Feliz Natal, Anne !......* (traduzido)
FELIZ NATAL, ANNE !*
Como nos últimos dias, Anne estava olhando o álbum de recordações. Estava meio desanimada mesmo sabendo que poderia estar fazendo algo ou planejando mil coisas para a noite de Natal.
Seus pais já haviam ligado para almoçar, lá fora estava ventando e o sol brilhando. Parecia bobeira, mas lembrava-se de como adorava estender as roupas no varal, sentir aquela brisa, o sorriso acendendo uma outra vontade de inventar outros afazeres.
Colocou um cd para ouvir, e ficou pensante, olhando para o teto. Já haviam se passado horas, e era noite. Resolveu colocar um agasalho e caminhar. Enquanto perambulava observando as luzes dos postes ouviu alguém gritar seu nome. Olhou para trás e nada. Devia ser fruto da sua imaginação ou a quietude da noite lançando ecos vindo de longe. Sentiu um calafrio, mas resolveu continuar a andança. E do nada começou a serenar, deu meia volta e direcionou seus passos de encontro ao refúgio. Um banho quente ia fazer bem, depois, quem sabe tomar algo e beliscar umas bobeiras antes de dormir.
Um carro parou ao seu lado enquanto voltava e uma figura estranha abriu a porta com um sorriso malicioso. Um medo sem fim fez seu coração bater em pane e saiu correndo.
Depois disso não se lembrava de mais nada.
Uma luz forte lá na frente fez seus olhos se fecharem e quando isso aconteceu era como se adormecesse. Quando despertou estava em outro lugar. Sentia que as pessoas a olhavam de modo estranho, então percebeu as vestes, totalmente diferentes, os tecidos, a forma como as mulheres prendiam seus cabelos. Não era possível. Só podia ser sonho.
“ Claire ! Claire ! Você voltou ? Onde estão seu pais?”
“ Claire... Como assim, Claire ?” (...) . “Céus, mas o que está acontecendo? Não entendo, não sou Claire... Deve estar me confundindo com alguém., Senhor...”
“Claire, sou eu, Graham. Não é possível que tenha esquecido... Você e eu éramos apaixonados, mas como eu não tinha terminado a faculdade, e já haviam prometido sua mão a William, pensei que haviam se mudado para os preparativos. Nunca mais tive notícias suas. Isso já faz quatro anos.”
“Escute, pode parecer um absurdo, mas veja minhas roupas. Não sou daqui, não está vendo que estão até olhando para mim de modo estranho?”
“Venha comigo, não tenha medo, enquanto isso conversamos, está bem?”
Uma luz forte veio de novo de encontro e seus olhos se fecharam. De novo aquela espécie de sono.
“Acho que ela escorregou e caiu. O senhor mesmo diz que os exames não acusam nada grave. Um coma. De uma hora para outra pode despertar.”
“Tudo bem, Solange. Não encontraram nada como um telefone de alguém para entrar em contato e avisar onde ela está? Alguém da família precisa saber...”
“Nada, Dr. Luigi... Nada. Ela parecia estar perto de casa, por isso estava sem documentos, apenas chaves do local onde mora, creio.”
Os olhos de Anne se abrem novamente. O mesmo homem que encontrara, e o sonho ainda continuava.
“Que aconteceu?”
“Não sei, quando chegamos aqui, você desmaiou. Está melhor agora?”
“Esses quadros, fui em quem pintou...” – fica surpresa enquanto olha em volta e nota um retrato antigo. Uma família inteira unida para deixar uma memória. E entre todas as pessoas viu um rosto parecido com o seu.
Uma menina negra, com um laço bem feito preso aos cabelos, os sapatos que haviam comprado para ela. Estava no seu colo segurando uma boneca de pano, feita por Claire ou Anne, já não sabia mais quem era.
“Ela se foi, não?”
“Sim, não resistiu à febre... Acho que se lembra. Fizemos o possível para cuidar dela. Até seus pais que não queriam ficar com ela em casa. Lembra quando Else disse que queria que casássemos para sermos seus pais?”
“Sim, Graham... Pode ser loucura, mas não sei como começar a lhe explicar o que se passa aqui dentro de mim. Estou confusa.”
Anne começou a explicar as últimas lembranças. Onde vivia, qual o seu nome agora. Não pintava mais, mas havia feito alguns ensaios. Disse que havia se casado e perdera o marido num acidente. Tinha um trabalho, coordenava um grupo de assistentes sociais. De alguma forma sentia que tinha que voltar. Um trabalho a terminar. E ao mesmo tempo, a memória voltando, mas para um lugar diferente. Sentindo algo por alguém que conhecera. Seus olhos começaram a se encher de lágrimas. Graham continuou a ouvir. Dois braços se abriram, e Anne se sentiu mais segura.
Outra luz forte de novo...
“Dr. Luigi, recebemos um telefonema de uma pessoa. Uma mulher. Perguntou por uma pessoa com o nome de Anne. Descreveu-a . Parece que conhece a pessoa que está em coma.”
“Ela está vindo pra cá?”
“Sim, está, doutor.”
“Vai ser bom ter alguém do lado dela para conversar. Quem sabe, ela volte do coma...”
Os olhos de Anne se abriram novamente.
“Claire, está tudo bem?”
“Graham, eu sinto que vou ter que voltar. Mas estou tão feliz por estar aqui de novo. Ver meus quadros aqui. As cartas que escrevi para você. Promete para mim que vamos nos encontrar de alguma forma. Ou que vai me esperar em algum lugar. Me mande sinais. Por favor...”
“Eu prometo. Olhe, está vendo tudo aqui? Procure se lembrar de tudo que viu aqui. Procure se lembrar do que vivemos. Vai ficar tudo bem, entende? Você vai achar algo que traga recordações daqui, está bem?”
“Sim, eu vou sentir muito a sua falta. Talvez seja por isso que sentia um vazio algumas vezes mesmo estando feliz casada. E ficou pior quando ele morreu. Mas tenho as crianças agora me esperando...”
Outro clarão...
“Dr, Luigi ! A paciente acordou, quer vê-la?”
“Sim, a mãe dela também está por perto?”
“Está lá, não vejo a hora de contar para a mãe que ela voltou. O senhor também não vai acreditar. Um bando de crianças ligaram para o hospital para saber o que aconteceu com ela. Mandaram uma carta com as assinaturas de todos, não é maravilhoso?”
“Sim, ela deve ser muito querida...”
A luz do clarão começou a se fechar lá atrás. Agora podia sentir isso vagarosamente, em silêncio. Estava sentindo paz. Olhou para frente e prosseguiu para voltar ...
