A AVENTURA CONTINUA II - UM NOVO MUNDO

A Ilha Cabeça de Camelo.

A patrulheira sobrevoava o lado noturno a onze mil metros de altura na zona subtropical norte sobre uma ilha menor do que Austrália. O sistema elaborara um mapa e já sabiam que os pólos eram secos, mas rodeados de mar pouco profundo, representando menos de vinte por cento da superfície total. Do outro lado do planeta havia outras ilhas grandes de tamanho menor. O equador era formado por um cinturão de terra inabitável, desértico, onde as temperaturas eram altas demais.

–A ilha é um local úmido, Alan, exceto na parte central quente e seca, um deserto rodeado por uma cordilheira com ramificações para afora que dividem os territórios do litoral. Talvez seja lugar de impacto de meteoro milênios atrás. Há indícios de vida animal e humana. Há aldeias espalhadas na mata costeira à beira de rios e lagos. Veja o infravermelho, parecem índios de América Central, as casas são de madeira e pedra. Lá adiante há construções bem grandes... São pirâmides!

–Nada de novo, Iara. Pirâmides são comuns no sistema solar, marca registrada do império raniano. Terra, Marte, Pomona, Ceres, Ran, Calisto, Titã... Agora aqui.

–Estão rodeadas por vilas fortificadas.

–Ligue as escutas. Vou descer mais.

As vozes pareciam alarmadas pelo trovão que vinha do céu.

–Como era de se esperar. Preciso mais, tenho certeza que há xawareks aqui.

–A bombordo há uma cadeia de montanhas, não dá para ver o deserto do outro lado. Mude o rumo para o norte.

Ultrapassaram as montanhas que rodeavam o deserto de mais de 500 kms de norte a sul. De leste a oeste não se percebia o fim. Depois da outra cordilheira viram grandes concentrações de luzes, logo depois, abruptamente, a escuridão.

–Uma cidade na beira do mar. Podemos ser vistos e ouvidos?

–Sim. Vamos deslizar – disse Alan, desligando os motores.

A patrulheira estendeu as asas auxiliares retráteis que continuaram sustentando a nave na grossa atmosfera.

–Procure diferenciar vozes humanas dos barulhos.

Entre a maré de sons, Alan ouviu a língua raniana numa versão semelhante ao marciano... E também xawarek e alakrano.

–Língua primária alakros. Isso é sério e confirma as suposições de Valerión, como temia. Já tenho o que preciso; vamos voltar ao deserto – disse Alan, ligando a antigravidade para compensar a perda de altura.

–Você entende essa língua?

–Mais ou menos. Depois de descobrir a chave é fácil. As línguas galácticas são mais simples do que as línguas terrestres.

–Desculpe se não acredito, Alan!

–Mas você entende marciano e nos últimos dois dias teve aulas de siriano na máquina. As línguas terrestres são gírias corruptas das línguas mães do espaço. Do raniano provém o raniano inferior, marciano, taoniano e o sânscrito da Terra, do qual deriva latim, eslavo, germânico... E do siriano as línguas dos índios de Centro América... Já os idiomas mongólicos; chinês e derivados; vêm do alakrano. Grego e basco derivam do milkaro... A Terra é um mistério lingüístico espacial, Iara. Todos esses seres já estiveram no sistema solar há milhares de anos.

–Estudei algo sobre isso no colégio. Há gente que não acredita...

–O povo não quer acreditar porque isso derrubaria todas as religiões.

*******.

No meio do deserto, Alan ligou os motores e logo a patrulheira sobrevoava a costa sul, no meio de uma tempestade tropical. A chuva era tão densa que não podia enxergar-se nada à frente nem com os limpadores ligados.

–Temos bastante. Segure-se, Iara, vamos subir para uma órbita segura.

Minutos depois estavam outra vez no silêncio do espaço.

–Já temos suficientes dados para mapear o planeta, Iara. Vamos inspecionar o solo, mas antes preciso completar meu relatório preliminar e enviá-lo à base.

–O torpedo programado?

–Sim. Pode copiar a base de dados numa unidade de memória?

–Posso. Devo salvar tudo?

–Sim, tudo mesmo, faça duas cópias. Vamos começar a segunda parte de nosso trabalho, a mais difícil, e não quero que esses dados se percam.

Alan gravou o relatório e logo os dados foram armazenados em duas unidades.

