Trago Seu Amor de Volta
Pepe tentava se aquecer do frio debaixo de sua jaqueta ao mesmo tempo que serpenteava por entre as marquises fugindo da chuva ácida que caia dos céus escurecidos e nublados do fim de maio. A megalópole Rio-Sampa já sofria a semanas com aquela chuva que manchava o concreto e oxidava qualquer metal exposto ao tempo. No noticiário diziam ser um efeito colateral das bombas atômicas utilizadas no norte da áfrica em uma guerra travada entre o Califado de Trípoli e a Confederação Subsaariana. Pepe sempre acompanhava os noticiários sobre a guerra já que seu emprego na fábrica de Kevlar dependia das encomendas daquele conflito. Naquele mesmo momento estava voltando do último turno de trabalho, no emprego que perderia hora ou outra, já que as guerras não duravam pra sempre e os direitos trabalhistas já não existiam a 3 décadas. Mesmo assim Pepe só conseguia se preocupar com uma única coisa…
Jerson o havia deixado no último fim de ano. Pepe sabia que o erro tinha sido seu, era uma pessoa egoísta, agora admitia que Jerson sempre estivera certo, Pepe havia sido egoísta até para aceitar os próprios erros. Queria pedir desculpas, assumir seus erros, queria Jerson de volta. Mesmo à noite as ruas sujas da cidade eram barulhentas e confusas com engarrafamentos aqui e acolá onde triciclos, carros elétricos e motonetas brigavam por espaço. Pepe estava prestes a descer para o metrô quando viu a sua direita uma placa escrita: “Trazemos seu amor de volta. Pague só após o resultado!”, a placa com os dizeres em led cercada por neon estava entre várias outras acima de uma entrada pequena que dava para um corredor do lado de uma pastelaria ainda aberta.
Pepe seguiu pelo corredor mal iluminado cheio de portinhas fechadas. Aquela era uma daquelas galerias em que se reuniam joalheiros, bicheiros, pequenas oficinas e afins, por trás de algumas portas podia até ouvir máquinas trabalhando e luzes acesas saindo das frestas, esmeris lixando delicadamente algum metal, máquinas de costura… logo ao dobrar a esquina do longo corredor deu de cara com uma porta aberta bem ao fundo, logo acima da entrada tinha uma plaquinha de madeira, feita a mão, onde dizia: “Mãe Cássia – A Deusa Cigana - Tarô, Búzios, Trabalhos e Simpatias”. Pepe entrou por uma cortina artesanal feita de conchas presas em fios de nylon. Havia uma mulher de meia idade assistindo TV enquanto fumava calmamente um cigarrilho.
- Boa noite - disse Pepe meio assustado.
A mulher se virou com um ar de surpresa.
- Olá - disse ela – em que posso ajudar?
- Vi seu anúncio, não que eu acredite nessas coisas…
- Não precisa acreditar em algo para ele ser real, querido.
Ela se levantou, ainda fumando, vários anéis super bregas quase em todos os dedos da mão, ela vestia um terninho cinza escuro e uma camisa por baixo cheia de babados que eram ainda mais bregas que os anéis. Pegou a mão dele sorrindo e Pepe viu que ela tinha dois dentes de ouro.
- Perdeu alguém que amava, querido?
- Sim – respondeu sem graça Pepe, meio que desconfiando da pergunta óbvia da cigana que possivelmente era uma charlatã.
- Seu namorado ainda gosta de você. Vai ser um trabalho fácil – ela disse ao dar duas batidinhas na mão dele antes de soltar.
Pepe por um momento ficou perplexo. Como ela sabia que ele tinha um namorado e não uma namorada ou marido ou esposa? Teria sido um chute? Ela começava a mexer em uma gaveta de um armário velho de madeira. A mulher tirou uma vela vermelha da gaveta cheia de bagulhos.
- O trabalho você só paga se ele voltar, mas a vela custa cinquenta milhões de reais e o pagamento é adiantado.
- Cinquenta milhões? Com isso compro uma caixa de bombons e um cartão!
- Não é uma vela qualquer. É uma vela perfumada de umbanda feita na Bahia. Cinquenta milhões.
Pepe torceu o nariz e pagou no cartão.
- Preciso de alguma coisa dele ou que te faz lembrar dele – disse ela.
Pepe retirou sua aliança de prata que ainda guardava no bolso e entregou a cigana.
- Depois de duas semanas volte aqui. Se ele não voltar pra você, pegue sua aliança. Se ele tiver voltado você me deve 500 milhões de reais e a aliança fica comigo.
Duas semanas depois Pepe volta até a Cigana e a entrega 500 milhões em dinheiro em um envelope pequeno de papel pardo. Na entrada do metrô passava em uma das telas perto da catraca o plantão do noticiário, dizendo que o Califado de Trípoli e a Confederação Subsaariana haviam assinado um cessar-fogo. Um frio subia pela espinha de Pepe, seu emprego era a única coisa mais o preocupava naquele momento.