“Bom dia ! Sou o Dr. Luigi. Você estava sob nossos cuidados, havia entrado em coma. Deu um bom susto num monte de crianças. Se lembra delas, Anne?”
“Sim, quanto tempo fiquei assim, doutor?”
“Dois dias, três até a madrugada de hoje... Olhe, tem uma carta aqui para você. Acho que é do local onde trabalha. Sentiram sua falta.”
“Puxa, não sabe como é bom estar de volta, e ainda mais com esse presente. Obrigada, muito obrigada.”
“Imagine. Bem, estou só esperando o resultado de mais um exame e enquanto isso vou deixar sua mãe entrar, tudo bem?”
“Sim, quero muito falar com ela. Deve estar preocupada...”
A volta para o trabalho foi revigorante. Sentia as coisas com mais sabor. Mas ainda se lembrava do que aconteceu. Queria falar com alguém, mas achava que iam chamá-la de lunática.
Junto com as crianças terminaram os preparativos para os enfeites de Natal. Os ensaios do coral continuavam. Algumas mães como sempre vinham ao seu encontro para saber de seus filhos e aproveitavam para perguntar se estava bem.
Chegou em casa cansada. Ainda tinha que abrir as cartas, ler alguns relatórios. A campainha tocou. Ficou imaginando quem devia ser àquela hora. Ninguém havia ligado durante o dia.
Era Dr. Luigi. Estava com um olhar meio sem graça. Desta vez sem a roupa branca, apenas uma camisa pólo e calças jeans.
“Boa noite, Anne. Será que poderia falar com você um minuto?”
“Bem, agora que você está com roupas normais, acho que não vai ser pra dizer que amanhã vai ser meu último dia de vida, não?” – Risos... – “Por favor, entre...”
“Quer um café, água, suco, desculpe, ... nem sei o que dizer.”
“Bem, eu também. Mas o que me trouxe aqui foi algo que me deixou curioso.”
“Curioso?”
“Sim. No final de semana passado fui visitar meus pais e eles me disseram que o padrinho do meu pai estava nos esperando para jantar . É médico como meu pai e eu. Pela primeira vez, senti que ele queria dizer algo, e tive o prazer de conhecer seu ateliê, assim como sua biblioteca. Parece que ele projetou todo o local com cuidado pensando em cada coisinha que iria colocar lá, sabe. E então eu vi uma foto antiga de uma família inteira reunida. Você vai achar estranho, mas havia uma moça na foto. Parece muito com você. Até o jeito de olhar. Perguntei a ele de onde era a foto. Ele disse que era uma recordação do pai. Pediu que guardasse com muito carinho pois ele confessou ao filho que fora apaixonado por ela. O pai não era daqui. Era inglês. Fiquei fascinado com o que me contou. Eram muito amigos pelo jeito.”
“E...”
“Eu lhe falei que havia uma pessoa no hospital alguns dias atrás que se parecia com ela. Os olhos dele brilharam. Parecia que ele tinha algo mais para dizer. Perguntou se podia levar você lá. Insistiu muito. Até meus pais ficaram curiosos...”
“Ele disse o nome da pessoa para você?”
“Não, porque ele me fez prometer que conseguiria te convencer a ir lá. Você aceita?”
“Bom, tenho o seu nome, o hospital onde trabalha, e mais informações suas. Creio que não vou ter que sair correndo de perto do seu carro também.” – Risos.
“Amanhã é domingo e não tenho plantão. Pode ser pela manhã bem cedo? São duas horas até lá.”
“Tudo bem. Posso ir. Também estou curiosa.”
O espelho refletia a imagem de uma mulher com os cabelos castanhos escuros e longos. As crianças diziam que ela ficava melhor com eles soltos, e quando podiam brincavam lhe fazendo penteados. Anne sorria com a pureza delas. Sua pele estava um pouco pálida, em contraste com os cílios escuros e compridos. As pontas das madeixas eram escovadas, mas deixavam evidentes que ficavam mais bonitos quando o sol batia e o vento podia brincar com elas. Bem, era hora de passar um batom. Afinal de contas estava indo para um lugar um tanto quanto diferente. E se sentia meio insegura, não sabia porquê.
Dr Luigi, ou melhor, Luigi, como ele havia pedido para lhe chamar, chegou pontualmente.
O trajeto para a cidade onde iam era calmo. Ou então a atmosfera havia se transformado em tudo mais sereno desde que voltara a si. Conversaram sobre várias coisas desde a infância até quando se formaram, e mais tarde o trabalho, o dia a dia. Pela forma como contava sua vida parecia gostar muito do que fazia.
Luigi contou que não faltava muito para chegar. De repente ficou em silêncio. Anne respeitou , mas num momento perguntou porque estava quieto, pensante.
“Eu cuidei de uma criança como você também. Ela foi atropelada tentando fugir da casa dos pais que queriam adotá-la. Não podia ficar com ela a menos que forjasse um casamento mas mesmo assim levaria um tempo.”
“Eu sinto muito...” – Luigi baixou os olhos, respirou fundo, depois olhou para Anne e sorriu.
Um senhor que estava sentado numa cadeira de balanço levantou-se quando viu o carro chegar. Daquela distância podia ver que era alto e magro. Caminhava em passos lentos, e estava observando-os de longe.
“Luigi, meu filho... Acordei bem cedo e fiquei aqui um tempo na varanda pensando na vida.”
“Anne, este é o Sr. Edwards.”
“Oh, por favor, me chame de Richard. Passei muitos anos com os ouvidos cheios de tanto me chamarem pelo meu último nome. Deviam achar charmoso como a minha pessoa é claro.” – Sorriram com a brincadeira.
“Luigi, você tem razão. Essa linda moça parece muito com a pessoa da foto. Estou muito surpreso. Venham comigo, Luigi já conhece a casa e outras coisas, mas Anne ainda não se aventurou a ouvir um velho cheio de estórias.”
Passaram por uma sala ampla, e entraram num corredor que dava caminho até um lance de escadas. Enquanto subiam não acreditou no que viu. Alguns dos quadros que pintara como Claire. Quase tropeçou.
“Está tudo bem, Anne?”
“Sim, Sr. Richard, estou bem, devia ter colocado sapatos mais confortáveis...”
Entraram numa biblioteca. Havia livros para ler por gerações. Ficou encantada com aquilo. Perguntou se podia dar uma olhada. Notou um livro antigo com coletânea de poesias e estava com uma página marcada. No verso da capa as letras que conhecia com uma dedicatória:
“For you, Claire,
With all my love.
