A Cabeça de Cristo

Flavinus posicionara a XX Legião – Valeria Victrix – como reserva de sua força principal compreendida por três legiões romanas e um corpo auxiliar de cavaleiros númidas. Os hebreus ocupavam um monte com suas tropas formadas em sua maioria por lanceiros recrutados na Judeia e um grupo de mercenários gálatas que fazia o papel de reserva. As forças oponentes eram semelhantes em número, mas a qualidade superior das legiões romanas era incontestável. Flavinus sabia disso e estava confiante mesmo com os hebreus ocupando uma posição defensiva que era bastante vantajosa.

Jesus Cristo era o líder dos judeus. Flavinus pouco sabia sobre ele, pelo que constava era um sacerdote levado ao trono por seus seguidores fanáticos. Após o assassinato do Rei Cliente Herodes, Cristo foi proclamado o Rei dos Judeus e aquela região que já era turbulenta fugiu do controle de Roma. Flavinus foi logo incumbido pelo Imperador de sufocar a revolta. Tinha certa experiência e acabara de participar de uma campanha no norte da Gália contra bandidos que prejudicavam o comércio do âmbar que saía da Britânia. Foi convocado pelo imperador logo após liberar as estradas da Gália daqueles bárbaros germânicos. Seguiu com a sua legião para a província da Judeia, reunindo com as duas legiões lá estacionadas, bem como seus excelentes cavaleiros auxiliares númidas, logo após desembarcar no porto de Cesareia.

A manhã estava fresca apesar da usual aridez da Judeia. Flavinus ordena o início do ataque com as duas legiões VI – Ferrata – e X – Fretensis - avançando simultaneamente em direção a posição defendida pelos hebreus. A infantaria romana após uma curta mas difícil marcha no terreno acidentado, dá início a ação com uma chuva de pilos (lanças de arremesso) seguido de um ataque frontal contra os hebreus. Os soldados do exército de Cristo estavam em sua maioria equipados com lanças e escudos simples, quase nenhum possuía armadura ou elmo, ao contrário dos legionários romanos armados com a eficiente dupla: gládio e escudo e bem protegidos com suas malhas de aço e elmos de metal. O início do confronto é marcado por um equilíbrio de forças e um empurra-empurra entre as primeiras fileiras de ambos os exércitos. Após algum tempo os gládios e a disciplina dos romanos começam claramente a colocar a batalha a seu favor. Os corpos desprotegidos dos heróis hebreus eram facilmente perfurados pelos gládios romanos que funcionavam mais como punhais do que como espadas. Os hebreus pouco podiam fazer com suas lanças que, quando conseguiam evitar os escudos do inimigo, muitas vezes eram anuladas pelas malhas de aço das armaduras romanas.

Flavinus, na retaguarda, vê um dos comandantes inimigos, talvez um chefe mercenário gálata, fazer um movimento brusco com as mãos. Ao seu lado, vestido de branco, montado em um cavalo estava provavelmente Jesus Cristo, o rebelde da Judeia que tanto trabalho estava dando aos romanos. Logo a reserva inimiga lança um ataque no centro da linha romana, justamente a que mais havia avançado até o momento. Os mercenários gálatas, ao contrário de seus companheiros hebreus estavam bem armados com elmos de bronze, armaduras, escudos, espadas e machados. A reserva do “Rei Judeu” atacou ferozmente o centro da linha romana que apesar de resistir bem, teve seu avanço contido. Flavinus vendo aquela situação logo ordena que duas coortes de sua legião reserva marchem em direção aquele setor da batalha.

A XX legião – Valeria Victrix – fora a origem da carreira de Flavinus que, antes de receber o título de Legatus, serviu nela como Tribuno. Flavinus tinha uma grande afinidade com a “valente e vitoriosa”, que ele considerava uma verdadeira família. As duas coortes da reserva romana chegam rápido à batalha e os mercenários gálatas entram em debandada pouco depois do choque com os romanos que vieram em socorro dos seus companheiros. Vendo os mercenários em fuga, os hebreus percebendo o desastre iminente também fogem, sendo perseguidos pelos legionários em direção ao bosque de cedros que ocupava o cume e a parte detrás do monte onde acontecia a batalha.

Flavinus, já previa o resultado da batalha, não havia outro esperado quando um exército profissional enfrentava um exército de rebeldes inexperientes, por este motivo havia posicionado sua cavalaria auxiliar númida no bosque de cedros próximo da retaguarda dos hebreus. Os cavaleiros númidas ao verem a debandada dos hebreus, partem para a perseguição com o objetivo de matar o máximo possível de rebeldes em fuga e se possível, capturar ou matar seus líderes, em especial o “Rei Judeu”.

No cair da noite Flavinus estava conversando com um Centurião próximo a uma fogueira acesa, no acampamento montado perto do campo de batalha. Sua tenda estava sendo usada para acomodar alguns feridos mais graves e ele provavelmente deveria dormir ao relento naquela noite. Um grupo de cavaleiros númidas se apresenta a Flavinus com um prisioneiro ferido e com as vestes brancas rasgadas e manchadas de sangue.

- Senhor, conseguimos capturar esse aqui vivo. Parece ser o líder dos hebreus, senhor.

- Como o pegaram?

- Estávamos perseguindo os que estavam em fuga já a algumas horas, foi quando vimos ele e um grupo a cavalo a meio quilômetro de distância. Logo os alcançamos.

- Está vendo, Cornelius – disse o General ao amigo Centurião presente – por isso o Império usa cavaleiros númidas. Bom trabalho, capitão.

- Obrigado, senhor.

- Tem muitos dos seus ainda na perseguição?

- A maioria já está voltando, senhor, dei ordem para que continuassem só até o cair da noite.

- Certo, pode ir descansar com seus homens.

- Sim, senhor – disse o capitão númida ao se despedir.

- Cornelius, creio que se tivéssemos alguns cavaleiros desses númidas na Gália teríamos acabado com aqueles bárbaros ainda no outono passado.

- Verdade, senhor, aqueles cavaleiros celtiberos que nos enviaram eram uns moleirões.

O prisioneiro gemia no chão seco da planície da Galileia. As chamas da fogueira iluminavam o sangue que escorria dos ferimentos produzidos provavelmente pelos dardos e espadas númidas.

- Você, pegue-o e coloque-o encostado naquela árvore ali. Disse Flavinus ao legionário que estava mais próximo.

O soldado cumpre prontamente o que foi ordenado. Pega o corpo magro e machucado do homem proclamado como Rei pelos hebreus. Um gemido baixo sai da boca do prisioneiro flagelado.

- Então você é aquele que chamam de rei dos judeus – diz Flavinus em uma pergunta meio retórica.

- Eu sou o filho de Deu… - um gemido sai da boca do prisioneiro e, antes que ele termine a frase, uma golfada de sangue sai da sua boca e escorre para o seu peito que arfava desesperadamente na tentativa de atrasar a morte certa.

O legionário que estava ao lado segura o corpo de Cristo que, sentado, tombava para o lado em direção ao chão. Ao colocar de volta na posição inicial ele percebe que o hebreu estava morto.

- Acho que está morto, senhor - diz o legionário ao colocar os dois dedos no pescoço do prisioneiro.

- Hmm – resmungou baixo o general.

- O que faremos com o corpo? - perguntou o centurião Cornelius.

- Cortem a cabeça e coloquem em uma lança. As ordens do Imperador são para exibirmos em Jerusalém quando chegarmos lá.