Kraken à solta

Chegou num átimo à cabine de voo. Pelas janelas panorâmicas, ao ver o que o destino lhe reservara, sentiu um calafrio de pavor subir-lhe pelo corpo. Aquilo não podia ser verdade!

- Um Kraken! - Exclamou.

A imensa massa que se aproximava dele, lenta e inexoravelmente, brilhava como mercúrio líquido à luz difusa do hiperespaço. Lembrava um oval grosseiro com talvez um quilômetro de comprimento, de cuja extremidade frontal projetavam-se centenas de longos "tentáculos" metálicos que rodeavam uma "boca" central. Os tentáculos começavam agora a se distender em sua direção. Decididamente, não era um bom sinal.

Ajustou o transmissor para a frequência do Posto Avançado Novaya Zemlya 4 e transmitiu sua mensagem final:

- Fala o Pioneiro Dmitry Alekseev, do "Mensageiro das Estrelas". Estou à deriva no hiperespaço, após desligar o transponder conforme instruções recebidas. Infelizmente, fui localizado por um Kraken e não terei tempo hábil de religar o sistema de navegação. Vou ejetar o gravador de voo e me preparar para o impacto.

Pensou na mãe, morta há tantos anos, e na alienígena denominada Sylvie, que aparecia habitualmente em seus sonhos. Pelo menos, não precisaria se despedir de ambas. Em seguida, recolocou o capacete do traje espacial e digitou alguns comandos no computador de bordo. Sentiu um ligeiro solavanco quando uma carga explosiva lançou para longe do "Mensageiro das Estrelas" o gravador de voo, dentro de sua embalagem protetora. Acompanhou durante alguns instantes o pequeno bloco vermelho, enquanto ele se afastava revoluteando da nave, e depois concentrou-se na massa de tentáculos prateados que se estendiam em sua direção. Uma estranha paz o invadiu. Já não havia mais nada que pudesse fazer, a não ser, esperar.

Ouviu algo raspar contra o casco da cosmonave, à medida em que os tentáculos começavam a envolvê-la. Provavelmente, em mais alguns instantes, o "Mensageiro das Estrelas" seria completamente esmagado.

* * *

- Pensei que Krakens só existissem na mitologia nórdica - ponderou Mark Bergson, batendo ritmadamente com a caneta no relatório à sua frente.

Do outro lado da mesa circular, o marechal Aksakov olhou-o por cima dos óculos de leitura.

- Este Kraken de que estamos falando é bem real, Bergson.

O progressor Yablonsky reforçou o argumento:

- Os Krakens do hiperespaço não são monstros mitológicos, representante Bergson. Sua existência foi documentada já nos primórdios de nossas incursões pelos túneis de manutenção, e está ligada ao desaparecimento de pelo menos meia dúzia de cosmonaves nos últimos 150 anos. As circunstâncias da desaparição do Pioneiro Dmitry Alekseev nos levam a crer que se tratou efetivamente da ação de um Kraken. Aliás, em sua última mensagem para o Posto Avançado Novaya Zemlya 4, ele aludiu especificamente a isto.

- E quais foram exatamente estas circunstâncias, progressor? - Indagou Bergson.

- O Pioneiro Dmitry Alekseev foi induzido a desligar o transponder de sua nave, em pleno hiperespaço - explicou Yablonsky. - Infelizmente, como já sabíamos há mais de um século, isto funciona como um chamariz para os Krakens.

Bergson franziu a testa.

- Se sabíamos, como ainda assim ele assinou a própria sentença de morte?

- Isso é informação classificada, representante - disse Yablonsky com voz cansada.

- Ou seja, nem o Pioneiro nem quem deu a ordem sabiam deste... pequeno detalhe? - Indagou Bergson, sobrancelhas erguidas.

- Lamentavelmente, não, representante - apressou-se a explicar Yablonsky. - Entenda: manter esta informação classificada nos dá uma vantagem estratégica para quem queira usar os túneis de manutenção sem o nosso consentimento. Mesmo que saibam da existência do transponder, provavelmente vão imaginar que se trata apenas de um instrumento de rastreio - e só. Essa, aliás, é a versão oficial...

- ... e assim, ao não usar o transponder se tornarão iscas de Kraken - finalizou o marechal Aksakov.

Bergson olhou em silêncio para seus interlocutores antes de responder:

- Prezados, eu só espero que o motivo para a perda do Pioneiro e sua nave tenha sido de capital importância. Mesmo assim, vou recomendar a formação de uma comissão de inquérito para averiguar o caso. Mesmo que seja apenas pró-forma.

- Naturalmente, representante Bergson - aduziu Yablonsky em tom conciliador.

[29-03-2016]