eu: por quê devemos ser inimigos se você não sabe de onde eu venho, e eu não sei de onde você vem? Antes do nosso... Digamos... Lamentável encontro, eu estava numa missão importante e você me interceptou, capitão Nahuátl.

–Foi um erro, capitão. Confundi-lhe com remanescentes dos meus inimigos, que derrotei quando chegava no sistema. Pensei que vocês eram Kholems, que usam naves de diferentes feitios. São umas pragas, embora fáceis de derrotar. Tenho alguns deles prisioneiros e duas naves intactas, destruí milhões deles num autoplaneta grande como uma lua, que estava prestes a entrar no sistema.

–Vimos essa explosão. Pode me mostrar essas naves e esses... Kholems?

Desceram vários níveis até o porão de carga, onde havia dois discoides de trinta metros, com sinais de batalha; sem dúvida pertencentes aos Alfas Cinzentos.

–Funcionam? – perguntou Aldo, recuperando-se da surpresa.

–Fora alguns danos superficiais, sim.

As masmorras estavam á popa.

Um guarda conduziu-os ao calabouço. Atrás de uma parede transparente havia quinze seres de aparência inconfundível. De corpo pequeno e grande cabeça; sentados no chão; estendiam as mãos finas aos recém chegados, pedindo clemência. Com as faces tristes de grandes olhos negros pareciam crianças abandonadas. As pequenas bocas sem dentes abriam-se em lamentos ininteligíveis. Aldo não pode se conter ao vê-los:

–Aldo para Regina! Estás gravando?

–Estou, querido. São umas gracinhas...

–Gracinhas? Por favor, Regina! Por favor!

–Como? – Nahuátl não entendeu o diálogo em espanhol.

–Eles assolam meu planeta. Não se deixe enganar pela sua aparência frágil.

–Não são tão perigosos, apesar de serem perversos e ardilosos. Eu os derrotei facilmente. Agem nos planetas habitados, infestam todo este setor em mais de...

–Parecem uns coitados, mas vão tomar esta nave e matar todos vocês.

–Deram trabalho, em efeito. Prendi-os na segurança porque feriram dois tripulantes tentando escapar e não quero mais rebeliões. O quê sugere?

–Se fosse você, os matava um a um, bem devagar, com bastante sofrimento.

–O inimigo do meu inimigo é meu amigo, capitão Aldo. Já os enfrentou?

–Dominam a Terra, controlam um grupo de traidores da minha espécie.

–Terra? Nunca ouvi falar.

–A Terra é o terceiro planeta deste sistema. Onde nasci.

–Eu devia saber... Xarn! Você vem de Xarn! – Nahuátl pareceu iluminar-se através do visor – Desculpe não reconhecê-lo, capitão! Você deve ser de Atlântida...!

–Atlântida não existe mais.

Nahuátl ficou em silêncio. Aldo sentiu que o alien sabia mais deste setor, do que deixava transparecer. A doce voz de contralto de Regina sussurrou-lhe nos fones:

–Vá em frente, querido.

–Capitão Nahuátl, estes seres estão bem seguros aqui?

–Estão. Não têm como escapar do calabouço de segurança.

–Ótimo. Vou interrogá-los e quero suas naves.

–Como desejar.

–E há duas alternativas antes que lhe faça uma pergunta.

–Diga as alternativas.

–Uma: conserto sua nave e você vêm conosco. Duas: conserto sua nave, deixo um grupo de abordagem e parto. Meu grupo comanda sua nave à minha base no quarto planeta, onde meu pessoal ocupar-se-á dos Alfas Cinzentos...

–Alfas Cinzentos?

–Assim denominamos estes seres que você chama de Kholems.

–Ah...! Prossiga, por favor.

–Meu pessoal de Gopak, tomará conta dos prisioneiros e suas naves, que são muito interessantes. Queremos estudá-las, mas não tenho tempo, capitão Nahuátl.

–Por mim está bem. Você não tomará medidas punitivas contra nós?

–Claro que não. Você lutou bravamente. É um bom guerreiro. Aprecio isso. E é inimigo do meu inimigo, portanto, meu amigo. Você disse isso.

–Eu disse. E qual é sua pergunta...?

–De quê planeta é você?

*******.

Inge desejava abrir os olhos e mover os braços, mas não o conseguia apesar de sua força de vontade. Entre os difusos mundos da inconsciência, sentia seu corpo como aprisionado em areias movediças. Não sentia dor; só uma dormência em cada centímetro quadrado da pele. Tentou gritar, mas o som não saiu.

Desejava abrir os olhos. Acreditava estar sofrendo um horrível pesadelo e desejava despertar; mas como? Como despertar...? Sua mente, já consciente de estar sonhando, ordenava aos seus músculos mover-se e aos seus olhos abrir-se, e à sua boca e à sua garganta gritar:

–Quero acordar! Quero acordar!

Por quê então; seu corpo estava paralisado, e seus olhos e sua boca fechados?

Quanto lhe custava recuperar a consciência!

Esforçou-se quanto pôde, acreditou ter flexionado até o último músculo do seu corpo, até que por fim, abandonou-se ao destino, quando se acreditou no limiar da consciência total. Foi relaxando músculos e tendões; e então seus lindos olhos começaram abrir-se lentamente...

*******.

Continua em: DEPOIS DA BATALHA

*******.

O conto O INIMIGO DO MEU INIMIGO... - forma parte integrante da saga inédita Mundos Paralelos ® – Fase I - Volume II, Capítulo 10; Páginas 17 a 20, e cujo inicio pode ser encontrado no Blog Sarracênico - Ficção Científica e Relacionados:

sarracena.blogspot.com

O volume 1 da saga pode ser comprado em:

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Gabriel Solís
Enviado por Gabriel Solís em 15/11/2016
Código do texto: T5824151
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