Vida inteligente

1.O INICIO

Ele colocou os fones de ouvido e repousou a cabeça no banco do carro,a rádio local não era muito seletiva,até porque sua localização não era muito favorável.Sibéria,era só o que ele pôde entender do emaranhado de coisas que o motorista do carro estava esbravejando em russo.

O frio parecia se intensificar a cada metro que as pesadas rodas do automóvel seguiam,os rastros eram apagados automaticamente pela nevasca e tudo o que ele queria era chegar logo no centro de pesquisa a que foi enviado.

"- Só mais 6 dias." - pensava. "-vai passar rápido...e eu sempre gostei de frio."

Alexander era biólogo em um laboratório de pesquisas de farmacologia muito famoso da Califórnia,responsável pela descoberta da cura de inúmeras doenças tidas como incuráveis,e em um dia qualquer enquanto observava a reação de uma bactéria a um novo antibiótico,recebeu a notícia de que seria enviado à Rússia em uma espécie de caça.

Assim que se ouviu falar de uma forma de vida microscópica que se mantia intacta,podendo sobreviver por séculos mesmo submetida à intenso frio,os grandes centros de pesquisa médica começaram uma corrida em busca de uma amostra dessa curiosa forma de vida,pois,talvez por meio dela pudessem vender ás pessoas mais do que uma simples cápsula contendo a cura de uma doença,mas algo mais grandioso como a oportunidade de ter sua vida prolongada por milhares de anos.

No começo Alexander recusou a proposta,ele nunca se imaginou fora de sua cidade,do seu mundo particular onde permaneceu seguro por seus 23 anos de vida,porém após a ameaça de perder seu emprego,o que lhe dava uma vida boa e confortável sem grandes esforços,e principalmente ao ser questionado sobre sua incapacidade de ser útil a humanidade,Alexander cedeu,provaria a todos que ele não era o que aparentava.

Foi então que,após algumas longas horas de viagem,chegou ao aeroporto de Moscou,onde seu motorista lhe esperava,um senhor de meia idade que parecia ter o dobro de seu tamanho usando roupas pesadas que pareciam feitas de couro,por um instante invejou o homem,afinal as roupas eram horríveis,mas o frio parecia cortar a pele do seu rosto em mil pedaços e passava por sua jaqueta jeans e as quatro blusas de lã como se ele estivesse nú.

"Como alguém que estudou tanto como eu não imaginou que na Rússia faria frio?" pensou enquanto era conduzido até o carro.

Lá fora a situação se agravou,desprovido da cobertura do aeroporto a neve quase não permitia outra visão senão o branco,que cobria prédios,carros,outdoors e postes. Entrou no carro,onde por sorte teve a companhia de um ar condicionado que tornava o ambiente aquecido.Esperou no banco de trás por 20 minutos,enquanto seu motorista retirava a neve que cobria o carro,que a propósito tinha notado agora,ser azul.

Alguns metros depois,o veículo entrou em um túnel subterrâneo,onde via-se lojas,mercados e cinemas,como uma cidade subterrânea em meio a todo aquele gelo.

- Vocês são mesmo engenhosos. - disse ao homem que não entendeu nada,mas começou a falar sem parar a partir de então.

Algumas horas percorrendo a cidade,o carro começou a voltar á superficie,onde a vista se tornou assustadora,conforme percorriam as luzes começaram a ficar para trás,e a única coisa que se via era o que o farol do carro permitia,as formas de vida foram desaparecendo,e Alexander começou a ficar apreensivo.

2.VOLTANDO AOS FONES

Os minutos começaram a parecer horas,e o som da voz de seu motorista estava começando a dar dor de cabeça,a música era lenta,parecia estar sendo transmitida de algum show,ouvia-se juntamente o som de aplausos e aquilo foi se tornando mais agradável. Os olhos começaram a se fechar aos poucos,e o aquecimento do carro foi relaxando seu corpo,e ele caiu no sono.

Em seu sonho estava na Califórnia,deitado em sua cama ouvindo música,de repente o frio tomou seu quarto e os vidros de sua janela se quebraram. Ao longe viu a figura de uma pessoa se aproximar,e um grito ensurdecedor o acordou. A música havia parado,e seu telefone em contato com as ondas do rádio transmissor do carro fizeram um barulho agudo ecoar por seus fones,ele ergueu a cabeça assustado agarrando com força o banco do carro,não demorou muito pra notar que ainda se moviam e ainda seu motorista conversava com ele como se ele estivesse ouvindo.

- Quando vamos chegar?- perguntou ofegante ao homem alto,que virou-se para ele conversando e rindo.

Mas lá fora do carro,as rodas começavam a desobedecer a direção,o gelo tinha tornado as ferragens cada vez mais fracas,de repente as rodas se partiram,e o carro caiu em um penhasco.

