O Sonho de Hitler
Após Adolf Hitler detonar duas bombas atômicas – Nova Iorque e Moscou – o grande líder nazista estabelecera o Triunvirato Alemanha-Italia-Japão que agora governava o planeta. A parte do butim reservada ao Reich foi a maior das três. Compreendia toda a América, Europa e Rússia. A África ficara para a Itália e o sul da Ásia e Oceania para o Japão. Os três governavam suas respectivas colônias em um sistema similar que combinava escravidão, genocídio e esterilização em massa das antigas populações locais.
Ernest era descendente de brasileiros de sangue alemão. Soubera pelo pai que havia tido um bisavô negro, o que justificava seus cabelos meio encaracolados. O Reich teve de flexibilizar a aceitação de mestiços com um pouco de sangue alemão para engrossar suas fileiras de privilegiados na administração das colônias que, mesmo após os genocídios, haviam uma relação de 50 sub-humanos para cada alemão. No fim da Segunda Guerra a Alemanha Nazista teve toda uma América para colonizar e, para isso, precisava de cidadãos. Eis que o bisavô de Ernest, mulato, vagabundo, bêbado e viciado em truco, passou de marginal carioca a cidadão do Reich após o censo nazista de 1946, gozando de todos os privilégios do título.
Ernest era Oficial do 3º Batalhão Logístico das Volksturm – tropas coloniais nazistas – e atuava contra os insurgentes que agora infestavam a Amazônia. Aqueles subversivos foram deixados de lado durante anos e apenas combatidos por meio de bombardeios esporádicos da Luftwaffe. Surgiram a partir de grupos de sub-humanos brasileiros que fugiam dos campos de concentração ou da servidão privada nas cidades coloniais. A administração nazista, no entanto, estava com problemas pois a nova ferrovia interamericana estava sofrendo sabotagens desses guerrilheiros e discussões acaloradas no Reichstag (parlamento nazista) culpavam a administração local sul-americana por sua negligência com os insurgentes.
Na prática, a guerrilha só atuava na Amazônia. O resto da América do Sul estava pacificado a décadas. Os cidadãos nazistas tinham um alto padrão de vida e exerciam tão somente cargos no Estado ou a atividade empresarial. A capital da colônia era o Rio de Janeiro, um ponto comercial e turístico que, nesse último quesito já perdia espaço para o nordeste que atraía turistas inclusive da Itália Fascista e do Império do Japão. A região central e sul do que era o antigo Brasil agora era ocupada por extensas plantações e rebanhos de gado. O norte do Brasil agora era uma área quase intocada, salvo o perímetro da cidade colonial de Manaus e as margens da recém-inaugurada Ferrovia Interamericana, frequentemente sabotada pelos insurgentes que eram uma pedra no sapato da administração colonial.
Ernest, no entanto, tinha uma relação própria com aqueles grupos, mais notadamente o “Novo Palmares” que era a maior guerrilha dentre as que resistiam aos nazistas. Ernest, por trabalhar com as linhas de suprimento das tropas coloniais alemãs, tinha acesso a todo tipo de armas e equipamentos militares e tecnológicos, os quais vendia a altos preços para os insurgentes sub-humanos que pagavam com o ouro garimpado nos rincões da grande floresta amazônica. Ernest estava em uma cervejaria em Manaus, sede do 3º Batalhão Volksturm no qual fazia parte, quando um sub-humano vestido de garçom acendia um cigarro na porta de um dos banheiros. O sub-humano em questão era o servo privado do dono da cervejaria e, também, um contato de Ernest com os insurgentes. Ernest vai até o garçom que agora acabava de entrar no banheiro.
- Estou com as 50 comunicadores por satélite. Tenho ainda 400 fuzis modelo Gewer87 – disse Ernest ao ensaboar as mãos e abrir a torneira.
- E os Jammers – perguntou Pablo ao também ensaboar as mãos.
- Não tenho. São prioridade do Coronel, as nossas tropas já reclamando a falta deles.
- Havíamos combinado os jammers – respondeu pelos dentes o garçom já meio irritado.
- Eu sei, mas é só o que tenho agora.
- Pagaremos só metade então.
- Dois terços. Conseguirei dois jammers mês que vem.
- Não. Nós não…
A porta estava sendo aberta. Um cidadão, funcionário da cervejaria entrava.
- O que faz aqui, Pablo?
