SUA SUPREMA INTELIGENCIA
Titã, 01 de setembro de 2017.
Era uma tarde tão fria como outra qualquer em Taônia, quando Aldo, Valerión e Alan Claude desembarcaram no aeroporto.
Jacques Cartier ficou de prontidão a bordo da patrulheira. Aldo desconfiava de todos, desde que soubera que Suer Dut ainda estava foragido e agindo.
Atentados a bomba tinham ocorrido em diversos pontos do território, para confirmar que o rebelde Yord não se dava por vencido.
Sua cabeça estava a prêmio em Taônia e alhures, mas a cabeça de Aldo também fora colocada a prêmio pelo criminoso e mais de um aventureiro tentaria ganhá-lo. Aldo não se arriscaria gratuitamente. Ele e Valerión preferiram não trazer suas esposas porque Taônia era um incontrolável território urbano, perigoso demais para eles, com tudo o que estava acontecendo; diferente da aconchegante aldeia vurians nas Terras Frias, onde os terrestres eram venerados.
Um veículo oficial esperava por eles e em vinte minutos estavam no palácio imperial. A ocasião era festiva; Sua Suprema Inteligência estava feliz pelo nascimento de sua primeira tataraneta; Alana Rhamn-Ses, nas primeiras horas da manhã. A recém nascida assumia o quarto lugar na linha de sucessão ao trono.
Além de conhecer a princesa; os terrestres pretendiam entrevistar-se com o imperador para dar seu relatório sobre trabalhos sendo realizados no espaço, entre eles o início da primeira estação orbital totalmente taoniana.
Tao estava feliz, tudo ia como previsto. Os estaleiros ferviam de atividade com quatro naves da classe Wodan na linha de montagem e duas esquadrilhas acabadas de caças da classe Horten M-2020 na pista. Alan Claude Sarrazin era supervisor de treinamento dos pilotos taonianos em volta da estação orbital ainda em construção e seu relatório era positivo.
Valerión resolvera montar em Rhea uma filial da INDEVAL Motores, que
viera desmontada. Necessitaria ao menos dois mil funcionários treinados, para os que os xawareks prepararam alojamentos subterrâneos com todo o conforto que era necessário. Tao teve uma objeção a essa idéia:
–Você perde tempo e material alojando funcionários taonianos na sua lua.
–Precisam conforto, Alteza. Precisam comer, beber, respirar, dormir e...
–Não imagino como fazem as coisas em seu planeta, doutor – Interrompeu o imperador com um gesto – mas nos subúrbios de Taônia, servidos por linhas de trens, há descampados que podem ser aproveitados. E não seria preciso alojar funcionários que ao final do turno de trabalho voltariam para casa a jantar com suas famílias, sem despesas para a empresa... E respirando ar gratuito.
–Tem razão, Alteza – concordou Valerión.
Apesar da lógica da sugestão, Valerión pretendia levar adiante o projeto de construir em Rhea. Mas construiria uma fábrica gêmea em Taônia, para manter o imperador feliz.
Isto proporcionaria trabalho e treinamento para milhares de operários em Taônia e em Rhea.
Entretanto, o projeto Empreendimento NX prosseguia a passos agigantados. Os terrestres aprendiam as técnicas xawareks de construção das naves estelares. Embora fossem modelos fora de moda há mais de 11.000 anos; para os terrestres era o mais novo que jamais viram. Aldo e Valerión evitaram falar sobre os xawareks, mas Tao tocou no assunto:
–Você trouxe os xawareks à paz e harmonia do Império, capitão Al-Do?
–Do Império talvez não, Alteza, porque eles não querem mais saber dos taonianos. Mas à nossa paz e harmonia terrestres, parece que sim.
–Sabe por quê eles nos odeiam?
–Sabemos sim, Alteza. Porque vocês mataram seus emissários honrados que vieram de boa fé, em paz, há muito tempo.
–Isso foi nas épocas remotas do Nosso Glorioso Antepassado, o Terrível...
–Sei disso, Alteza – interrompeu Aldo, violando o protocolo – talvez porque sentiram medo da aparência desses seres. Foi um erro lamentável.
–Um erro que nunca mais se repetirá; se de Nós depender – afirmou Tao.
A visita prolongou-se por quatro dias; necessários para tratar dos assuntos e assinar os contratos de construção, além dos compromissos sociais; como apadrinhar a inocente Princesinha recém nascida e visitar indústrias.