Graham Patrick Edwards.”
“Anne, por que está chorando?” – Luigi perguntou.
“Eu conheço este livro, Luigi, eu reconheci os quadros, aquela mesa de estudos ali, o jardim quando chegamos. Estou muito emocionada. Nem eu mesma entendo porque tudo isso...”
“Sr. Richard, e a foto que mencionaram? Ela pediu que deixasse no ateliê, não é isso? Os outros quadros ainda estão lá?”
“Sim, Anne. Vamos lá.”
Quando chegaram ao aposento seu coração parecia explodir de encantamento e saudade. Como pode o tempo ter passado e deixado as coisas de forma tão parecidas ainda... De longe viu a foto no mesmo porta retratos de madeira trabalhada. Era maravilhoso poder ver Else de novo em seu colo.
“O nome dela era Else, Luigi. Queríamos ficar com ela, mas ela adoeceu e morreu.”
“Else? Era o mesmo nome da menina que cuidei. Céus, isso é inacreditável !”
“Bem, bem... Anne, agora que vi tudo isso e confirmei o que queria, permita-me entregar uma carta que lhe fora deixada. Meu pai também deixou uma para mim, me explicou mais coisas, porque nem eu conseguia entender seu coração às vezes. Mas eu e ele éramos muito companheiros. Aqui está. Espero que entenda inglês. Ele passou os últimos anos de sua vida aqui no Brasil. Assim como ele eu nasci na Inglaterra, entende? Acabei me apaixonando por este lugar como ele.”
“Posso ir até a biblioteca para ler?”. Pediu licença e foi até lá. Abriu o envelope envelhecido. Retirou a carta e começou a leitura.
“Querida Claire,
Já se passaram anos. Mas devo confessar que ainda fico no portão divagando se poderia notar uma figura feminina aparecendo de repente para me alegrar. Não posso reclamar da minha vida. Estou tendo tudo que sonhei, ajudando meus pais e as crianças carentes que sonhávamos um dia. Isso me conforta muito.
Mas sou um homem. Devo confessar que não consegui ficar sozinho te esperando, mesmo sabendo que você me fez prometer que não faria isso. Casei-me com Elizabeth, se lembra? Nosso filho é lindo. Tem me dado muitas alegrias. Também adora poesias como você. Vou deixar toda minha biblioteca para ele. Tenho sorte de Elizabeth não ficar me fazendo questionários sobre os quadros e quando fico sozinho, pensando em tudo que aconteceu.
Claire, já não sou nenhum mocinho mais. Perdão se minhas letras estão um pouco trêmulas, mas já havia escrito muitas cartas antes e as joguei. Essa eu prometo que vou fazer chegar até você. Vou Pedir a Richard que te procure. Algo me diz que ele vai te achar. Mesmo que leve algum tempo.
Eu consegui junto com amigos, levantar fundos para um asilo de crianças abandonadas. Todas as vezes que elas sorriem é como se você estivesse lá. A comunidade tem sido muito solidária. Saímos até no jornal, acredita?
Onde quer que você esteja, eu desejo que esteja muito feliz, mas também confesso que ainda tenho esperança de poder nos encontrarmos em algum lugar, um dia talvez.
Existem coisas na vida que nos marcam muito e nos deixam fortes lembranças. Você é uma delas. Ainda está bem viva aqui dentro.
Bem, lembra-se do último pedido que lhe fiz, dizendo que olhasse tudo à sua volta e procurasse memorizar? Talvez quando ler esta carta muitas coisas possam te surpreender.
Todo meu amor,
Graham”
Ficou um tempo em silêncio olhando tudo em sua volta. Ele tinha toda razão. Queria poder ficar mais ali. Era como se estivesse de volta ao mesmo lugar.
Tomou coragem e voltou para o ateliê.
“Sr. Richard, Luigi, queria muito agradecer por tudo isso. Eu não sei explicar o que estou sentindo e nem porque de todos esses acontecimentos nessas últimas semanas. Eu acho somente que ambos tinham um amor muito grande pela vida e se amaram muito. Perdão, pois ela não era sua mãe, mas pela forma como seu pai colocou, você sabia de muitas coisas e o entendia.”
“Sim, Anne. Estou muito feliz por ter ajudado meu pai, mesmo agora quando ele não está aqui. Prometa que virá visitar esse velho chato novamente e me alegrar com sua presença. Luigi vai ficar muito feliz em poder ajudar também, tenho certeza.”
“Ficarei mesmo, eu devo dizer que é como se estivesse lendo um livro de ficção e vivendo de forma real.”
Tomaram lanche juntos, caminharam pelos jardins, riram das piadas de Richard. Como ele tinha senso de humor...
Quando chegou a hora de se despedirem, abraçaram-se chorando.
“Eu já ia te pedir para poder voltar aqui de novo, Sr. Richard. Vou tentar desenhar algo, quem sabe eu mesma fique surpresa se lembrar de mais alguma coisa...”
“Se cuidem, garotos. As estradas já não são mais como antigamente, quanto menos os motoristas.”
Durante o trajeto de volta, Anne virou-se para Luigi com algo que se lembrou:
“Como era essa menina que você queria adotar?”
“Anne, acho que é melhor respirarmos mais um pouco porque nem eu estou acreditando nas coincidências...”
“Também notou algo familiar?”
“Desde que você apareceu e vi sua foto. Mas vamos nos poupar de tanta emoção por enquanto. Sou jovem ainda, mas sou humano. Preciso refletir, e você vai me ajudar. Quem sabe pode nos dar opiniões sobre o que fazer neste Natal para as crianças com câncer. Tenho certeza que temos muita coisa pra trocar ainda. Isso se você permitir é claro, e não sair correndo de medo de mim.”
Ambos sorriram e olharam para o horizonte... A vida é cheia de surpresas. O que dizer do amor então...
Nunca iria se esquecer desse Natal....
MERRY CHRISTMAS, ANNE !.....*
As the last days, Anne was looking at the album with her memories. She was dispireted even knowing she could be doing something or planning many things for Christmas Eve.
Her parents had already called inviting for the lunch, and outside it was windy and sunny. It seemed to be silly, but she remembered how much she loved to hang clothes out, feeling that breeze , the smile glowing another wish to invent other works. Turned on the CD player and started listening to a song, then was thinking, looking at the ceiling. Hours had already spent and it was evening. She decided to put on a jacket and go out for a walk. While wandering watching the lights from the poles she heard someone shouting her name. Turned round and nothing . Maybe it was result of her imagination or the night silence throwing echoes come very far. Felt shiver, but kept going ahead with the walk. And from nothing it started getting foggy, turned round and gave other directions to her legs back to the refuge. A hot bath would make it warm, then who knows... having something to drink and those silly peanuts before going to bed.
