Eles vivem entre nós (cap I)
A manhã prometia mais um dia de sol que já se anunciava, com seus raios dourados por entre as árvores da estrada longa e sinuosa. O caminho era ladeado por uma floresta de pinheiros nativos, por entre essas plantas, os raios de sol da manhã passavam como lanças e se desdobravam a frente sobre o asfalto, aproveitando cada buraco da mata para lançar sua luz, animais surgiam a cada curva e por isso ele conduzia seu veículo com uma velocidade moderada para não atropelar esses moradores da natureza.
Após uma elevação da pista, surgiu o platô tão conhecido e lembrado com saudade, finalmente estava voltando para uma parte de sua história de vida, na infância, adolescência e perto de ir para a Universidade, aquele era um espaço frequentado pela família todas as semanas de sua juventude. O seu curso de formação e depois o trabalho profissional afastou-o daquele lugar por longos anos. Só estava de volta porque ocorreu uma fatalidade na família, um mistério que o fazia voltar para tomar pé da situação e tomar as decisões necessárias para resolvê-la.
Chegou ao portão de ferro e acionou o sistema de abertura, "nada", desligou o motor do carro, as lanças de luz do sol continuavam transfixando as árvores formando um espetáculo de luz, dava para ver as pequenas partículas suspensas no ar, desceu e apertou novamente o controle forçando o pesado portão com a mão, pra lá e pra cá, a oxidação do tempo faz os seus estragos na maioria das estruturas metálicas, o motor dava sinal de funcionar e com sua ajuda, de repente começou a movimentar as engrenagens e a abrir vagarosamente, ele empurrou ajudando a máquina a girar e ganhar velocidade até o sensor de curso desligar o motor no final da abertura.
Voltou ao veículo e entrou no pátio, acionando o controle de fechamento do portão que rangeu um pouco e continuou até o fechamento, mais tarde vou lubrificar esses mecanismos, pensou.
Parou o carro no estacionamento do Hangar. Desceu e deu um giro com o corpo, olhando cada detalhe do ambiente, o mato costuma crescer por caminhos pouco usados e ali não podia ser diferente. A pista de pousos e decolagens tinha pequenas rachaduras de movimentação do solo e nessas frestas, gramíneas cresciam como cabelos que balançavam a brisa da manhã, os pinheiros exalavam um cheiro peculiar de suas resinas, musgos, líquens e outros cheiros de natureza, tudo misturado e tão conhecidos por sua memória olfativa. Recordações da infância brotaram em sua mente, cheiro de relva, selva, querosene de avião, rangidos, motores, sensações reconfortantes e alegres de um tempo nem tão distante.
Voltou-se e viu o enorme portão de ferro, o hangar era bem alto, tinha um pé direito de oito metros e uma boca de vinte metros, essa porta lateral era um portão automático de correr com uns seis metros e tinha uma pequena porta chaveada de dois metros e vinte de altura por um metro de largura. Moveu a chave e abriu essa pequena porta sólida, a luminosidade da manhã já fornecia uma claridade interna para chegar até o quadro de força. Abriu a portinhola e ligou a chave geral que fazia tudo funcionar no hangar, fechou o pequeno portão e acionou o mecanismo de abertura do portão lateral, o mecanismo rangeu um pouco pelo tempo em que ainda não havia sido exigido, mas deslizou suavemente nos trilhos lançando a claridade por todo aquele espaço. A poeira estava lá, mas a quantidade não era tão grande, talvez pela filtragem das florestas circundantes, aquele local era afastado da cidade cerca de quinze quilômetros. O Hangar estava instalado no centro de uma área de terra de duzentos hectares de terras da família, seus pais eram conservacionistas e mantinham aquela área sob grande cuidado, ali, apenas os animais viviam e em grande paz e liberdade.
Sua família tinha três pequenos aviões, dois antigos e outro mais moderno, mas todos já com alguns anos de uso. Quando criança, sempre voava com seu pai, em pequenas viagens e em passeios sobre a propriedade e vizinhanças, esses voos eram feitos por lazer e para observar se não haviam pessoas adentrando na propriedade para caçar ou para depredar o meio ambiente.
Seu pai pilotava os pequenos aviões com maestria e tranquilidade, para ele, o mundo visto do céu era maravilhoso e reconfortante, dizia ele que era uma sensação de um pássaro, voando num avião, ele podia ver a terra como um pássaro a vê. Ele dizia que era um privilégio que todo ser humano deveria ter, ser mais leve que o ar.
