Dia de Cão
Nas ruas iluminadas pelo neon dos outdoors holográficos, um cara frustrado segue seu caminho de volta para o caixão arruinado que ele chama de apartamento. Uma pequena caverna de concreto no 17º andar a qual do outro lado da parede uma família de onze chineses fazia residência e, do outro, três travestis usam ao mesmo tempo como dormitório e prostíbulo. Aquele prédio velho e imundo já tinha provavelmente visto um passado menos deplorável. “Aqueles filhos da puta que se fodam, não preciso deles.” Pensou em voz alta a criatura inútil que subia as escadas do condomínio semidestruído. Acabara de ser removido da banda de gorepunk onde tocava baixo. Não sentia-se mal por ter sido expulso - afinal a grana dos shows mal pagava a cerveja – e sim pelo sentimento de que não servia nem para uma banda lixo daquelas. Abriu a porta da sua pequena residência de 2 cômodos. Foi apressado em direção a geladeira, não lembrava da última vez que havia comido, levando em conta que destilados, cerveja e neoabsinto não poderiam ser considerados como tal.
O conteúdo da geladeira era deprimente, o espaguete reciclado cheirava azedo e o queijo de soja parecia estar bolorento com a sua aparência entre o azul e o verde, na bandeja de legumes nada havia, tais produtos eram luxo naquele ano de 2037, fora isso o resto era uma garrafa de cachaça bidestilada pela metade e duas cervejas. “Puta que pariu”, pensou o verme inútil ainda olhando para dentro da geladeira. Teria que descer todas aquelas escadas novamente para comprar algo e encher seu estômago com alguma coisa sólida.
Descendo as escadas lembrou de uma das notícias que ouvira no jornal holográfico do metrô dizendo que havia um doido a solta matando pessoas estranguladas nos subúrbios da cidade. O verme inútil achava aquilo uma bobagem já que na megametrópole morriam em torno de 700.000 pessoas por mortes violentas ao ano, um maluco ou outro não faria muita diferença. Parou em uma barraquinha de cachorro quente a duas quadras do velho condomínio. Pediu dois dogs, comeu um ali mesmo e o outro levou depois de pagar o velho, que aparentava uns 95 anos de idade, com uma nota amassada de 5 créditos.
Subia as escadas novamente pensando no que faria dali para frente depois de ser expulso da banda. Fez cagada, sabia disso, era o membro mais novo e se deu a liberdade de cair na porrada com um dos fundadores. Além de ter sido expulso havia tomado uma surra do baterista. O motivo fora uma discussão sobre o volume dos instrumentos, algo assim, ele não se lembrava, estava bêbado demais na hora para se recordar de todos os detalhes.
Abre novamente a porta do apartamento que deixou só encostada ao sair, dois braços enormes com seus músculos rijos feito cordas de nylon vão em direção ao pescoço dele. As mãos grandes e fortes o seguram firme, apertando cada vez mais o pescoço do verme inútil que sente a morte chegando rápido enquanto sua visão escurece pouco a pouco. Lembra do canivete e do soco inglês dentro da mochila, o tempo é curto. Chuta o saco do estrangulador louco, ele nada sente, chuta novamente e nada! Tenta se debater mais, não funciona, está suspenso no ar pelos braços fortes do seu algoz. Pensa no que seria sua última chance, enfia os dois dedos nos olhos do forte adversário, ele abre as mãos e solta o rato imundo que sai correndo, ainda vendo estrelas, em direção à mochila. Escolhe o canivete ao soco inglês. Olha para o louco. Uma mulher!? O psicopata era uma mulher de quase dois metros de altura, mais de 100 quilos e uns 50 centímetros de braço. “Hormônios sintéticos”, pensou o verme inútil. Demorou demais pensando, a mulher tira um chicote retrátil de aço do bolso da calça preta de couro sintético. Sibilando no ar o chicote corta a face dele chegando até os ossos do crânio. Sentindo a dor horrível o verme inútil tenta correr para a porta, o chicote atinge sua perna segurando-o antes de ser puxado pela jaqueta jeans e jogado de costas no chão. Novamente as mãos enormes seguram-no pelo pescoço apertando cada vez mais em meio ao sangue que saía do rasgo aberto do rosto recém desfigurado. Se debatendo em fortes espasmos o verme inútil e fracassado contempla um leve sorriso na boca pintada de batom da enorme garota que o estrangulava.