A car stopped next to her while going back home and a strange firgure opened the door with a malicious smile. A kind of endless fear made her heart beat in panic and she began to run. After this she could not remember anything.
A strong light very far closed her eyes and when it happened it was as if getting asleep. When she woke up she was in another place. Felt people looking at her in a different way, then realized their garments, totally different, the clothes, the way women put back their hair. It was not possible. It could be only a dream.
“Claire ! Claire ! You came back? Where are your parents?”
“Claire? What you mean by Claire?” (...) . “God, what’s happening? I don’t understand, I’m not Claire. You’re taking me as somebody, Sir...”
“Claire, it’s me, Graham ! It’s not possible you’ve forgotten me... You and I were so much in love, but as I had not finished medical college program , yet, they had promised you to get married with William. I thought you had moved for the arrangements. Never had any news of yours. It’s been four years.”
“Listen..., it might be nonsense, but look at my clothes. I’m not from here, don’t you see they are even watching me in a strange way?”
“Come with me, don’t be afraid, meanwhile we have a talk, all right?”
Another strong light met her eyes again as they also closed. That kind of sleep again.
“I guess she had a big slip and fell down. You yourself said the examinations do not point out anything serious. A coma. From one time to another she might wake up.”
“Ok, Solange. Didn’t you find anything like someone’s phone number to call and inform where she is? Somebody from her family needs to know...”
“Nothing, Dr. Luigi... Nothing. Probably she was near her house, that’s why she owned no documents, just the keys where she lives I guess.’
Anne’s eyes opened again. The same man she had met, and the dream still going on.
“What happened?”
“I don’t know. When we got here you fainted. You’re better now?”
“These paintings, I made them...” – she gets surprised when she looks around and an old photo calls her attention. A whole family to join a future remembrance. And among them she saw a face similar to hers. A Black little girl with a beautiful slide attached to her hair or kind of knot very well worked, the shoes they bought for her. She was sat on her lap holding a cloth doll made by Claire or Anne, didn’t know who she was anymore.
“She passed away, didn’t she?”
“Yes, she couldn’t survive with such fever... Guess you remember. We made what we could to take care of her. Even her parents didn’t want to stay with her in their house. Do you remember when Else said she wanted us to get married in order to be her parents?”
“Yes, Graham... It may be nonsense, but don’t know how to start to explain to you what’s going on inside me. I’m confused.”
Anne started to explain the last memories. Where she lived, what was her name now. She didn’t paint anymore, but had done some attempts. She said she had married and lost her husband in an accident. Had a job, coordinating a group of social assistants. Somehow she felt she had to go back. A work to finish. And at the same time the memories coming back, but to a different place. Feeling something for someone she’d just met. Her eyes began to get filled up of tears. Ghaham kept on listening. Two arms opened, and Anne felt safer.
Another strong light again...
”Dr. Luigi, we received a phone call from a woman. She asked for a person with the name Anne. Described her. It seems to be the person who is in coma.”
“Is she coming?”
“Yes, she is, Dr.”
“It’s going to be good having somebody next to her to talk. Who knows, she scapes from the coma...”
Anne’s eyes opened again.
“Claire, you’re all right?”
“Graham, I feel I will have to go back. But I’m so happy for being here again. Getting to see my paintings here. The letters I wrote to you. Promise we will meet someway. Or that you will wait for me in some place. Send me signs. Please...”
“I promise. Look, you see everything here? Try to remember what we lived. Everything will be all right, you see? You’ll find something that brings you memories from here, ok?”
“Yes, I’ll miss you so much. Maybe that’s the reason I felt kinds of void sometimes even being married and happy. And it got worse when he died. But I have the kids now waiting for me...”
Another flash...
“Dr. Luigi ! The pacient has woken up, do you want to see her?”
“Yes, is her mother around?”
“She is, I can’t wait to tell her mother that she’s back. Dr., you won’t believe. Many children called the hospital asking to know what happened to her. They sent a letter with their signatures, all of them. Isn’t it wonderful?”
“Yes, she must be very beloved....”
The light flash started finishing as Anne went back. Now she could feel it slowly, in silence. She was feeling peace. Went ahead and continued her walk back home.
“Morning ! I’m Dr. Luigi. You were here under our medical help, have got in coma. You gave a big fright to many, many children. Do you remember them, Anne?”
“Yes, how long am I here, Dr.?
“Two days, three until today early the morning... Look, there’s a letter for you. I guess it’s from the place you work. They missed you.”
“Gee, you can’t imagine how good it’s being back, and with such gift. Thank you so much.”
“You’re welcome. Well, I’m just waiting for an exam result and meanwhile I’ll ask your mother to come up, ok?”
“Yes, I wanna talk to her very much. She must be worried...”
Getting back to work was like getting more energy. She could feel things with more vigor. But still remembered what happened. Wanted to tell someone, but thought they would call her lunatic.
With the children they finished the arrrangements for Christmas decoration. The choire rehearsal went on. Some mothers always came to Anne to know about their sons and took the opportunity to ask her if she was all right.
She got home tired. And still had to open the letters, read some reports. The door bell rang. She figured out who must be that time. Nobody had called during the whole day.
It was Dr. Luigi. He seemed to be a little shy. This time without the white uniform, just a polo shirt and jeans.
“Good evening, Anne. Can I talk to you?”
“Well, as you’re wearing usual clothes now, I guess it’s not to say that tomorrow will be my last day of life, right?” – Smiles... – “Please, come in...”
“Do you wanna coffe, water, juice... Sorry, I don’t know what to say !”
“Well, me too. But what brought me here was something that made me curious.”
“Curious?”
“Yes. Last weekend I visited my parents and they said that my godfather was waiting us for dinner. He’s doctor like my father and me. For the first time I felt he wanted to say something, and had the pleasure to know his arts room, and also his library. It seems he projected all the place with such a care thinking of each detail he would put there, you know... And then I saw an old photo with a whole family together. You’re gonna think its weird, but there was a girl in the picture.”
She looks like you very much. Even the eyes glance.. I asked him where it was from. He said it was a remembrance from his father who asked him to save it with tender because he confessed him that one day he was in love with her. His father was not from here, he was British. I thought it was amazing what he told me. They had a great friendship first of all as I saw...”
“And...”