- Senhor…
- Esse banheiro é exclusivo para cidadãos. O banheiro dos sub-humanos é lá fora. O que faz aqui.
- Desculpe-me senhor…
- Eu o chamei – disse Ernest – a descarga de um dos vasos havia disparado.
- Ahh. Desculpe o transtorno. E… já foi resolvido o problema?
- Sim.
- Nunca tivemos esse tipo de problema. Depois irei verificar com algum bombeiro. Novamente, desculpe o transtorno.
- Nah. Sem problemas – disse Ernest ao enxugar as mãos.
O funcionário da cervejaria vai embora depois de olhar mais uma vez para Pablo que estava de cabeça baixa. Pablo antes de acompanhar o funcionário deixa um bilhete com Ernest escrito: “Hoje, 03:00, ao lado da ponte, km 890 da ferrovia”.
Ernest paga a conta direto no balcão e dirige-se até seu Jaguar K3 no estacionamento. O cansaço do dia cai sobre ele após sentar no confortável banco de couro do sedã fabricado pelas mãos sub-humanos nas fábricas de Detroit. Com preguiça de tirar o telefone portátil do bolso, liga o do carro que seguia rapidamente pela autobahn, a rodovia impecável que ligava Manaus ao resto da colônia.
- Boa noite, senhor Ernest – diz a voz eletrônica da secretária.
- Disque para Marcus e Hermann. Chamada conjunta.
- Sim senhor. Aguarde.
- Alô – Marcus atende primeiro.
- Marcus, entregaremos a carga hoje, as três.
- Certo.
- “Alou” - atende Hermann logo em seguida, parecia estar meio bêbado, provavelmente em alguma cervejaria de Manaus.
- Hermann, a entrega é hoje, as três.
- Onde vai ser? - pergunta Marcus.
- Na ponte ferroviária. Mas encontrarei vocês no batalhão daqui a uma hora.
Ernest desliga sem se despedir. Marcus e Herman eram sargentos da mesma unidade de Ernest e estavam no negócio. Ambos eram responsáveis pela guarda do paiol do quartel e se revezavam na função durante a semana. Cada um deles tinha sua própria relação com seus subordinados de modo a permitir que as armas e equipamentos saíssem do Batalhão sem que o comando tomasse conhecimento.
Quando Ernest chega no quartel o caminhão Mercedes modelo Jupiter já estava saindo com Marcus no volante. Hermann chega logo em seguida em seu Volks. Os três na cabine seguem em direção a ponte onde 12 dos guerrilheiros já estavam esperando em duas antigas pickups americanas da época da grande guerra e motos de fabricação japonesa.
- Estão vinte minutos atrasados – diz Aloísio, com uma pistola Beretta em uma das mãos.
- Tivemos alguns contratempos, responde Ernest.
- Está tudo aí?
- Sim. Menos os jammers.
- É, o Pablo disse.
- Combinei com ele dois terços agora e o resto quando trazer os jammers – diz Ernest já descarregando os pacotes de comunicadores satélite do caminhão.
- Ele disse metade – diz Aloísio.
- Perfeito, metade agora, metade depois – diz Ernest depois de olhar para os 12 guerrilheiros armados com pistolas automáticas e submetralhadoras e seus dois companheiros, um deles bêbado.
Os guerrilheiros logo descarregam o caminhão. Aloísio entrega Ernest uma bolsinha de tecido.
- Tem 800 gramas de ouro aí.
- Ok, vou pesar depois.
- A bolsinha pesa 30 gramas - diz Aloísio, cofiando o bigode.
- Certo.
Os dois apertam as mãos. Os guerrilheiros cruzam a ponte ferroviária e depois seguem por uma trilha na floresta. Ernest e seus dois companheiros seguem de volta pelo mesmo caminho em direção ao quartel. O pagamento era divido em metade para Ernest e ¼ para cada um dos seus colaboradores.
Dois dias depois, Ernest, indo para o trabalho no quartel, escutava no rádio do carro que os guerrilheiros haviam sabotado novamente a ferrovia, explodindo os trilhos em 4 pontos diferentes. Aquela era uma notícia comum. Ernest em seu Jaguar K3, com bancos de couro branco e painel de sucupira, já planejava sua baixa no Batalhão e uma aposentadoria antecipada. Já havia comprado uma mansão no Rio de Janeiro e preparado o divórcio com Evelyn. Seria, em breve, um homem feliz.