GÊNESIS
Sentia a consciência voltando lentamente. Primeiro o sentir das partes do corpo, a respiração. Depois, estranhamente, o olfato. Conseguia distinguir o odor acre doce do preparado de aminoácidos que era usado na reanimação. A audição veio depois. O som das maquinas operando em seu zunido característico, os seus companheiros conversando ao longe. Apenas depois de uma eternidade, a visão começou a voltar. No começo apenas borrões. Depois cada vez mais nítida, até voltar a acuidade natural. O que não passava era a sensação de frio. Mesmo com o líquido onde estava sendo aquecido e depois com a manta térmica com que lhe cobriram, a sensação de frio continuava. Suas experiências anteriores lhe diziam que ela ia continuar por alguns dias.
Estavam há vinte anos de seu objetivo. Um sistema estelar com um planeta capaz de abrigar vida humana. O primeiro a ser atingido pela Gênesis. Mas não o último. Aquela era a maior espaçonave já construída. Projetada para navegar por milhares e milhares de anos, buscando planetas onde o Homem pudesse criar uma nova história para si mesmo. Estava encarregado de estudar este mundo desde o Sistema Solar. Enormes telescópios e sensores no espaço já mostravam que o planeta para onde ia era muito promissor. Especialista em botânica e bioengenharia, continuou observando-o durante os primeiros quarenta primeiros anos da viagem, quando então foi colocado em animação suspensa. E assim ficou por trezentos anos. A Gênesis continuava sua viagem guiada por seus poderosíssimos computadores. Na verdade eles faziam praticamente todo o trabalho. Era como se os humanos fossem apenas sua carga. E assim era toda a vida no Sistema Solar.
Não foi apenas ele a ser reanimado. Toda a equipe destinada aquela colonização também. Além disso havia na nave uma equipe permanente de navegação. Além dos embriões que eram desenvolvidos nas incubadoras para formarem novas equipes de navegação e colonização. Voltou o mais rápido que conseguiu para o estudo do seu destino. Duas vezes o tamanho da Terra com 1,4 de sua gravidade. Os dias tinham a duração de 76 horas e os anos de 2,4 anos terrestres. A temperatura ficava entre -30ºC e 50ºC. A maior parte da superfície ficava entre 0ºC e 25ºC. Coberta por água líquida em 60% da sua área e em 20% por água congelada. Sobrava 20% de terra. A atmosfera era composta de 70% de nitrogênio, 25% de oxigênio, 2% de vapor d'água, 1% de gás carbônico. Havia grande área coberta com vegetação capaz de fotossíntese, mas sem evidências de vida animal ou de plantas capazes de gerar flores ou frutos. Tudo muito promissor.
A naveta se desligou da Gênesis como o programado. Levaria 15 anos para chegar até o planeta e depois ficariam 5 anos em órbita para estudá-lo mais detalhadamente. A enorme nave principal iria orbitar a estrela do sistema,usando sua força gravitacional como catapulta e ganhando impulso para seu novo destino. Enquanto via a gigantesca espaçonave se distanciar, ficou pensando em sua missão. Seria um dos primeiros a começar a colonização. Sem nenhum equipamento de proteção. Se houver algum patógeno letal ali, será ele o primeiro a sofrer seu ataque. Terá filhos da forma antiga para que se possa estudar como a concepção se dará no novo ambiente. Plantará e cuidará de inúmeras plantas sem saber qual conseguirá se adaptar. E, se tudo der certo, depois de insetos e animais. Quando morrer será dissecado para que se possa estudar os efeitos do planeta no organismo humano. Nenhuma lembrança restará deste sacrifício. Quando tudo estiver encaminhado serão lançados seres humanos sem lembrança da sua origem, como os antigos homens das cavernas. A naveta continuará circulando o planeta fora do alcance do olhar sem instrumentos, cuidando dessa nova humanidade. Depois de alguns milênios irá se instalar em algum lugar inóspito do planeta, mandando agentes e exploradores por esse novo mundo. Deuses astronautas. Ali poderão nascer novas Grecias, novas Romas, novos Egitos, novas Chinas, ou civilizações totalmente novas. E ele, anonimamente, ajudará a criar tudo isso.