“I told him there was a person at the hospital some days ago who looked like her. His eyes shone. It seemed he had something to say. Asked if you could go there. He insisted very much. Even my parents got curious...”
“Did he tell you her name?”
“No, because he made me promise that I would convince you to go there. Do you accept?’
“Well, I have your name, the hospital where you work, and other information of yours. I believe I won’t have to run from your car, too.” – Smiles.
“Tomorrow is sunday and I won’t be on duty. Can I get here in the morning? It takes about two hours to get there.”
“No problem. I can go. I’m also curious.”
The car mirror reflected the image of her dark brown straight hair. Children used to say that Anne got more beautiful with her hair loose, and when they could, they played making kind of styles. Anne smiled with their pure nature. Her skin was a little pale, in contrast to the dark long eyelashes. The lockes were combed, but let it clear that they got more beautiful when sun shone and wind could kid with them. Well, it was time to use a lipstick. After all she was going to a place not so usual. And felt a little bit insecure for an uncertain reason.
Dr. Luigi, or Luigi, like he asked her to call him, arrived on time.
The course to the city they were going was calm. Or maybe the atmosphere changed things to be serene since she got out from the coma. They talked about many subjects from childhood to the time they got degree, and later about their work, day by day life. From the way he described his life it seemed he liked very much what he did.
Luigi said that not so long, they were about to get near. Suddenly he got in silence. Anne respected, but in a moment asked him why he was so quiet as if thinking of ... what (...)
“I took care of a child like you. She died in an accident. A car knocked her down when she was trying to scape from her supposed parents’house that wanted to adopt her. I couldn’t stay with her unless I pretended to be married, but it would take a long time.”
“I’m so sorry...’ – Luigi looked dow and took a deep breath, then looked at Anne and smiled.
An old man was sat on a rocking chair and stood up when he saw the car arriving. From that distance he seemed to be tall and thin. Walked in slow way and was watching them from there.
“Luigi, my son... I woke up early and stayed here in the balcony for a time thinking about life...”
“Anne, this is Mr. Edwards.”
“Oh, please, call me Richard. I lived many years with my ears burning for the reason of so much saying my last name. They must think it was charming as my person of course.” – they smiled with his joke.
“Luigi, you’re right. This beautiful girl looks very much like the one in the picture. I’m surprised. Come with me, Luigi already knows the house and other details, but Anne hasn’t adventured to hear an old man full of stories...”
They passed through a spacious living room and went in a corridor which leaded them to the stairs. While they walked up she didn’t believe in the vision. Some of the paintings she did as Claire. She almost stumbled.
“Are you Ok, Anne?”
“Yes, Mr. Richard, I’m all right, I should’ve put on warmer shoes...”
They went in a library. There were books for many generations. She got enchanted with that. Asked if she could take a look. She noticed an old book with poems selection and one page was marked. On its cover back the handwriting she knew with a dedication:
“For you, Claire,
With all my love.
Graham Patrick Edwards.”
“Anne, why are you crying?” – Luigi asked.
“I know this book, Luigi, I recognized the paintings, that desk over there, the garden when we got here. I’m so moved. Even me don’t understand the reason of all of this...”
“Mr. Richard, and the photo you had mentioned? She asked to put it in the paiting room, isn’t it? Are the other paitings there?”
“Yes, Anne. Let’s go there.”
Whey they entered the room her heart seemed to explode of emotion and the sense of missing. How could time have passed and let things with such similar look... From the distance she saw the photo in a portrait made of wood. It was wonderful getting to see Else again oh her lap.
“Her name was Else, Luigi. We wanted to adopt her but she died...”
“Else? It was the same girl’s name I took care of ! My, God ! It’s unbelievable !”
“Well, well... Anne, now that I saw all of this and confirmed what I wanted, let me give you a letter which was left for you. My father also wrote one to me explaining some other facts, because even me could not understand his heart sometimes. But he and I were much friends. Here it is. I hope you understand English. He spent his last years of life here in Brazil. I was born in England like him, do you understand? And also fell in love with this place...”
“May I go to the library to read it?”. She excused and went there. Opened the old envelope, removed the letter from it and started reading.
“Claire, my darling...
It’s been years but I have to confess that I still stay at the gate wondering if I could see a female image suddenly appearing to cheer me. I can’t complain about my life. I have everything I dreamed, helping my parents and the children we planned one day. This comforts me a lot.
But I am a man. I must confess I couldn’t stay alone waiting for you, even knowing you made me promise I wouldn’t do it. Elizabeth and I got married, do you remember her? Our son is handsome. He’s given me much happiness. And also loves poetries like you. I’m going to leave the whole library to him. I’m lucky for Elizabeth not doing questions about the paitings and when I get alone, reflecting about everything that happened.
Claire, I’m not a little boy anymore. I’m sorry if my hands are trembling, but I had already written other letters to you and threw them away. I’ll ask Richard to look for you. There’s something telling me he’ll find you even if it takes a long time.
I could save a considerable amount of money to build an orphan’s home with some friends. Everytime they smile it’s as if you were there. The society has been much sympathetic. We even appeared in the newspaper, do you believe that?
Wherever you are, I wish you were happy, but also confess that I still hope to meet you some place, maybe one day.
There are things in our lives that leave a deep mark and bring us wonderful memories. You’re one of them. You’re very alive deep inside my heart.
Well, do you remember the last thing I asked you when saying to you to look at everything around and try to memorize? Maybe when you read this letter many details might surprise you.
All my love,
Graham”
She stayed in silence for a time looking at everything around. He was so right. Anne wanted to stay there more. It was as if getting back to the same place.
She got courage and walk towards the painting room.
“Mr. Richard, Luigi, I wanted to thank you very much for this. I don’t know how to explain what I’m feeling, nor why of this events these last weeks. I just think that both of them had much love for life as they loved each other that much. I’m sorry to say it because she was not your mother, but the way your father told you his life, you knew about many secrets of his as you also understood...”
“Yes, Anne. I’m very happy for helping my father, even now when he’s not here. Promise me you will visit this old and annoying man again to give me pleasure with your presence here. Luigi will get much happy to help, too. I’m very sure...”
“Yes, indeed I will. And must say that it’s as if I were reading a science fiction book and living it at the same time.”
They had tea together, walked around the garden and fields, laughed with Richard's jokes. How much sense of humor he had...
When it was time they said goodbye holding each other and crying.
“I also intended to ask you to let me come back here again, Mr. Richard. I'll try to draw something, who knows I might surprise myself remembering something else...”
“Take care, kids. Roads are not as the old days, nor the drivers.”
During the course back home, Anne turned to Luigi with something she remembered:
“How was this girl you wanted to adopt?”