–Aqui estão, devidamente salvos – disse a jovem – mas, para quê duas cópias?

–Uma para Antártica e outra para Saturno. Valerión espera receber isso em torno do dia 30 de agosto. Marcos receberá sua cópia antes do fim deste mês.

–Que garantia tem de que chegarão?

–Preparei e programei os dois torpedos durante minha viagem de Saturno à Terra. Fiz quatro programas redundantes e a tecnologia do sistema é raniana. Além disso, eles radiarão permanentemente um sinal código. Espero que não falhem.

Alan desceu ao porão e colocou as unidades de dados nos dois torpedos sem cabeça nuclear. Depois os colocou nos tubos e subiu à cabine, de onde os disparou em impulso máximo com intervalo de dois minutos e ficou sentado olhando as esteiras.

–E se o combustível deles acabar antes? – perguntou Iara.

–Vai acabar antes. Usei o espaço do armamento para aumentar o carburante, e vão acelerar até perto de um milhão de kms por hora. Quando o combustível acabar, entrarão em inércia na rota certa. Valerión e Marcos estarão esperando.

–Estou no espaço, mas ainda não consigo assimilar todas estas maravilhas...

–É natural – disse ele, com delicadeza – aconteceu isso comigo há anos, na minha primeira vez na Lua... Não está com fome?

–Estou.

–Vamos comer e descansar. Penso que em vinte e quatro horas a tormenta sobre as aldeias do sul da ilha já deve ter passado e quero descer de noite.

–Vamos voltar a esse lugar?

–Sim, vamos descer na selva. Gostei do local.

–O que vamos fazer numa selva? – perguntou ela estranhada – Por quê não descer na cidade que vimos ao norte?

–Nunca ouviu falar que os alienígenas sempre descem no milharal?

*******.

Após um dia de descanso e planejamento, a patrulheira fez a reentrada em espiral descendente com o motor desligado, deslizando por baixo da camada externa de nuvens.

Chegaram a um vale verde rodeado de erodidas montanhas por três lados; onde havia um lago pouco profundo perto da margem esquerda de um arroio que corria ao sul em direção a um braço de mar.

Uma aldeia de palafitas dormia na beira sul do lago com canoas amarradas. Na beira do arroio havia um cais de madeira com algumas canoas maiores providas de mastros.

Alan ligou a antigravitação.

–Essa aldeia lacustre é tão boa como qualquer outra. Vamos descer no meio da mata, mais ou menos a um km ao leste dela. Na escuridão não seremos vistos. A antigravitação só fará brilhar a borda inferior.

–Não vi nenhuma clareira – disse ela, sardônica – nem milharal.

–Melhor. Não seremos vistos de cima. O escudo vai amassar a mata em torno, e se como penso a vegetação é como a da selva amazônica, ela logo vai nos cobrir.

Como uma ave de metal com a pintura arranhada e descascada; os tubos dos motores e bocas dos canhões tisnados de cinza e a saída do esgoto da válvula do ejetor de lixo preta de sujeira; embora dentro dela tudo fosse conforto e limpeza; a valente patrulheira pousou na mata emaranhada, esmagando a vegetação.

Quando o trem de pouso afirmou-se no solo barrento, Alan disse:

–Chegamos. Ligue os sensores de som.

–Sensores ligados.

*******.

Um novo mundo.

Após uma hora de preparativos, sem ouvir nada mais que barulho ocasional de animais e plantas agitadas por uma ligeira brisa, resolveram sair.

–Falta pouco para o amanhecer. Vou fazer uma análise atmosférica. Podemos respirar aqui, mas precisamos nos aclimatar primeiro.

–Como?

–Na eclusa. Vamos deixar entrar um pouco de ar de fora e tirar os capacetes.

–Não há perigo de contaminação?

–Os sensores da eclusa vão dizer.

Um minuto depois do analisador confirmar a ausência de vírus e bactérias, eles tiraram os capacetes e respiraram a sufocante e malcheirosa atmosfera local.

–A radiação externa é normal.

–Está difícil para respirar – disse ela – e esse calor...!

–Precisa se acostumar. Não podemos vestir as armaduras o tempo todo, elas não foram feitas para esta gravitação. Além disso, precisamos passar desapercebidos quando chegarmos àquela cidade.

–Estamos longe, Alan. Teremos que usar a nave...

–Um passo de cada vez. Sente-se. Vamos ficar aqui até nos aclimatar.

