A MALDIÇÃO DO OUTRO LADO DA VIDA – Capítulo 2

Meu novo e grandioso objetivo era, em palavras leigas, descobrir onde fica a alma humana. Eu acreditava em sua existência, tinha certeza de que, para a alma existir, ela tinha que estar em algum lugar. Um pensamento fraco, humano demais para ânsias como a minha, mas que me guiava em minha jornada.

O Sr. Scott sugeriu a existência de uma outra dimensão, um plano astral do mesmo mundo em que vivemos, e claro, esse seria o outro lado do qual seu bisavô escrevera. Não era uma teoria nova, mas nós tínhamos novidades físicas sobre ela. Não nos questionávamos se teria o bisavô do Sr. Scott visitado a dimensão onde estão nossas almas, só queríamos saber como chegar lá e como funciona o lugar.

Depois de muito estudo, descobrimos que nossa tarefa era encontrar o lugar na Terra física que intersecta a Terra espiritual. Interpretando os dados que tínhamos, concluímos que era exatamente isso que o bisavô do Sr. Scott havia feito. Ainda segundo os desenhos e rascunhos, o ponto de intersecção das duas realidades seria um ponto de distorção da matéria, um local onde dois ou mais corpos existem no mesmo lugar e ao mesmo tempo.

A mente humana não está preparada para evoluir. Digo isso com base em mim mesmo: tanto busquei provar o improvável, e quando comecei a vislumbrar algo impensável para mentes comuns, tive medo. Eu queria ir além, mas sem ter que pagar o preço necessário. Eu tinha fé, mas não coragem.

Ainda assim, prossegui. As informações que tínhamos não nos levavam a nada inédito. Partimos em nova viagem, indo atrás de anomalias físicas e fenômenos supostamente sobrenaturais. Todo tipo de gente falava-nos todo tipo de coisa, no entanto, um grupo de moradores isolados do norte da Rússia contou-nos sobre uma caravana que por ali havia passado dias antes, disseram que os misteriosos viajantes perguntavam sobre a Tumba da Vida. Ninguém sabia do que se tratava.

Seguimos o caminho que a caravana havia seguido. Sempre indagando aos poucos moradores da região sobre qualquer coisa que nos interessasse. Descobrimos, dessa forma, a existência de uma vila na qual estava se propagando uma doença esquisita e desconhecida.

Os sintomas, segundo o Sr. Scott, que dominava o idioma russo muito mais que eu, eram: vômitos constantes, vistas confusas, dores agudas de cabeça, tontura e alguma insanidade – os mesmos sintomas que haviam trazido a morte ao bisavô do Sr. Scott. Hospedamo-nos em uma pensão próxima dali para passar a noite.

Quando acordei pela manhã, disposto a investigar o que estava acontecendo por ali, notei a ausência do Sr. Scott. Tomei um breve e modesto café da manhã na esperança dele voltar, até porque eu não poderia começar nada sozinho, pois não falo russo. E ele voltou.

O Sr. Scott estava visivelmente assustado, de rosto pálido e olhos arregalados. Perguntei-lhe o que se passara, porém ele estava catatônico, não conseguia falar, nem conseguia tirar do rosto aquela expressão de terror. De repente, ele me abraçou e desatou a chorar, e depois, sem dizer nada, despejou no chão uma golfada de suco gástrico.

Consegui pedir ao dono da pensão algo que acalmasse meu amigo. Ele preparou um chá quente que de nada serviu. O Sr. Scott, em ações desesperadas, pegou uma caneta do balcão da sala-recepção e desenhou num bloco de anotações uma porta vista de perfil; embaixo da porta, como se representasse o lado de fora, ele esboçou como pode um homem; em cima da porta, ou seja, do lado de dentro, outro homem; por fim ele ligou um homem ao outro com um risco, e ao lado do risco fez um sinal de igual.

Em seguida, ele saiu correndo a esmo pela neve, tentei alcança-lo, entretanto ele parecia mais enérgico do que possível, ignorava o frio, a neblina e a neve a atolar os pés – parecia fugir de um horror impensável. Perdi-o de vista, apesar de ter continuado a procura-lo, as condições do tempo não me permitiam ir muito mais longe. Só no outro dia bateram na porta do quarto para dizer que haviam encontrado o corpo do Sr. Scott, sem vida, caído na gélida superfície a alguns quilômetros dali.

Era claro que o Sr. Scott encontrara a origem da tal doença, o ponto de distorção da matéria, onde o mundo físico se converge com o mundo astral, contudo, eu vi com meus próprios olhos o estado em que ele estava, e não parecia uma doença. A mente do Sr. Scott desmoronou quando ele contemplou o outro lado; seu corpo deixou de agir coordenadamente. Não era como se algo o tivesse infectado, era como se ele não tivesse capacidade de distinguir o que tinha presenciado, e como resposta a isso, o corpo e a mente entraram em colapso.