Lúcifer Mata Deus (parte 3)

O turbilhão gigantesco de matéria e energia aproximava-se da Terra como uma tempestade obscurecendo a estrela mais próxima com seu rastro de gelo, poeira e gás que se estendia da órbita da terra aos confins do sistema solar. O eclipse arroxeado anunciava a presença do Senhor do Universo e ele estava furioso. O ruído enlouquecedor que vinha do céu não estremeceu os três arcanjos de Deus. Ousaram, os três, desafiar a compaixão do Criador. Enfrentariam o Demiurgo em defesa daquilo que fora revelado a eles por Cristo.

O poderoso Demiurgo não perdoou a traição dos três arcanjos. Ao subirem os céus a toda velocidade rasgando as nuvens com fogo e luz, adentraram à gigantesca nuvem de poeira e gelo que se movia como um furacão infinito de energia no limite da estratosfera terrestre. Raios de luz iluminaram o eclipse impressionante revelando a peleja que acontecia dentro turbilhão divino. Cessaram porém, após alguns segundos. A luta acabara, com o resultado já esperado. Uma parte do turbilhão descia agora para a superfície do planeta. Um furacão de proporções enormes tomava conta do deserto. Raios trovejavam e iluminavam o deserto obscurecido pela poeira infinita que eclipsava o sol. O Demiurgo viera de “corpo” e alma matar o traidor e tomar de volta sua mais preciosa criação.

Cristo revelara aos três Arcanjos de Deus o plano do criador que era o de “resetar” a própria “existência” do Universo. Escolhera aquele planeta azul para ser o novo berçário genético de vida para todo o cosmos. Criaria novos mundos seguindo o modelo da sua obra prima, a Terra. Selecionara os humanos como seus novos servos, eram a espécie perfeita para a função, tinham uma perspectiva de consciência muito menor que a dos anjos e estavam muito mais atrasados. Lúcifer descobrira tal plano séculos atrás, mas não possuía credibilidade para obter apoio após ter se rebelado anteriormente contra o Demiurgo. Os Arcanjos tomaram a decisão acertada após tocarem e notarem a consciência de Deus em Cristo… Trilhões de vidas espalhadas por todos os mundos habitáveis do universo estavam em jogo. Era o certo a se fazer.

Os poucos segundos que durou a peleja dos Arcanjos contra o Demiurgo foi tempo suficiente para que Lúcifer consumasse seu plano. Havia transferido para o cérebro humano de Cristo, toda a sua consciência. Seu corpo sintético mutilado por Miguel era agora uma concha vazia e sem vida. Sabia que o arrogante Demiurgo não planejava matar Cristo por um único motivo: Jesus Cristo era parte dele. Um símbolo para os humanos da suposta compaixão do vaidoso Demiurgo que expiaria as falhas humanas com a morte de sua própria personificação. Em troca exigiria gratidão e servidão eterna! Com Jesus Cristo possuído por Lúcifer, poderiam evitar a consumação do plano megalomaníaco do arrogante Demiurgo.

O “Dedo de Deus” na forma de um ciclone descia do espaço rompendo a cúpula de ferro do céu eclipsado tingido de roxo, com seu barulho ensurdecedor através dos movimentos circulares e afunilados de um furacão impossível. Em meio aquele caos dinâmico, Jesus Cristo fora levado aos céus com seus tímpanos humanos quase explodindo ao mesmo momento em que o corpo sintético de Lúcifer era vaporizado com um raio. Chegara a hora, Lúcifer utilizou das ligações quânticas existentes entre a consciência de Cristo e a do Demiurgo que, na realidade, eram apenas uma. A consciência de Deus era muito mais antiga e evoluída que a de Lúcifer, uma relíquia anterior ao universo conhecido. O plano de Lúcifer era levar o “corpo” cósmico de Deus para a estrela mais próxima e destruí-lo com as incessantes explosões termonucleares no núcleo de hidrogênio e hélio da estrela fulgurante. A luta foi terrível, a consciência do Demiurgo era poderosíssima, mas ainda era uma consciência. Lúcifer cumprira seu papel, levara o turbilhão cósmico em direção a superfície solar que destruíra pouco a pouco o imenso “corpo” de Deus junto com ambas as consciências que batalhavam dentro dele. Lúcifer havia matado Deus. Fez isso não sem antes deixar Cristo de volta ao calmo deserto no centro daquela esfera azul no canto esquerdo da via láctea.

Depois da tempestade um homem cavalgava desesperadamente pelo deserto em busca de alguém. Logo ao avistar um corpo empoeirado e envolto em trapos ele desce do cavalo e vai correndo com uma botija cheia de água em uma das mãos. Coloca a botija no chão e aos prantos sacode o homem coberto de areia e pó na tentativa de reanimá-lo.

- Mestre. O que houve?! - disse Judas Iscariotes depois de acordar Cristo que jazia desmaiado em pleno deserto.

Jesus acorda assustado. O sol brilhava novamente na tigela tingida de azul do sol do meio-dia. Estava com sede.

Fim.