–Que remédio! Na sauna e de armadura!

–Depois vestiremos roupas mais adequadas.

–Meu uniforme da FAEB? Ele é quente demais. Isto parece o Amazonas!

–Precisamos saber o quê os nativos vestem, Iara.

–Qual será a última moda em Vênus?

–É o que vamos descobrir. Coloque o capacete e levante o visor. Vamos sair.

–Precisamos das mochilas?

–Sim, podemos precisar os impulsores para voar, caso apareça algum morador bem maior do que nós... Um dragão cuspindo fogo, um dinossauro de trinta metros, ou qualquer outro monstro terrível e gosmento que por acaso viva aqui...

–Você está brincando comigo, coronel! Não está?

–Não, não estou – disse ele abrindo a porta externa e pulando ao chão.

–Isso temia – disse ela entre dentes, pulando logo depois.

De repente um apavorante barulho de asas enormes passou sobre eles.

*******.

Os Oxmecas.

Naxum acordou cedo pouco antes do dia clarear. Não acordou suas mulheres nem as crias. Saiu da cabana sem fazer barulho e caminhou até o cais. No caminho pegou frutas e um cantil com água, e colocou tudo numa sacola de couro.

Chegou até sua canoa e pegou um saco com redes e anzóis, que pendurou no ombro. Voltou atrás e encaminhou-se ao arroio, onde estava sua canoa maior, colocou tudo a bordo e quando estava a ponto de desamarrá-la, um bater de asas o deixou paralisado de espanto.

Do céu desciam os homens voadores, montados nos seus grandes pássaros, atirando com seus arcos. Antes de poder gritar por socorro e alertar a aldeia; foi puxado para cima pelas garras de uma ave.

Estava a três corpos de altura, quando ouviu um trovão e sentiu o cheiro de penas queimadas.

A ave o soltou e ele caiu na água, onde apesar dos ferimentos nos ombros, nadou em desespero para a plataforma do cais. Antes de gritar o alerta para aldeia, ouviu mais trovões. Levantou a vista ao céu e viu outras aves caírem em chamas com seus ginetes.

Dois seres de metal negro lançavam raios com as mãos contra os homens voadores. Os poucos que sobraram vivos empreenderam a retirada, desaparecendo nas nuvens. As aves mortas e os guerreiros voadores mortos cobriam o chão do cais e alguns estavam na água.

Um dos feridos tentou se levantar e pegar seu arco. Naxum foi mais rápido e puxou sua faca, com a qual atravessou a mão do infeliz, que ficou presa na madeira do cais. Em seguida o pescador encarou os seres metálicos. Naxum era corajoso, enfrentou os vencedores dos homens voadores armado apenas com um pequeno arpão...

*******.

Primeiro contato.

Alan e Iara guardaram suas pistolas e foram aproximando-se devagar. O nativo empunhava um pequeno arpão de pesca, assustado, mas decidido a enfrentá-los.

–Esta seria uma hora tão boa como qualquer outra para mostrar-me que sabe falar a língua deles, coronel.

Alan falou em siriano de Japeto:

–Xuát es hun demo?

–Na demo es Naxum – respondeu o nativo – Xuát es a hun?

–A-Lan – respondeu o terrestre – hás da, hás ichner spek!.

Iara aproximou-se de Alan.

–Tão fácil assim?

–Sim. Agora está tudo bem.

*******.

O dia em que os deuses chegaram...

...Para ajudar o pescador mais forte da aldeia lacustre, foi memorável para os pescadores.

Naxum foi reverenciado junto aos deuses, que pareciam ser tão amáveis

com ele, como foram implacáveis na destruição dos inimigos.

Alan e Iara pensaram estar numa aldeia indígena do amazonas, não fosse pela aparência dos nativos.

Os oxmecas eram brancos, de cabelos castanhos, negros ou aloirados, amarrados em complicados penteados como dos antigos habitantes de América Central antes da chegada dos espanhóis. Sem dúvida eram descendentes diretos dos ranianos. As mulheres eram belas e as crianças limpas.

Os homens usavam o musculoso torso desnudo, vestiam saiotes curtos de pano escuro e alguns usavam capas longas até meia perna. Calçavam sandálias de couro amarradas com tiras. Na cintura carregavam facas e bolsas de utilidades. As mulheres usavam vestidos leves de pano fino até a metade da coxa e calçavam sandálias de couro.