Aldo e Valerión, por serem dois figurões, foram hospedados na ala de hóspedes do palácio, enquanto o coronel Alan Claude Sarrazin, apesar de ter aposentos reservados no palácio como Supremo Patrono do incipiente corpo de astronautas taonianos e padrinho de Alana, resolveu voltar toda noite ao hangar onde a patrulheira AR-1 estava estacionada, para dormir a bordo, como um guerreiro sempre alerta que era.
Com isto Jacques não ficaria sozinho, o que podia ser perigoso, visto que toda Taônia sabia que os terrestres estavam na cidade; e Suer Dut, o raivoso rebelde Yord, também saberia.
E soube.
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–Ele está aqui, finalmente! – disse Suer Dut, depois de ver a notícia na TV, consumido pelo ódio e a frustração, com vontade de bater a cabeça na porta do quarto miserável, no bairro periférico onde permanecia escondido.
Lentamente voltou a controlar-se. Apesar da frustração, impotência e humilhação; tinha consciência de que colocaria as mãos no terrestre, nem que fosse a última coisa que fizesse na vida. E talvez, da forma como as coisas estavam, concluiu, provavelmente seria isso mesmo.
Sentiu inveja ao imaginar o seu desafeto, o Maldito, homenageado por todos no país, gozando dos favores do Tirano; enquanto ele, na clandestinidade, sem ter atingido o seu objetivo de derrubar Tao, por causa do maldito alienígena; tinha que se esconder como um animal acuado.
Não podia aceitar a idéia de abandonar tudo e fugir para o interior, porque onde fosse, alguém o reconheceria e o entregaria às autoridades.
Al-Do o Maldito, teria de pagar por isso, custasse o que custasse! Uma nova força pareceu tomar conta dele: agora ele, o terrestre, é que deveria temê-lo, pois pretendia atraí-lo a uma armadilha.
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Titã, 05 de setembro de 2017.
Foi dada uma festa no palácio para despedir os terrestres.
Estiveram presentes o general Byzar e sua sobrinha Zhara; o professor Wert pela comunidade científica e a senhorita Uio pela imprensa; além da aristocracia local e os empresários de Taônia e alhures; satisfeitos pelo bom andamento dos negócios com estes generosos terrestres que proporcionavam bons empregos para o povo que adorava cada vez mais seu Imperador.
Contratos para as estações espaciais e a exploração de minérios nas luas vizinhas foram assinados; milhares de voluntários para trabalhar no espaço estavam sendo treinados; cientistas, médicos e engenheiros eram recrutados para as indústrias espaciais.
A Legião estava atualizando-se para futuras batalhas no espaço e o general Byzar estava eufórico; ainda mais que o imperador nunca esteve tão generoso e próximo dele como agora.
*******.
Suer Dut, impossibilitado de ir às ruas, não podia nem pensar em apresentar-se na festa, ainda que fantasiado, porque o risco de ser descoberto era enorme, já que era o homem mais procurado do Império, com os cruéis agentes secretos do general Byzar no seu encalço.
Por isso, preferiu permanecer oculto no seu quarto miserável, acobertado e sustentado por menos de meia dúzia de temerosos seguidores, cada vez menos seguidores e mais covardes.
Sabia que o tempo era seu inimigo.
Mas tarde ou mais cedo, algum deles poderia traí-lo, esquecendo os ideais revolucionários, em troca de não ser executado junto com ele, ou ainda pior; da tentação da generosa recompensa em ouro por sua cabeça, vivo ou morto.
Assim, colocou um espião na festa, fantasiado de serviçal, para ficar de olho em Al-Do e ver com quem o terrestre se relacionava. Precisava achar o ponto fraco do alienígena, conhecer as pessoas que lhe eram caras, para golpear onde mais doesse.
Sabia que o terrestre voltaria para sua base desconhecida e inatingível no espaço; para continuar fortalecendo o Tirano com engenhos espaciais; ainda mais que os xawareks agora estavam dominados e escravizados por ele.
Precisava descobrir uma forma de chantagem que o colocasse em suas mãos. Talvez matar alguém próximo dele, para fazê-lo ficar no solo ou trazê-lo às presas para a cidade quando estivesse no espaço.
Mas quem?
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–Sentirei saudades – tinha dito Zhara, vestindo seu casaco de peles na
rouparia.
A festa estava no fim. A maioria dos convidados retirara-se em seus veículos e Sua Suprema Inteligência, feliz e cansado, recolhera-se aos seus aposentos após despedir-se calorosamente de todos. Valerión e Alan Claude aguardavam no veículo que os levaria ao aeroporto.
