A MALDIÇÃO DO OUTRO LADO DA VIDA – Capítulo 3
A mais lamentável verdade da vida é que não passamos de uma serpente que rasteja, rasteja, rasteja e no fim acaba mordendo a própria cauda. O caminho para a sabedoria não passa disso, uma jornada para encontrar consigo mesmo no final – quanto mais engolimos nossas caudas, isto é, quanto mais voltamos os olhos para nós mesmos, mais vemos que nossa realidade é mínima, somos faíscas no incêndio cósmico que é o universo. E reconhecer que somos insignificantes ante o incêndio nos faz deixar de lado a ânsia por querer ser importante, e isso abre portas que os egoístas sequer sabem que existem.
Pouco mais de um mês depois da morte do Sr. Scott eu retomei o trabalho. Além de meu companheiro de pesquisa, outras quatro pessoas sucumbiram enquanto eu estava ali. Tudo era muito sepulcral naquela região, o frio e a morte estava por toda parte, um medo inconsciente permeava a vida.
Minha primeira descoberta foi a respeito da Tumba da Vida, que recebera tal título de um grupo de fanáticos que adoravam a anormalidade que eu procurava. Eles criam que, caso morressem no interior da Tumba, ou seja, na convergência das realidades, ressuscitariam para viver eternamente. Tentei relacionar essa crença com alguma informação que eu tinha, nada consegui.
Àquela altura, eu já estava ciente de que a única coisa que eu podia fazer para ter dados conclusivos era ir pessoalmente até a convergência. O que me perturbava era a possibilidade de não resistir e terminar como o Sr. Scott ou seu bisavô. Eu tinha medo, e cada vez que pensava um pouco, o medo aumentava, o detalhe mais estranho de tudo era que eu nem sabia o que temia.
Sem coragem de adentrar o portal, encontrei-o e resolvi fazer alguns testes. Prendi objetos em cordas e lancei para o outro lado, trouxe de volta depois de dois minutos e observei as implicações da alteração de realidade. Nada visível acontecia. Continuei a fazer testes parecidos, medi temperatura, estabilidade e tantas outras coisas, mas nada me levava sequer um passo adiante.
Minha ganância levou-me a buscar tudo aquilo, buscar um conhecimento além do que estava preparado. Hoje percebo o quanto o ser humano é ignorante – estamos sempre tentando entender as coisas, tentando prever a natureza, medir o imensurável, mas tudo que é natural tende a ser incerto. Não podemos entender ou prever plenamente a natureza, ela é caótica e organizada, é escandalosa e elegante, é infinitamente mais complexa e bela do que a cabeça humana é capaz de processar.
Eu não podia entender o que havia do outro lado, coloquei isso na minha mente. Apesar de todo estudo, pesquisa e esforço, eu não chegaria a lugar algum. Convencido disso, resolvi entrar no portal, e mesmo que eu estivesse indo direto de encontro com a morte, morreria de certa forma satisfeito por ter extrapolado a realidade.
No dia escolhido, nada levei comigo. Fiquei quase duas horas refletindo comigo mesmo antes de entrar.
Houve cerca de um minuto de transição, um túnel escuro e frio que parecia se mover sozinho, e por fim, lá estava eu.
O que eu vi do outro lado não me deixou como o Sr. Scott ou seu bisavô, me deixou ainda pior: me deixou vivo.
Talvez eu estivesse apenas me olhando no espelho, alucinado, mas eu vi minha alma, minha consciência funcionando num turbilhão de raios pequeninos indo e vindo, bem ali, na minha frente. Naquele momento eu percebi que de fato não podia compreender aquilo, percebi que o corpo humano vive e entende uma realidade diferente da consciência, ou alma.
Senti-me realizado quando retornei. E essa foi a maldição que voltou comigo: eu jamais esqueceria o que tinha visto, talvez estivesse um mais preparado do que o Sr. Scott, por isso não entrei em colapso. No entanto, os anos foram se passando, e a cada pessoa que eu via na minha frente, eu lembrava que se tratava apenas de um corpo, vazio e inocente, controlado por um ser maravilhoso que vive noutro lugar; eu lembrava da minha alma, me olhando, deixando claro que eu era apenas um objeto, uma carcaça desprezível que em breve chegaria ao fim.
Hoje em dia eu não suporto mais olhar-me no espelho, não suporto mais ver outro ser humano. Não consigo mais dormir, pois quando fecho os olhos, vejo uma cena maluca de meu corpo se desintegrando, e vejo minha alma naquela realidade ascendendo para algo superior. O que ainda me intriga é a ideia de que eu e minha alma somos seres distintos, mas ao mesmo tempo somos um só. Nunca poderei esclarecer isso.
Tudo que posso fazer é dizer a você que lê história que você é muito maior do que consegue ver. Somos seres incríveis, não podemos chegar muito longe, não podemos entender muita coisa, mas nós podemos fazer da vida o que bem quisermos, estamos aqui para isso. Seja lá o que for que você pensar ou idealizar, acredite, pois nenhum pensamento que temos vem do nada, eles não nascem aleatoriamente, eles vêm de lá, do outro lado. E só acreditar não é o suficiente, mas concretizar, o que talvez gere um efeito colateral, como aconteceu comigo, porém, digo com toda felicidade e satisfação que as maldições acompanham a humanidade, e quando existe uma maldição, quer dizer que algo deu certo. Então, não há melhor motivo para felicitar-se do que a tristeza.
Concluo minha história dizendo que, apensar de ter transformado minha vida numa monotonia solitária, eu não mudaria sequer um segundo de tudo que vivi. Morrerei satisfeito por ter alcançado a tão bela maldição do outro lado da vida.
FIM.