“Anne, I guess we’d better breath more because even me can’t believe in such coincidences...”
“You also noticed something familiar?”
“Since you apperead and I saw your photo. But let’s rest for a while from such emotion. I’m still young, but I’m human. I need to reflect, and you will help me. Who knows you might give us opinion about what to do for this Christmas and children with cancer. I’m sure we still have many ideas to exchange . This if you allow of course, and don’t run away from me with fear...”
Both smiled and looked at the horizon... Life was so much full of surprises. What to say about love then...
She would never forget this Christmas...*
FELIZ NATAL, ANNE !*
Como nos últimos dias, Anne estava olhando o álbum de recordações. Estava meio desanimada mesmo sabendo que poderia estar fazendo algo ou planejando mil coisas para a noite de Natal.
Seus pais já haviam ligado para almoçar, lá fora estava ventando e o sol brilhando. Parecia bobeira, mas lembrava-se de como adorava estender as roupas no varal, sentir aquela brisa, o sorriso acendendo uma outra vontade de inventar outros afazeres.
Colocou um cd para ouvir, e ficou pensante, olhando para o teto. Já haviam se passado horas, e era noite. Resolveu colocar um agasalho e caminhar. Enquanto perambulava observando as luzes dos postes ouviu alguém gritar seu nome. Olhou para trás e nada. Devia ser fruto da sua imaginação ou a quietude da noite lançando ecos vindo de longe. Sentiu um calafrio, mas resolveu continuar a andança. E do nada começou a serenar, deu meia volta e direcionou seus passos de encontro ao refúgio. Um banho quente ia fazer bem, depois, quem sabe tomar algo e beliscar umas bobeiras antes de dormir.
Um carro parou ao seu lado enquanto voltava e uma figura estranha abriu a porta com um sorriso malicioso. Um medo sem fim fez seu coração bater em pane e saiu correndo.
Depois disso não se lembrava de mais nada.
Uma luz forte lá na frente fez seus olhos se fecharem e quando isso aconteceu era como se adormecesse. Quando despertou estava em outro lugar. Sentia que as pessoas a olhavam de modo estranho, então percebeu as vestes, totalmente diferentes, os tecidos, a forma como as mulheres prendiam seus cabelos. Não era possível. Só podia ser sonho.
“ Claire ! Claire ! Você voltou ? Onde estão seu pais?”
“ Claire... Como assim, Claire ?” (...) . “Céus, mas o que está acontecendo? Não entendo, não sou Claire... Deve estar me confundindo com alguém., Senhor...”
“Claire, sou eu, Graham. Não é possível que tenha esquecido... Você e eu éramos apaixonados, mas como eu não tinha terminado a faculdade, e já haviam prometido sua mão a William, pensei que haviam se mudado para os preparativos. Nunca mais tive notícias suas. Isso já faz quatro anos.”
“Escute, pode parecer um absurdo, mas veja minhas roupas. Não sou daqui, não está vendo que estão até olhando para mim de modo estranho?”
“Venha comigo, não tenha medo, enquanto isso conversamos, está bem?”
Uma luz forte veio de novo de encontro e seus olhos se fecharam. De novo aquela espécie de sono.
“Acho que ela escorregou e caiu. O senhor mesmo diz que os exames não acusam nada grave. Um coma. De uma hora para outra pode despertar.”
“Tudo bem, Solange. Não encontraram nada como um telefone de alguém para entrar em contato e avisar onde ela está? Alguém da família precisa saber...”
“Nada, Dr. Luigi... Nada. Ela parecia estar perto de casa, por isso estava sem documentos, apenas chaves do local onde mora, creio.”
Os olhos de Anne se abrem novamente. O mesmo homem que encontrara, e o sonho ainda continuava.
“Que aconteceu?”
“Não sei, quando chegamos aqui, você desmaiou. Está melhor agora?”
“Esses quadros, fui em quem pintou...” – fica surpresa enquanto olha em volta e nota um retrato antigo. Uma família inteira unida para deixar uma memória. E entre todas as pessoas viu um rosto parecido com o seu.
Uma menina negra, com um laço bem feito preso aos cabelos, os sapatos que haviam comprado para ela. Estava no seu colo segurando uma boneca de pano, feita por Claire ou Anne, já não sabia mais quem era.
“Ela se foi, não?”
“Sim, não resistiu à febre... Acho que se lembra. Fizemos o possível para cuidar dela. Até seus pais que não queriam ficar com ela em casa. Lembra quando Else disse que queria que casássemos para sermos seus pais?”
“Sim, Graham... Pode ser loucura, mas não sei como começar a lhe explicar o que se passa aqui dentro de mim. Estou confusa.”
Anne começou a explicar as últimas lembranças. Onde vivia, qual o seu nome agora. Não pintava mais, mas havia feito alguns ensaios. Disse que havia se casado e perdera o marido num acidente. Tinha um trabalho, coordenava um grupo de assistentes sociais. De alguma forma sentia que tinha que voltar. Um trabalho a terminar. E ao mesmo tempo, a memória voltando, mas para um lugar diferente. Sentindo algo por alguém que conhecera. Seus olhos começaram a se encher de lágrimas. Graham continuou a ouvir. Dois braços se abriram, e Anne se sentiu mais segura.
Outra luz forte de novo...
“Dr. Luigi, recebemos um telefonema de uma pessoa. Uma mulher. Perguntou por uma pessoa com o nome de Anne. Descreveu-a . Parece que conhece a pessoa que está em coma.”
“Ela está vindo pra cá?”
“Sim, está, doutor.”
“Vai ser bom ter alguém do lado dela para conversar. Quem sabe, ela volte do coma...”
Os olhos de Anne se abriram novamente.
“Claire, está tudo bem?”
“Graham, eu sinto que vou ter que voltar. Mas estou tão feliz por estar aqui de novo. Ver meus quadros aqui. As cartas que escrevi para você. Promete para mim que vamos nos encontrar de alguma forma. Ou que vai me esperar em algum lugar. Me mande sinais. Por favor...”
“Eu prometo. Olhe, está vendo tudo aqui? Procure se lembrar de tudo que viu aqui. Procure se lembrar do que vivemos. Vai ficar tudo bem, entende? Você vai achar algo que traga recordações daqui, está bem?”
“Sim, eu vou sentir muito a sua falta. Talvez seja por isso que sentia um vazio algumas vezes mesmo estando feliz casada. E ficou pior quando ele morreu. Mas tenho as crianças agora me esperando...”
Outro clarão...