Alexander só pôde prender a respiração enquanto via os vidros serem manchados de sangue,seria sangue dele? não havia tempo para despedidas,seu coração estava acelerado e seu cérebro estava consumido de medos e imagens de sua vida,morrer aos 23 anos não estava em seus planos,nem aquela viagem,nem aquela dor forte em seu peito,em seus ossos que sentia que aos poucos estavam congelando,pareciam se partir como gelo seco,e a dor se misturava a quiemadura do gelo com o fogo que agora saía do capô do carro. Não sabia mais se sentia frio ou calor,medo ou dor,não sabia onde estava nem ao menos pra onde ia,uma tontura súbita começou a cair sobre ele,as imagens até então nítidas começaram a sumir,e quando o lugar começou a parar sacudir e o carro parou de cair,a última coisa que viu foi seu motorista,antes sorridente e comunicativo,agora morto com uma barra de ferro que atravessava seu crânio de ponta a ponta,os olhos sangravam e parecia que sua face tinha se congelado em uma feição de pânico,dor e tristeza.

Será que ele também teria morrido? Já não sentia mais a dor de antes,não sentia mais o corpo,a respiração se acalmou e ele agradeceu por tudo ter acabado,finalmente seus olhos fechariam e ele ficaria em paz. Pensou.

Não sabia se haviam passado horas,dias ou semanas,quando acordou estava tudo branco,a nevasca de antes tinha se acalmado,estava tudo em silêncio,aquele lugar parecia uma grande folha de papel pronto para ser desenhado,um deserto de gelo sem qualquer forma de vida. Demorou um pouco pra ele se dar conta de tudo que tinha acontecido,ainda estava no carro,que por sorte não tinha se consumido em fogo por causa da nevasca. Seu amigo cadáver estava na mesma posição assustadora,o frio ja o havia mumificado,e Alexander se perguntava porque não teve o mesmo destino,talvez porque ele ainda tinha muito o que ver e fazer por lá.

Teria que sair daquelas ferragens,mas ao primeiro movimento que tentou fazer sentiu uma dor asfixiante,tentou gritar mas parecia estar congelado por dentro. Não havia o que fazer,ou tirava seu corpo daquele carro ou em pouco tempo acabaria como seu colega de desgraça. Juntou forças para puxar sua perna de uma vez só,a dor era insuportável,quando a perna saiu pensou ter deixado parte dela ainda presa,ficou feliz ao olhar pra baixo e ver que estava inteiro. Agarrou-se firme ao teto e com o outro pé dilacerou o vidro traseiro abrindo uma grande fenda,o frio ficou mais intenso e ele logo teve uma idéia. Saindo do carro com alguma dificuldade,puxou o outro corpo que o acompanhou,aquelas roupas pesadas ainda estavam inteiras e lhe serviriam para prosseguir.

Era dia,ao menos tinha luz,o calor do sol parecia não alcançar aquela terra tão distante da realidade,era difícil respirar e se mover,aos poucos ele aprendeu a se equilibrar e tentar alguns passos. Depois de umas horas caminhando,ele ainda conseguia ver o carro ao longe.

- Estou indo devagar,parece que não saí do lugar. Olá?!...Olá?!...Alguém aí?!!! - pergunta desesperado em busca de ajuda,mas tudo que ouvia era o som da sua própria voz.

- Por favor!!! Alguém me ajude!!

Estaria andando em círculos? Qual era a direção certa? Estava delirando...os braços e pernas pararam de obedecer,sentia estar sangrando,começava a ver coisas,miragens de casas e animais,ou seriam reais?...não importava,não conseguiria prosseguir tempo suficiente para descobrir,ao piscar os olhos as figuras mudavam de direção,menos uma,uma parede de gelo que se via ao longe iluminada pela luz do sol,parecia um cristal,Alexander resolveu seguir naquela direção mesmo não tendo certeza de que aquilo existia de fato. Cada passo era uma tortura,porém também uma vitória,estava indo em frente,ao menos alguns centímetros.

O último passo foi dado antes dele se deparar com aquela imensa construção feita pela natureza,era real afinal,e muito maior do que aparentava. As paredes formavam uma espécie de túneis,que se ligavam formando um lindo labirinto,porém assustador,parecia que a qualquer momento todo aquele gelo iria cair,mesmo assim Alexander resolveu adentrar a estrutura,afinal não estava em condições de escolher muito.

Apesar do medo,admirar aquelas paredes o distraiu,era o lugar mais incrível que tinha visto na vida,as paredes pareciam estar protegendo-o do vento lá de fora. Alexander caminhava lentamente,a dor era intensa,queria parar mas sabia que se o fizesse não levantaria mais. Conforme passava por aqueles pilares de variadas formas,ia-se ouvindo o barulho que o vento fazia por entre as fendas,ás vezes pensava estar ouvindo alguém cochichar,ouvia passos mas não sabia de onde,os sons se alternavam e ele se perdia num estado de esquizofrenia,olhava por todos os lugares e nada via além de gelo.

- Isso é impossível,estou ficando louco...por que temer um barulho que eu sei que está sendo fruto da minha imaginação?...que droga de criatura poderia se manter viva nesse lugar?

De repente ao longe ouviu-se um ruído de pedras caindo,o som ecoou pelas paredes tornando aquilo assustador.

- Vá embora!! Me deixe em paz!!- Gritou Alexander desesperado.Juntando forças que aparentemente não tinha,começou a correr,aprofundando-se mais naquela caverna de gelo.

Continua...

Rafaela Cristina Almeida
Enviado por Rafaela Cristina Almeida em 28/09/2016
Reeditado em 28/09/2016
Código do texto: T5775235
Classificação de conteúdo: seguro