Projeto Cidade Transversal - Lembranças...

O que é a vida? O que, possivelmente, poderia ser este pedaço da existência universal? Por vezes, sem entender, comparo ela com as ruelas que coexistem na Cidade Transversal, que, por meios que nunca consegui compreender por completo, mudam a todo momento e, assim, não consigo me adaptar completamente.

As ruas, ruelas, avenidas, calçadas do lugar muitas vezes estão cheias de vida, risos, choros, gritos, vozes, murmúrios, sussurros dos mais diversos tipos. Alegria, tristeza, penúria, raiva e outros que eu não consigo explicar por meras palavras, mas que estão ali.

Outras tantas vezes o local está completamente deserto, em todos os sentidos, como se o vazio fosse tão pujante que seria possível até mesmo cortar com uma faca, se tivesse uma em mãos. O sentimento ali existente, ou na verdade inexistente, coexiste com a eterna mudança e, destas, muitas vezes vemos fazer com que tudo desapareça diante de nossos olhos.

E o que podemos fazer acerca disto? Nada, pois mudanças são inevitáveis, seja elas as previsíveis, sejam aquelas que não e vemos como tudo ao redor se afeta com isto. Paisagens antes bens comuns para o nosso espirito, para o nosso coração, são apagados de uma forma tão rápida quanto elas apareceram e ali permaneceram por um tempo que antes parecia indeterminado.

Não sabemos o que fazer quando isto acontece. Se gritamos para que nada suma, como se tivéssemos quaisquer tipos de influência, algum tipo de autoridade acerca do destino das coisas. Se nos ajoelhamos e imploramos que isto não aconteça, não as nossas vistas, não no momento que, com aparente educação, as mesmas parecem nos pedir para que sejam apagadas de nossas mentes como se nada nunca tivesse acontecido, assim nem mesmo sendo lembranças. Se apenas ficamos calados e assistimos impassíveis, incólumes e nada dizemos ao mundo, pois este não nos ouvira, sobre as angústias, do rasgo que penetra o nosso coração com a destruição ao nosso redor.

A Cidade Transversal é eterna, perpetua e continua e ela não se convalesce com ninguém. Nos trata de uma forma, por vezes como uma mãe, amor maternal, outras, perniciosa, como uma droga que injetamos em nossos corpos e ficamos viciados, e, outras vezes, como uma prisão, onde devemos pagar por nossos pecados. E, enquanto a mesma permanece ali, eterna, nós, os moradores, permanentes ou temporários, mudamos como nunca.

As vezes as lições são dadas nas ruas, outras numa casa, num apartamento, num campo aberto. E delas, temos de tirar algum proveito, ou nenhum. Porque, algumas vezes, não podemos escolher o que podemos aprender e o que acabamos por ver, a frente de nossos olhos, acabam por virar meras lembranças.

E quem não tem medo de ser apenas mais uma lembrança? De algum vagar de uma sugestão de memória de algo que aconteceu? Assim como a vida, é o que acontece na Cidade Transversal. Tudo o que fazemos lá, por lá fica, e tão perene como um rio no deserto, as evidências de nossas desventuras no local tornam-se vãs ideias que só serão lembradas por aqueles próximos a sua pessoa e, às vezes, sequer isto.

Enquanto eu fico aqui sentado na calçada de uma das milhares de ruas da Cidade Transversal, vejo as memórias evidenciais desaparecer, uma a uma, criando-se uma nova realidade que vai sobreviver ao local, pois o mesmo precisa ter um desdobramento, um desligamento, por completo, das coisas que foram. Sinto, a cada mudança, um corte profundo na existência do meu ser, onde as marcas estão ali, não provisórias, mas perenes, pelo resto da minha existência.

Após cada mudança meticulosamente feita, levanto-me e percebo que não adianta gritar sobre os eventos e lugares que ali existiam, porque, da minha boca, não saiam as palavras, como se elas estivessem presas no mundo das ideias e da loucura. Eu sei que elas existiram, mas, para aquele mundo, aquela cidade, aquele local, tudo o mais era proibido. As pessoas que próximas ali passavam, tentava perguntar onde estava uma bela estátua que fora erguida ali, mas as palavras não saiam e era taxado de louco. Um nó. Uma dor. Um negrume, um pesar.

A desconstrução da existência pode ser algo belo para filósofos que tentam entender cada ponto da mesma, mas, para nós, pessoas comuns, é algo completamente pernicioso e vã. E cá estamos, num mundo cheio de vida e vazio de lembranças, que é a Cidade Transversal.