“Dr, Luigi ! A paciente acordou, quer vê-la?”
“Sim, a mãe dela também está por perto?”
“Está lá, não vejo a hora de contar para a mãe que ela voltou. O senhor também não vai acreditar. Um bando de crianças ligaram para o hospital para saber o que aconteceu com ela. Mandaram uma carta com as assinaturas de todos, não é maravilhoso?”
“Sim, ela deve ser muito querida...”
A luz do clarão começou a se fechar lá atrás. Agora podia sentir isso vagarosamente, em silêncio. Estava sentindo paz. Olhou para frente e prosseguiu para voltar ...
“Bom dia ! Sou o Dr. Luigi. Você estava sob nossos cuidados, havia entrado em coma. Deu um bom susto num monte de crianças. Se lembra delas, Anne?”
“Sim, quanto tempo fiquei assim, doutor?”
“Dois dias, três até a madrugada de hoje... Olhe, tem uma carta aqui para você. Acho que é do local onde trabalha. Sentiram sua falta.”
“Puxa, não sabe como é bom estar de volta, e ainda mais com esse presente. Obrigada, muito obrigada.”
“Imagine. Bem, estou só esperando o resultado de mais um exame e enquanto isso vou deixar sua mãe entrar, tudo bem?”
“Sim, quero muito falar com ela. Deve estar preocupada...”
A volta para o trabalho foi revigorante. Sentia as coisas com mais sabor. Mas ainda se lembrava do que aconteceu. Queria falar com alguém, mas achava que iam chamá-la de lunática.
Junto com as crianças terminaram os preparativos para os enfeites de Natal. Os ensaios do coral continuavam. Algumas mães como sempre vinham ao seu encontro para saber de seus filhos e aproveitavam para perguntar se estava bem.
Chegou em casa cansada. Ainda tinha que abrir as cartas, ler alguns relatórios. A campainha tocou. Ficou imaginando quem devia ser àquela hora. Ninguém havia ligado durante o dia.
Era Dr. Luigi. Estava com um olhar meio sem graça. Desta vez sem a roupa branca, apenas uma camisa pólo e calças jeans.
“Boa noite, Anne. Será que poderia falar com você um minuto?”
“Bem, agora que você está com roupas normais, acho que não vai ser pra dizer que amanhã vai ser meu último dia de vida, não?” – Risos... – “Por favor, entre...”
“Quer um café, água, suco, desculpe, ... nem sei o que dizer.”
“Bem, eu também. Mas o que me trouxe aqui foi algo que me deixou curioso.”
“Curioso?”
“Sim. No final de semana passado fui visitar meus pais e eles me disseram que o padrinho do meu pai estava nos esperando para jantar . É médico como meu pai e eu. Pela primeira vez, senti que ele queria dizer algo, e tive o prazer de conhecer seu ateliê, assim como sua biblioteca. Parece que ele projetou todo o local com cuidado pensando em cada coisinha que iria colocar lá, sabe. E então eu vi uma foto antiga de uma família inteira reunida. Você vai achar estranho, mas havia uma moça na foto. Parece muito com você. Até o jeito de olhar. Perguntei a ele de onde era a foto. Ele disse que era uma recordação do pai. Pediu que guardasse com muito carinho pois ele confessou ao filho que fora apaixonado por ela. O pai não era daqui. Era inglês. Fiquei fascinado com o que me contou. Eram muito amigos pelo jeito.”
“E...”
“Eu lhe falei que havia uma pessoa no hospital alguns dias atrás que se parecia com ela. Os olhos dele brilharam. Parecia que ele tinha algo mais para dizer. Perguntou se podia levar você lá. Insistiu muito. Até meus pais ficaram curiosos...”
“Ele disse o nome da pessoa para você?”
“Não, porque ele me fez prometer que conseguiria te convencer a ir lá. Você aceita?”
“Bom, tenho o seu nome, o hospital onde trabalha, e mais informações suas. Creio que não vou ter que sair correndo de perto do seu carro também.” – Risos.
“Amanhã é domingo e não tenho plantão. Pode ser pela manhã bem cedo? São duas horas até lá.”
“Tudo bem. Posso ir. Também estou curiosa.”
O espelho refletia a imagem de uma mulher com os cabelos castanhos escuros e longos. As crianças diziam que ela ficava melhor com eles soltos, e quando podiam brincavam lhe fazendo penteados. Anne sorria com a pureza delas. Sua pele estava um pouco pálida, em contraste com os cílios escuros e compridos. As pontas das madeixas eram escovadas, mas deixavam evidentes que ficavam mais bonitos quando o sol batia e o vento podia brincar com elas. Bem, era hora de passar um batom. Afinal de contas estava indo para um lugar um tanto quanto diferente. E se sentia meio insegura, não sabia porquê.
Dr Luigi, ou melhor, Luigi, como ele havia pedido para lhe chamar, chegou pontualmente.
O trajeto para a cidade onde iam era calmo. Ou então a atmosfera havia se transformado em tudo mais sereno desde que voltara a si. Conversaram sobre várias coisas desde a infância até quando se formaram, e mais tarde o trabalho, o dia a dia. Pela forma como contava sua vida parecia gostar muito do que fazia.
Luigi contou que não faltava muito para chegar. De repente ficou em silêncio. Anne respeitou , mas num momento perguntou porque estava quieto, pensante.
“Eu cuidei de uma criança como você também. Ela foi atropelada tentando fugir da casa dos pais que queriam adotá-la. Não podia ficar com ela a menos que forjasse um casamento mas mesmo assim levaria um tempo.”
“Eu sinto muito...” – Luigi baixou os olhos, respirou fundo, depois olhou para Anne e sorriu.
Um senhor que estava sentado numa cadeira de balanço levantou-se quando viu o carro chegar. Daquela distância podia ver que era alto e magro. Caminhava em passos lentos, e estava observando-os de longe.
“Luigi, meu filho... Acordei bem cedo e fiquei aqui um tempo na varanda pensando na vida.”
“Anne, este é o Sr. Edwards.”
“Oh, por favor, me chame de Richard. Passei muitos anos com os ouvidos cheios de tanto me chamarem pelo meu último nome. Deviam achar charmoso como a minha pessoa é claro.” – Sorriram com a brincadeira.
“Luigi, você tem razão. Essa linda moça parece muito com a pessoa da foto. Estou muito surpreso. Venham comigo, Luigi já conhece a casa e outras coisas, mas Anne ainda não se aventurou a ouvir um velho cheio de estórias.”