As crianças eram saudáveis e bonitas. Meninas e meninos vestiam saiotes curtos e usavam o torso nu. Todos os nativos usavam brincos, colares e pulseiras de diversos feitios. Alan lembrou que os marcianos tinham as orelhas furadas.

Os terrestres foram conduzidos à cabana maior, onde os homens reuniam-se para contar seus feitos. Conheceram o chefe da aldeia e os anciões. Alan fez inúmeras perguntas a eles.

Disse-lhes que os deuses tinham viajado há muito tempo, muito longe e agora voltavam para saber o que tinha se passado no mundo durante sua ausência.

Foi assim que o coronel soube que a região dos pescadores era assolada pelos Quirions, que domesticavam gigantescas aves de presa, nas quais voavam por todo o continente para roubar peixe e pessoas.

Os quirions moravam longe, trinta dias a pé, e do outro lado do mar moravam os xawareks.

–E ao norte, do outro lado das montanhas? – perguntou Alan.

–O deserto – respondeu o chefe dos Oxmecas – são dez dias de caminhada para chegar às montanhas, mas poucos as atravessaram.

Iara permanecia silenciosa, entendia algumas palavras. Tinha feito duas

sessões de idioma siriano na máquina portátil de táquions da nave dois dias antes da chegada. Seus olhos ávidos observavam tudo, que gravava com a câmera do traje.

De repente ela viu num canto da cabana, um artesão compenetrado talhando suas estatuas em madeira macia com uma afiada faca de bronze. Reparou que todos os objetos metálicos eram de bronze. Alan também percebeu e perguntou ao chefe:

–Vocês mesmos fazem essas facas?

–Trocamos por peixe com os Cigenets, são os melhores forjadores de metal e também os melhores caçadores e tratadores de peles que há na Região das Chuvas.

–Alguém já atravessou o mar?

–Sim. Fomos até as ilhas onde moram os xawareks, os homens peludos, que habitam casas de pedra e madeira.

–E além das ilhas?

–Há a terra do calor, um deserto onde ninguém sobrevive. Os que foram e conseguiram voltar relatam que não dá para desembarcar e a água é quente demais.

–Conhecem o deserto além das montanhas do norte?

–Conhecemos, mas não sabemos o que há. Nunca ninguém voltou de lá.

–Não sabem que há uma grande aldeia de pedra além do deserto?

–Sabemos. Alguns de nós já rodeamos a ilha por mar e vimos cidades com luzes e muito barulho na costa norte. Nós não gostamos de barulho.

–Atravessaram o mar ao norte?

–Sim, há cidades barulhentas de homens peludos.

–Foram ao leste?

–Não vamos para esse lado a não ser por mar. Os quirions moram lá. Além da terra deles estão os homens que moram em aldeias de pedra, têm altos templos com escadas e montam em asgoths.

–O que tem ao oeste?

–Os cigenets, depois os homens selvagens e depois os pântanos. Evitamos desembarcar aí. Quem desembarcou nunca voltou.

–Gravou tudo, Iara?

–Transmiti tudo para a base de dados. Estou em linha com a nave.

–Essa informação vale mais do que uma nave de guerra.

–Este território deve somar Rio Grande do Sul e Santa Catarina juntos. Acha que devemos explorá-lo primeiro, ou partimos para ver outro país?

–Um passo de cada vez. Já sabemos o que devemos saber para montar aqui uma base. Aldo sabia menos sobre Marte quando fundou o Ponto de Apoio. Em Júpiter ele tinha apenas uma vaga ideia quando chegou sob o fogo dos piratas. Em Saturno nós sabíamos menos ainda quando chegamos a Titã. E os taonianos têm uma civilização melhor e mais organizada do que a Terra... Titã é menor do que Vênus, contudo, nós ainda passamos desapercebidos por um bom tempo...

–Partimos para ver outro país, então.

–Duvido que tenhamos tanta sorte como tivemos aqui. É melhor considerar este lugar como nossa base principal.

–Mas, Alan; não temos chance de passar desapercebidos para uma raça mais avançada. Estes aqui, apesar de ser bem inteligentes, nos adoram como deuses... E os xawareks? Você não poderá lidar com eles como disse que lidou lá em Saturno, estes daqui podem ser bem diferentes, talvez não sejam amigáveis...

–Os xawareks nunca são amigáveis. Não vamos mais usar estas armaduras.