–Também sentirei – tinha respondido Aldo, agasalhando-se para sair.
–Sinto saudades da época em que nos conhecemos no trem – disse ela, com um olhar triste – hoje tudo está mudado.
–De lá para cá mudamos a face do mundo... – disse ele.
–Quem viu Taônia antes e quem vê agora, não a reconheceria...
–Ainda faremos grandes coisas, Zhara, o futuro nos pertence. Trabalhamos muito lá encima e tudo isso vai redundar em benefício deste pequeno mundo, que aprendi a apreciar.
–Meu tio me propôs que fosse à estação espacial para chefiar a equipe médica.
–Ótimo! Isso é maravilhoso. Quem viu Zhara antes e quem vê agora...
–Mas tive que recusar – interrompeu ela.
–Por quê? – Aldo não pôde ocultar seu desapontamento.
–Prefiro ficar em solo firme. O espaço atemoriza-me. Não sirvo para isso.
–Entendo.
–Como está sua família?
–A ponto de aumentar.
–Não diga! Mais um garoto das estrelas?
–Ruddah, a bruxa das Terras Frias, profetizou que desta vez será uma menina.
–Tomara que seja.
–Espero que sim. Se for, Inge ficará feliz.
–Mais feliz do que já é?
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Titã, 06 de setembro de 2017.
Quando o falso funcionário da rouparia do palácio, o espião de Suer Dut, apresentou seu relatório ao seu chefe, este exclamou:
–Já é meu!
–Duvido chefe. Ele embarcou ontem para o espaço.
–Embarcou? – o rosto do criminoso era uma máscara sombria.
–A não ser que você possa voar...
–Seu idiota! – explodiu o líder rebelde – não me admira estar nesta situação humilhante, rodeado de ineptos!
–O quê é que eu fiz, desta vez? – o espião estava magoado e contrariado. Nada agradava este chefe em desgraça.
–Vou matar essa tal de Zhara, que parece ser muito próxima dele. Assim o maldito terá que voltar.
–Depois da mulher morta, de nada adiantará ele vir aqui.
–Vou ameaçar com matá-la, seu xawa!
–Terá que gritar bem alto, para ele ouvir lá no espaço.
–Cale-se! Estou pensando.
Aos poucos, um sorriso apareceu no rosto do criminoso.
–Já sei!
–Achou a solução?
–Sim. Vou enviar uma carta à senhorita Uio, dizendo... Dizendo...
–O quê?
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08 de setembro de 2017.
"Se até a Festa dos Grandes Lagartos, o maldito alienígena colaborador do tirano, não se apresentar em Taônia, para me enfrentar, matarei seus amigos um a um, começando por uma certa doutora.
Publique isso".
Assinado: General Suer Dut,
Líder da Resistência contra a tirania.
–Só isso? – o general Byzar estava pasmo.
–Sim senhor – respondeu a linda senhorita Tules Uio, apresentadora do Jornal da Noite da RCT. (Radio Comunicações Taônia.)
–Quem entregou?
–Colocaram por baixo da porta do meu gabinete e o achei hoje de manhã.
–Que audácia!
–Concordo com o senhor, general. Por isso resolvi vir pessoalmente.
–Fez bem. Isto não pode ser publicado.
–E se ele matar alguém?
–Só poderá matar se o anuncio for publicado. Caso contrário, não conseguirá seu objetivo, por mais gente que mate.
–Entendo. O que faremos?
–“Uma certa doutora” só pode ser minha sobrinha Zhara, que foi vista conversando em público com o terrestre no final da festa do Imperador. São amigos há vários ciclos. Ela o ajudou quando chegou a Taônia.
–Eu não sabia disso. Eles nunca foram vistos juntos em público.
–Ninguém sabia. Apenas eu.
–Al-Do conversou com muita gente na festa. Eu estava lá e vi...
–Mas nem você nem ninguém sabiam que eles se conheciam de antes. Suer Dut deve ter descoberto de alguma maneira...
–Senhor! – a jornalista empalideceu – ele estava lá!
–Não estava, não, senhorita. Se estivesse teria agido na hora.
–Então...?
–Devia haver algum espião de Suer Dut na festa – disse Byzar, apertando um botão da sua mesa – alguém que escutou a conversa deles.
Em seguida entrou o secretário.
–Senhor?
–Consiga a relação de empregados que serviram no palácio na noite da festa.
–Sim, senhor.
–É urgente.
