Civilização e barbárie

CIVILIZAÇÃO E BARBÁRIE

Miguel Carqueija


Gruber e Chandler caminhavam atentos pelo capinzal cheio de carrapichos que agarravam em suas roupas de couro de gnu mutante criado em Vênus. Suas armas e cartucheiras estavam espalhadas em tiracolos, bolsos e cinturões.
— Você acha que esse pessoal está perto? — indagou Gruber, homem alto, louro e de bigodinhos que faziam lembrar Chaplin ou Hitler — Devemos ter cuidado.
— Eu também acho. Mas como estamos entre dois entrepostos, pode ser que já tenham se retirado dessa região.
— Eu não sei. Às vezes podem estar até em tocas. Se não estivéssemos tão bem armados, eu não faria esse trajeto. Sabe como é... selvagens, com instintos primitivos... ainda os conhecemos pouco, mas não me surpreenderia se praticassem até a antropofagia.
— Espere! — interrompeu Chandler, tipo de negro haitiano, expressão fechada, físico avantajado — Não ouviu algo naquele matagal?
Rodearam um capão formado por plantas enfezadas, de cores e conformações estranhas aos terrestres, mas comuns naquele mundo do sistema rigeliano. Mas era apenas um bando de antílopes — ou coisa parecida, pois eram roxos — assustados com a presença dos humanos.
— Jaguiços — observou Gruber. — Já descobriram que são saborosos.
— Mas não temos como transportar uma carcaça. Deixa eles irem, Gruber.
— Vamos subir aquela colina, então.
— Não esqueça que eu já passei da puberdade. Você e sua mania de andar a pé...
— Num carro não exploraríamos tão bem a região. Lembre-se que nós estamos só vendo os arredores do posto.
— Vamos voltar antes do meio-dia então. Senão vai acabar passando muito da hora do almoço...
Foram subindo o outeiro, ornado com poucas árvores. Os bosques não eram comuns na grande ilha onde se encontravam.
— Veja, Chandler! — disse o outro de repente. — Aqueles galhos...
— É verdade! Passaram por aqui usando facões. Os nativos esverdeados devem estar perto.
— Vamos. Pegue alguma arma, todo cuidado é pouco.
— Ainda bem que esses primitivos não sabem usar arco e flecha, mas os seus facões são enormes.
— Eles também possuem machados e punhais.
— E também sabem atirar bolas inflamadas, que eles fazem com as substâncias oleosas que abundam nesse planeta... Nós não somos à prova de fogo!
— Que coisa! Na Terra não existem mais selvagens perigosos e sedentos de sangue.
Do cimo da colina avistaram umas tendas a distância de um quilômetro mais ou menos; um regato passava volteando um pouco mais adiante.
— Esconda-se! — disse Gruber. — Não nos avistaram ainda!
Puseram-se atrás de um grosso e rugoso tronco e observaram. De vez em quando viam passar alguém entre as tendas, ou trazendo água do rio.
— Faz o seguinte — disse Gruber, empunhando uma “phaser”. — Dá uma volta por aquele grupo de árvores, eu vou pela esquerda. O capim alto vai me ajudar.
— Tá bom. É jogo rápido, cara!
Eles se separaram e, pelos comunicadores, coordenaram a sua ação. Atacaram simultaneamente, disparando projéteis explosivos que incendiaram as tendas, e quando aquele povo tentou fugir, varreram a todos com armas pesadas.
Foi um massacre. Mulheres, crianças, homens, pessoas idosas, animais domésticos, morreram às dezenas, num banho de sangue e membros despedaçados. Uns poucos chegaram ao rio e escaparam a nado.
— Merda! — reclamou Chandler, com as duas mãos armadas. — Queria ter acabado com todos!
— Isso é questão de tempo, amigo — filosofou Gruber. — Hoje, liquidamos um acampamento. Quando tivermos mais gente e equipamentos, limparemos este planeta inteiro para a civilização. É só questão de tempo!