Clone

Ela caminhava lentamente pela calçada, os poros úmidos e abertos por conta do mormaço, com um chinelo de dedo branco, short jeans simples e uma camiseta lilás sem estampa. Seus cabelos castanho-claros nem curtos nem compridos balançavam no ritmo de uma brisa quente, e seus olhos amendoados pareciam jazer em eterna letargia.

Ela era estranha. Sentia-se estranha. Por onde quer que andasse, sentia-se sempre um peixe fora d’água. Sua vida era feita de clichês exaustivos e arquétipos trocados. Era como se não tivesse nascido, mas sim sido programada. Como se não tivesse alma, e sim um conjunto de números e comandos que lhe dissessem para onde ir e o que fazer. Como se sua vida até tivesse alguma utilidade oculta, mas não um sentido.

Até que ela esbarrou nele e, atordoada, ouviu-o dizer:

- Você?! Até que enfim a encontrei!

- Eu... o quê? Como me conhece? E por que raios estaria me procurando?

Ele pousa os olhos também amendoados sobre o rosto confuso da garota e revela:

- Porque você é meu clone.

- O QUÊ?! Isso é um absurdo. Como posso ser seu clone?

- Eu sei que é estranho, mas é verdade. Um grupo de cientistas queria descobrir o que acontecia se criassem um corpo feminino a partir de memórias e situações vividas por um cérebro masculino. Eu sou a cobaia desse experimento e você é, bem... o resultado. Minha versão melhorada, por assim dizer. Eles tentaram apagar minha memória da experiência, mas ela foi voltando por meio de flashes e, desde que consegui que as informações fizessem sentido em minha mente, estou te procurando.

- Mas... se eu sou um clone, quer dizer que não tenho alma?

- Não. Quer dizer que você é parte da minha alma. Como se eu fosse uma laranja e tivessem cortado essa laranja ao meio, e agora cada um de nós fosse metade dessa laranja.

- Quer dizer... que você viveu as mesmas coisas que eu?

- Vivi coisas muito semelhantes, sim. Conheço as mesmas dores e os mesmos anseios que você.

- Então sabe qual o objetivo da minha existência?

- Desculpe, isso eu não sei. Posso até ter sido a versão original, mas também não vim com manual.

A garota abaixa a cabeça, subitamente decepcionada.

- Quer dizer então que não pode me ensinar?

- Não, não posso. Não tenho muitas respostas, sou feito das mesmas dúvidas que você.

As esperanças da menina-clone vão se esvaindo cada vez mais, até que ela vê uma mão estendida e ouve uma voz que é meio espelho da sua dizer:

- Vem comigo?

- Pra quê?

- Para aprendermos juntos a viver. – e ela aceita a mão estendida, e os dois seguem juntos pela calçada acinzentada, rumo à vida.

P.S. Dizem que os documentos recolhidos do laboratório clandestino dos cientistas relatam centenas de experimentos semelhantes. E você, será que tem um clone também? Ou será que é um?