–Sim, senhor – disse o secretário retirando-se.
–A doutora Zhara corre perigo – disse a jovem – a festa dos Grandes Lagartos será em quarenta e dois períodos.
–Ainda não, senhorita. Só se esta carta vir a público – afirmou o general Byzar.
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Rhea, 10 de setembro de 2017.
Alheio ao que acontecia em Taônia, Aldo estava preocupado com coisas mais importantes.
Adquirira o hábito de ficar de pé na frente da janela panorâmica do seu gabinete enquanto estava reunido com os colaboradores.
A visão da árida superfície e o espaço negro apenas interrompido pela ocasional aparição dos anéis de Saturno o ajudava a pensar.
–O Empreendimento NX dos xawareks está mais adiantado do que o nosso; senhores – disse Aldo – Por quê?
–Há coisas que não podemos duplicar, capitão – respondeu Henschel.
–Enumere.
–Temos apenas um cérebro robô com interface para nosso futuro computador central, senhor. Se vamos construir uma frota, precisamos de mais alguns.
–Em Ceres temos a Analgopakin, Aldo – disse Valerión – podemos usar seu computador e requisitar os cérebros dos robôs danificados em batalha.
–É preciso que seja uma nave estelar, capitão – rosnou asperamente o cientista Zyphran Kohuáscar – caso contrário o computador não servirá.
–É uma nave estelar – disse Aldo.
–E por quê não a usam? – perguntou incrédulo o siriano.
–Foi danificada em batalha. Uma nacela foi destruída. Só navegam em impulso.
–E os engenheiros deles não podem consertar? – perguntou Kern Mokvo.
–Consta-me que não. Falta material.
–O autoplaneta raniano parou perto de Ceres – disse Leif Stefansson – Pode ser que tenham material e outras naves.
–Eles têm – disse Valerión – precisamos convencê-los a colaborar.
–E a nave de cabotagem do milkaro Pru? – interveio Lúcio Cardelino.
–Não acredito que nos ajude – disse o professor von Kruger.
Aldo ficou de costas à janela de alumínio transparente e encarou os seres.
–Precisamos os cérebros dos robôs danificados da Analgopakin, precisamos um computador central raniano; precisamos trazer alguns engenheiros ranianos do autoplaneta, para que nos ajudem.
–Talvez eles tenham cristais de diankrap – disse Zyphran – sem eles, o
Empreendimento NX, como vocês o chamam será um monte de metal inútil que não nos levará para casa. Sem contar que a nave de vocês nunca sairá do papel.
–Quero até amanhã a lista do que falta – disse Aldo – Ah... Doutor... Não se preocupe com os cristais de diankrap.
–Sem uma matriz de diankrap nunca poderemos carregar o núcleo de dobra.
–Eu sei onde conseguí-los...
O siriano mudou sua expressão. Aldo prosseguiu:
–Agora sei para que serve o diankrap; apreciado por milkaros e confederados. Sabia que esse nome não me era estranho. Ouvi-o numa festa há muito tempo...
Nenhum dos presentes sabia de quê Aldo falava. A festa em Ganímedes voltou á sua memória; ele perguntara ao Barão von Ritcher-Braun:
"–De que vivem?"
"–Exploram minas de irídio, selênio, cristais de diankrap, urânio, boro, lítio, ferro e outras coisas..."
Voltando ao presente...
–Há mineração de diankrap numa lua do quinto planeta e nos troianos. Vou mandar buscar tudo o que puder.
–Isso é bom! – Zyphran ficou eufórico.
–Bem, senhores – disse Aldo – vamos a agir, buscar cristais, computadores positrônicos e tudo que for necessário. Leif; prepare a Milenium para partir amanhã.
–Vou para Ceres?
–Sim. Consiga os positrônicos com os ranianos, bobinas de dobra, indutores de plasma e geradores de campo. Na volta passe em Ganímedes e carregue todo o diankrap que conseguir. Leve todo o ouro marciano que ainda nos resta...
–Lúcio trouxe uma tonelada de ouro de Marte.
–Ótimo. Pegue o que for necessário.
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Continua em A TIGRESA.
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O conto SUA SUPREMA INTELIGENCIA forma parte integrante da saga inédita Mundos Paralelos ® – Fase 1 - Volume III, Capítulo 26, Páginas 125 a 130 ; e pode ser encontrado no Blog Sarracênico - Ficção Científica e Relacionados, sarracena.blogspot.com.br.
O volume 1 da saga pode ser comprado em:
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