Passaram por uma sala ampla, e entraram num corredor que dava caminho até um lance de escadas. Enquanto subiam não acreditou no que viu. Alguns dos quadros que pintara como Claire. Quase tropeçou.
“Está tudo bem, Anne?”
“Sim, Sr. Richard, estou bem, devia ter colocado sapatos mais confortáveis...”
Entraram numa biblioteca. Havia livros para ler por gerações. Ficou encantada com aquilo. Perguntou se podia dar uma olhada. Notou um livro antigo com coletânea de poesias e estava com uma página marcada. No verso da capa as letras que conhecia com uma dedicatória:
“For you, Claire,
With all my love.
Graham Patrick Edwards.”
“Anne, por que está chorando?” – Luigi perguntou.
“Eu conheço este livro, Luigi, eu reconheci os quadros, aquela mesa de estudos ali, o jardim quando chegamos. Estou muito emocionada. Nem eu mesma entendo porque tudo isso...”
“Sr. Richard, e a foto que mencionaram? Ela pediu que deixasse no ateliê, não é isso? Os outros quadros ainda estão lá?”
“Sim, Anne. Vamos lá.”
Quando chegaram ao aposento seu coração parecia explodir de encantamento e saudade. Como pode o tempo ter passado e deixado as coisas de forma tão parecidas ainda... De longe viu a foto no mesmo porta retratos de madeira trabalhada. Era maravilhoso poder ver Else de novo em seu colo.
“O nome dela era Else, Luigi. Queríamos ficar com ela, mas ela adoeceu e morreu.”
“Else? Era o mesmo nome da menina que cuidei. Céus, isso é inacreditável !”
“Bem, bem... Anne, agora que vi tudo isso e confirmei o que queria, permita-me entregar uma carta que lhe fora deixada. Meu pai também deixou uma para mim, me explicou mais coisas, porque nem eu conseguia entender seu coração às vezes. Mas eu e ele éramos muito companheiros. Aqui está. Espero que entenda inglês. Ele passou os últimos anos de sua vida aqui no Brasil. Assim como ele eu nasci na Inglaterra, entende? Acabei me apaixonando por este lugar como ele.”
“Posso ir até a biblioteca para ler?”. Pediu licença e foi até lá. Abriu o envelope envelhecido. Retirou a carta e começou a leitura.
“Querida Claire,
Já se passaram anos. Mas devo confessar que ainda fico no portão divagando se poderia notar uma figura feminina aparecendo de repente para me alegrar. Não posso reclamar da minha vida. Estou tendo tudo que sonhei, ajudando meus pais e as crianças carentes que sonhávamos um dia. Isso me conforta muito.
Mas sou um homem. Devo confessar que não consegui ficar sozinho te esperando, mesmo sabendo que você me fez prometer que não faria isso. Casei-me com Elizabeth, se lembra? Nosso filho é lindo. Tem me dado muitas alegrias. Também adora poesias como você. Vou deixar toda minha biblioteca para ele. Tenho sorte de Elizabeth não ficar me fazendo questionários sobre os quadros e quando fico sozinho, pensando em tudo que aconteceu.
Claire, já não sou nenhum mocinho mais. Perdão se minhas letras estão um pouco trêmulas, mas já havia escrito muitas cartas antes e as joguei. Essa eu prometo que vou fazer chegar até você. Vou Pedir a Richard que te procure. Algo me diz que ele vai te achar. Mesmo que leve algum tempo.
Eu consegui junto com amigos, levantar fundos para um asilo de crianças abandonadas. Todas as vezes que elas sorriem é como se você estivesse lá. A comunidade tem sido muito solidária. Saímos até no jornal, acredita?
Onde quer que você esteja, eu desejo que esteja muito feliz, mas também confesso que ainda tenho esperança de poder nos encontrarmos em algum lugar, um dia talvez.
Existem coisas na vida que nos marcam muito e nos deixam fortes lembranças. Você é uma delas. Ainda está bem viva aqui dentro.
Bem, lembra-se do último pedido que lhe fiz, dizendo que olhasse tudo à sua volta e procurasse memorizar? Talvez quando ler esta carta muitas coisas possam te surpreender.
Todo meu amor,
Graham”
Ficou um tempo em silêncio olhando tudo em sua volta. Ele tinha toda razão. Queria poder ficar mais ali. Era como se estivesse de volta ao mesmo lugar.
Tomou coragem e voltou para o ateliê.
“Sr. Richard, Luigi, queria muito agradecer por tudo isso. Eu não sei explicar o que estou sentindo e nem porque de todos esses acontecimentos nessas últimas semanas. Eu acho somente que ambos tinham um amor muito grande pela vida e se amaram muito. Perdão, pois ela não era sua mãe, mas pela forma como seu pai colocou, você sabia de muitas coisas e o entendia.”
“Sim, Anne. Estou muito feliz por ter ajudado meu pai, mesmo agora quando ele não está aqui. Prometa que virá visitar esse velho chato novamente e me alegrar com sua presença. Luigi vai ficar muito feliz em poder ajudar também, tenho certeza.”
“Ficarei mesmo, eu devo dizer que é como se estivesse lendo um livro de ficção e vivendo de forma real.”
Tomaram lanche juntos, caminharam pelos jardins, riram das piadas de Richard. Como ele tinha senso de humor...
Quando chegou a hora de se despedirem, abraçaram-se chorando.
“Eu já ia te pedir para poder voltar aqui de novo, Sr. Richard. Vou tentar desenhar algo, quem sabe eu mesma fique surpresa se lembrar de mais alguma coisa...”
“Se cuidem, garotos. As estradas já não são mais como antigamente, quanto menos os motoristas.”
Durante o trajeto de volta, Anne virou-se para Luigi com algo que se lembrou:
“Como era essa menina que você queria adotar?”
“Anne, acho que é melhor respirarmos mais um pouco porque nem eu estou acreditando nas coincidências...”
“Também notou algo familiar?”
“Desde que você apareceu e vi sua foto. Mas vamos nos poupar de tanta emoção por enquanto. Sou jovem ainda, mas sou humano. Preciso refletir, e você vai me ajudar. Quem sabe pode nos dar opiniões sobre o que fazer neste Natal para as crianças com câncer. Tenho certeza que temos muita coisa pra trocar ainda. Isso se você permitir é claro, e não sair correndo de medo de mim.”
Ambos sorriram e olharam para o horizonte... A vida é cheia de surpresas. O que dizer do amor então...
Nunca iria se esquecer desse Natal....
copyright CARMEN YOSHIE
Dec08th,2003 – 8:58pm
reviewed and edited on Aug24th,2024 - 10:23am
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