FELICIDADE

Miguel Carqueija



Aquele era, pelo visto, um dia de muita agitação na firma de meu pai. Encontrei-o no escritório central, todo atarefado, falando em três videofones, assinando uma série de documentos e atendendo as consultas de alguns assistentes. Não obstante levantou-se pressuroso ao me ver e veio ao meu encontro, apertando-me calorosamente as duas mãos:
- Lúcio! Que bom vê-lo de novo na loja! O Natal está perto e por isso essa azáfama toda!
- Papai, não quero que interrompa os contatos...
- Não há problema nenhum. Borel, assuma no meu lugar que eu preciso conversar com o meu filho.
- Claro, seu Bandeira.
Papai falou rapidamente com seus interlocutores, despediu-se deles e, pegando-me pelo braço, foi me levando pela imensa loja de departamentos da qual era o presidente, aparentemente muito eufórico com o movimento. Eu sempre admirava a facilidade que ele tinha para encerrar suas negociações cada vez que me recebia.
- Clarice já não vem aqui com tanta freqüência – queixou-se ele. – Prefere cada vez mais a rotina do lar...
- Mamãe teme atrapalhar seu serviço, papai...
- Tolices! Aqui eu tenho tudo sob controle, como ela poderia atrapalhar? Não é uma maravilha contar com duzentos serviçais e todos eles serem ótimos? Não me dão nenhum aborrecimento.
- Folgo muito com isso, papai.
Ele me levou por uma escada rolante para me mostrar o Papai Noel com as crianças. Por toda a parte pessoas alegres escolhiam eletrodomésticos, roupas, brinquedos e outras utilidades e preenchiam, com os vendedores, seus contratos de compra. E eu sempre tinha a impressão de que o local não estava exatamente igual à vez anterior. Uma escada, uma pilastra, um carpete, um candelabro diferente... ou as próprias paredes...
Por meia hora ele me mostrou a loja, os estoques de holotelevisores, os mais modernos modelos de bicicletas com A.. I., todas as novidades. Afinal eu me despedi dele, pois tinha de atender aos meus compromissos.
- Avise a Clarice que eu vou chegar tarde hoje – lembrou ele. – Tenho que fazer hora extra, o movimento hoje está muito bom.
- Está bem, papai, mas não demore muito. Mamãe preparou uma macarronada muito especial, como o senhor gosta.
- Ah, é bom saber isso. A velha e boa Clarice! Ah, quando é que você traz a Judy com os meus netos?
- Qualquer hora, papai. Qualquer hora.
Despedi-me dele, constrangido, e dirigi-me à porta de saída. Abri a porta e saí para o corredor. Encostei a porta do simulador virtual e encarei mamãe, que me encarava com lágrimas nos olhos.
- Mamãe – observei, tentando usar um tom de voz normal, pois eu próprio sempre saía abalado de tais visitas – já lhe disse, não adianta chorar. Ele é feliz, isso é que é importante.
Claro. Pois do lado de cá o que havia era uma mesquinha aposentadoria, e a família bancando a maior parte das despesas – inclusive aquele aposento de realidade virtual, o mundo dos sonhos de papai...


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