–Vamos nos vestir como os oxmecas?

–Como eles não. Tenho outra ideia.

*******.

Antes de Alan contar seu plano, os homens voadores retornaram.

–Os acontecimentos precipitam-se ao nosso favor, Iara. É a oportunidade que esperava. Sabe voar com o impulsor da mochila?

–Acho que ainda sei, fiz algum treinamento em Antártica...

–Então vamos – disse ele – temos que desmontar dois sujeitos desses!

Pularam para cima perante o espanto dos pescadores. Abriram a formação dos quirions ignorando as flechas que batiam nas armaduras. O coronel montou numa ave, arrancou o ginete e atirou-o sem piedade para baixo, onde morreu ao bater no chão.

A moça fez a mesma coisa, mas teve pena do sujeito e montou atrás dele, o segurou pelo pescoço e disparou a pistola em dois quirions que caíram mortos. Encostou a pistola na cabeça do prisioneiro e o obrigou a controlar a ave na descida.

Alan não demorou em aprender a controlar a enorme ave. Era parecida com uma águia terrestre com envergadura de vinte metros. Uma rédea dupla a controlava e uma sela de couro; com estribeiras de metal; prendia o ginete nas manobras que estes seres realizavam.

Alan disparou em mais dois quirions que morreram ao cair.

Iara com a pistola na cabeça do seu prisioneiro disse:

–Alan, diga a este sujeito mandar seus amigos embora ou morre.

Alan falou meia dúzia de palavras e os quirions foram embora.

–Meus irmãos voltarão com mais gente para me buscar – disse o prisioneiro.

–Você é o líder deles?

–Não, mas eles não vão me deixar aqui.

–Por quê vocês atacam estes pobres pescadores? Quê mal eles fazem a vocês?

–Queremos peixe. Não temos na nossa região. Não há rios lá.

–E precisam roubar? O que vocês comem?

–Frutas e xawas, mas gostamos de peixe. E nossos pakakhes também gostam.

–Pakakhe... – repetiu Alan, pensando na palavra pakaje, que significa animal voador, em raniano.

–Vocês não plantam mim-dar?

–Deste lado da ilha não há terreno adequado para isso. Só no norte, onde há grandes campos além do deserto... Temos que voar muito para ir lá.

–Os oxmecas poderiam trazer mim-dar de lá em seus barcos e dar peixe para vocês em troca de outras coisas... Pakakhes, xawas, frutas, por exemplo.

O homem voador ficou perplexo. A ideia da troca era algo em que seu povo não pensara, talvez porque sempre roubara, apoiado na sua superioridade aérea.

–Eles trocariam comida conosco?

–E porquê não pergunta a eles? Seria melhor do que estar sempre em guerra.

Alan indicou a ave:

–Volte com seus irmãos e conte a eles o que conversou comigo.

O homem voador olhou sua ave e depois seus interlocutores de metal.

–Vou voltar. Vocês são deuses?

–O que você acha?

O homem voador partiu rumo leste.

O dia agora estava claro e quente. O sol era um enorme círculo branco e difuso através das espessas nuvens cinzentas. A outra ave ficou. Estava comendo peixe das mãos de Naxum.

–Acho que Naxum quer aprender a voar – disse Iara.

–Temos muito trabalho pela frente. Precisamos nos aclimatar logo.

–Somos rápidos no gatilho, Alan. Não faz um dia que chegamos e já matamos um monte de gente. Será que isso era necessário?

–Os deuses precisam ser severos.

*******.

26 de julho de 2019 (190726).

A dois meses da chegada dos “deuses”; as nações da faixa verde da costa sul da ilha estavam integradas. A amizade entre oxmecas e quirions foi o primeiro passo.

O segundo foi integrar ambos com os cigenets e convencer estes de que os quirions estavam pacificados. Foi fácil, devido à simplicidade e falta de malicia de todos eles.

Os oxmecas percorreram toda a costa sul, a procura de integrar-se com outras nações da ilha; acompanhados de cima pelos quirions; os mais conhecidos de todos eles.

Logo se integraram os Muwoks, rudes criadores de woks, o ruminante mais popular do sistema solar, segundo Alan; os Dengots, parecidos a xawareks sem pelo...

(Alan suspeitou logo de uma possível mistura de espécies e foi assaltado por um pensamento terrível)

...e finalmente os homens lagartos, criadores de asgoths.