Os aviões estavam cobertos com lonas plásticas, protegidos do pó e da umidade. Resolveu descobri-los para ver como estavam e foi retirando as lonas. Notou que o menor lhe era desconhecido, talvez seu pai o tivesse comprado depois que ele tinha ido para a universidade e para a força aérea.
Acionou o mecanismo de abertura da porta principal do hangar, a porta era composta de três folhas de cada lado, com cerca de quatro metros por oito de altura e ao abrir se sobrepunham umas as outras até deixar a estrutura totalmente aberta. A pista descortinou-se por entre o arvoredo, o sol já iluminava tudo, acima das árvores. A pista era feita para aviões leves e era um pouco mais larga que o hangar, nas laterais havia um gramado que estava precisando de uma manutenção urgente, pois alguns arbustos invasores já tomavam vulto, ao todo, pista e gramado tinham cerca de sessenta metros de largura e um comprimento de aproximadamente seiscentos metros, ela era feita em “L” , saia do hangar por cerca de cem metros e depois virava a direita por seiscentos metros. Uma biruta indicava o sentido do vento para pousos e decolagens.
Tirou as travas das rodas da pequena aeronave engatou o pequeno trator e puxou-a até a parte externa do hangar. O formato do avião era normal, o que pode notar foi o refinamento da fuselagem, parecia uma aeronave pressurizada, espantou-se pois não era um jato e estruturas desse tipo são para aviões que voam em grandes altitudes.
Abriu a porta e sentou-se no cockpit e acionou os dispositivos, um pequeno estalido como pistões hidráulicos fechou as portas, um faixo de luz azul suave percorreu seu corpo e ouviu uma voz conhecida “dna confirmado” ............“acionando dispositivos aerodinâmicos”.... Imediatamente o motor começou a funcionar, olhou no painel, nenhum combustível e o motor a combustão girando normalmente, deve ser o pouco de querosene nas mangueiras, já vai parar, pensou.... testou os flaps, normais, começou a taxiar até a pista, o combustível acaba antes de eu chegar a pista....e nada....a pequena aeronave continua o seu deslocamento suavemente. Aquilo não era normal, deu umas duas pancadinhas no relógio do painel, deve estar quebrado, olha a direção do vento e pensa, vou ter que taxiar até o final, o vento está a favor, o motor continua girando e percorre os seiscentos metros da pista e aproveita para ver o estado em que se encontra, tudo bem, pista em condições de decolagem, acelera a aeronave que ronca como gente grande....em poucos metros puxa o manche e sobe como um jato, fica impressionado com a desenvoltura do aviãozinho, coloca o fone de ouvido para comunicação e ouve uma voz...”esta gostando meu filho?” ele diz “Pai?” “aperta este botão azul a sua direita” .... ele reluta surpreso e assustado...sua mão tremula paira sobre o botão...por um segundo que parece interminável...e o toca, “preparando aeronave para espaço interestelar” sua cabeça gira, o motor para de girar, as asas se recolhem, os rebites da fuselagem desaparecem como se a aeronave fosse agora uma espaçonave alienígena, sua boca ainda está aberta de espanto quando ouve a voz do seu pai...”altitude quinze mil pés”....”espaçonave preparada”... “comandos adaptados, voe como no espaço aéreo aerodinâmico ”.... “Puxe o manche”.... ele pucha como que anestesiado por tantas surpresas, a pequena espaçonave dispara para além da estratosfera terrestre.
Pela primeira vez na vida, ele vê o espaço e sente no peito a alegria de quem realiza um sonho, o sonho de quem já voou num avião de caça supersônico que chega quase no limiar do espaço e não pode ir além, sem o ar, o avião caça não pode voar.
Sua cabeça fica cheia de dúvidas, ele sabe voar e tem o controle, resolve voltar para a terra e saber um pouco mais sobre seu pai e seus segredos. Comanda a espaçonave na reentrada para a nossa atmosfera, os processadores alienígenas fazem a leitura das condições e lhe diz “aperte o botão azul”....assim que ele o faz, há uma retomada automática da fuselagem aerodinâmica, o motor volta a girar e logo ele esta de volta ao hangar.
Ele não pode conter o riso de felicidade, ele dá saltos em volta daquela descoberta muito doida mesmo, ele está ansioso para descobrir o que ainda não sabe. Tudo isso fica para o capitulo dois dessa história.