Cangaço Novo
Naquele fim de tarde, a 800 metros, o blindado da companhia de transporte de valores seguia em alta velocidade pela rodovia federal. Nego Brown e seus comparsas mal tiveram tempo de planejar a ação, souberam na manhã do mesmo dia da saída da diligência que recolhera o dinheiro dos estabelecimentos comerciais de uma daquelas muitas cidadezinhas arruinadas do sertão de São Paulo. A bolha da economia tecnológica que havia estourado na década anterior não deixara muitas opções econômicas para aquela região. Além do mais, o efeito das pragas agrícolas no cultivo de transgênicos haviam devastado a produção de alimentos não só ali, mas em todo planeta. Isso tudo fora a escassez crônica de água e as explosões solares daquele ano que pioravam ainda mais o padrão de vida da população. Mas Nego Brown, sendo um legítimo brasileiro, sabia se virar e ainda tinha a esperança de sair daquela crise por cima.
As minas "Claymore" de fabricação americana foram colocadas na beirada da estrada. Nego Brown, como bom cristão que era, tinha fé no senhor Jesus Cristo e em Nossa Senhora Aparecida que o dispositivo de detonação a laser funcionaria apesar das explosões solares estarem especialmente altas naquele ano, afetando a funcionalidade dos equipamentos eletrônicos. Chegara o momento, o blindado ia em direção a bifurcação da rodovia onde estava armada a “arapuca” de Nego Brown e seus 7 comparsas, todos eles espreitavam o blindado do barranco de argila seca e dos chumaços de capim alto a alguns metros da rodovia, deitados com suas camuflagens digitais e seus fuzis e escopetas já engatilhados.
“BOOOOM!!!” o detonador laser havia funcionado, as minas Claymore explodiram atingindo com o seu raio de ação, além do veículo, uma parte da pista que, transformada em poeira, se misturava a fumaça da explosão formando uma nuvem escura em volta do blindado que jazia tombado, após ter capotado duas violentas vezes na rodovia deserta. Nego Brown mais que depressa lidera, com a sua cópia chinesa de Kalashnikov, o avanço do bando que corre em direção ao blindado escondido dentro da nuvem de fumaça. Ao chegarem mais perto, trocam a corrida por passos cautelosos na expectativa de haver algum dos vigilantes vivos. Dentro da nuvem empoeirada o cenário era dantesco, os corpos estraçalhados dos três vigilantes se misturavam entre as ferragens contorcidas do blindado quase partido ao meio. Mais fácil para o grupo de Nego Brown que, aliviados por não ter de enfrentar a resistência de algum vigilante sobrevivente, começam prontamente a procurar o cofre.
Debaixo do que parecia ser um pescoço e um osso de canela, encontram o cofre, meio chamuscado, mas intacto. De pronto, os vagabundos de Nego Brown começam a operar o equipamento que imitava as ondas de rádio dos cofres de fabricação mexicana utilizados pelas principais companhias de transporte de valores. O receptor faz um barulho dentro do cofre que, abrindo, revela uma grande quantia entre dólares, reais e yuans, as três moedas em uso corrente no Brasil no momento. O bando rapidamente enche as mochilas com o dinheiro enquanto foge do local.
Já dentro de uma das caminhonetes em fuga, Nego Brown se lembra que sua brilhantina tinha acabado no fim de semana anterior, tinha de comprar mais um pote daquele cosmético que voltara a ser moda a alguns anos, queria chegar na cidade logo, naquela noite tinha baile.