Os quirions e os oxmecas eram os mais inteligentes de todos, devido às suas incursões aéreas e marítimas por toda a ilha desde tempos imemoriais.

Enviaram os veleiros maiores para o norte em busca de trigo mim-dar e outros produtos a serem trocados por peixes e frutas, abundantes no sul. Os cigenets forneceram ferramentas de metal às tribos oxmecas mais desenvolvidas para que pudessem construir veleiros maiores com planos fornecidos por Alan, tirados da base de dados históricos do sistema da nave. Em breve os oxmecas estariam navegando em caravelas.

A ilha continente tinha forma de cabeça de camelo, com o focinho para o oeste. Media de leste a oeste 2.480 kms, e de norte a sul 1.685 kms. A aldeia foi considerada pelos terrestres o meridiano zero dos seus mapas e sua latitude era 45° norte. Agora podiam orientar-se.

Pelos quirions, os terrestres souberam que havia quatorze cidades de grande poder nas nações do norte, leste e oeste. O país de Gren, da costa noroeste, era agrícola e pastoril. Ao oeste, as cidades de Nar e Foz, tinham matadouros de woks, que grandes navios mercantes movidos a vapor carregavam em câmaras frias.

Alan e Iara aclimataram-se e integraram-se com os oxmecas. Dispensaram as pesadas armaduras logo no primeiro dia. Vestiram bermudas e camisas leves, que acharam na sua bagagem e calçaram as excelentes sandálias nativas.

O calor de 42 a 47 graus os deixara enxutos, perderam peso e sua pele estava suave como a de pessoas habituadas a frequentar sauna, o que explicava a beleza dos nativos.

Iara já falava a língua relativamente bem e se interessava em aprender os costumes locais. O mais divertido era o banho diário no lago de águas mornas e límpidas, diversão que ajudava a suportar o calor.

Os nativos, adultos e crianças, nadavam nus. Alan jogava-se vestido na água para que depois a roupa molhada o refrescasse.

Iara banhava-se só de calcinha e Alan, por respeito, procurava não olhar os belíssimos seios da sua parceira, pela qual já começava a nutrir uma atração que ia além do simples desejo sexual.

Hoje ambos reuniram-se na cabana principal com Naxum e Harag, líder dos quirions, que agora vinha diariamente a oferendar frutas e carne de caça aos deuses que tanto tinham feito para pacificar a região.

Nesses dois meses de duro trabalho, os terrestres acompanharam as expedições dos quirions e oxmecas e entrado em contato com todos os povos do sul da ilha por ar, voando em duas magníficas aves, que aprenderam a dominar.

–O que há ao norte, além do mar de Gren? – perguntou Alan.

–O canal norte – respondeu Harag.

–E mais além?

–O continente dos vulcões.

–De onde sai a poeira que sobe e cria as nuvens exteriores...Vocês já foram lá?

–Sim, mas não chegamos a atravessá-lo. As aves não conseguem voar direito...

Alan mandara gravar em madeira algumas diretrizes, pelas quais os povos do sul deviam guiar-se.

A mais importante, dizia que os povos que comerciavam entre si, deviam lutar contra inimigos de fora, nunca entre eles.

–Espero que a amizade e a paz que agora vocês têm entre vocês, perdure ainda depois de nós partirmos.

–Vocês vão partir? – o desencanto foi geral – Para onde vão?

–Vamos a conhecer o país de Gren, mas voltaremos. É uma promessa, e para que acreditem, vamos deixar nossa vimana no fundo do lago. Voaremos em pakakhes.

–Darei minhas melhores aves para vocês! – disse Harag – para que voltem!

*******.

SEGUE EM: A AVENTURA CONTINUA III - CIVILIZAÇÃO

*******.

O conto A AVENTURA CONTINUA II - UM NOVO MUNDO - forma parte integrante da saga inédita Mundos Paralelos ® – Fase II - Volume IV, Capítulo 30, páginas 52 a 59 e cujo inicio pode ser encontrado no Blog Sarracênico - Ficção Científica e Relacionados, sarracena.blogspot.com

O volume 1 da saga pode ser comprado em:

clubedeautores.com.br/book/127206--Mundos_Paralelos_volume_1

Gabriel Solís
Enviado por Gabriel Solís em 12/10/2016
Reeditado em 18/02/2020
Código do texto: T5789610
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2016. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.