O ÚLTIMO DOS MARCIANOS
Por Renato Lopes Faury
Marc viu o seu mundo ruir por conta de muita conversa e pouca ação para salvá-lo. Ações simples que poderiam ser feitas para a preservação do ambiente local não foram incentivadas pelos “vendilhões” (nome dado aos representantes da oligarquia que governava Marte), não foram feitas. Companheirismo, amizade, amor; civismo, eram sentimentos desconhecidos naquele planeta. Seus técnicos preferiam lucrar em tudo, vendendo projetos, enterrando os resíduos em imensos “lixões”, cuja manutenção só justificava o lucro que davam. No entanto, pensava Marc,bastaria uma pequena mudança de comportamento da população, e um mínimo de responsabilidade das autoridades, no sentido de reduzir as emissões de gases poluentes e substâncias causadoras de mudanças climáticas, para salvar o planeta; mas essa oportunidade foi perdida. Agora, pensava Marc, era tarde demais.
Essa fora a sua grande luta. Passara toda a sua vida batalhando pela implantação de um processo de desenvolvimento sustentável, baseado no princípio da redução do desperdício de água, energia e alimentos. Ele, que era engenheiro ambiental, sabia que o planeta não sobreviveria sem isso. Desenvolvera dezenas de planos para gerenciar adequadamente os resíduos, reduzi-los, reutilizá-los, reciclá-los Se esforçara tanto para ensinar a população a não consumir produtos que gerassem impactos socioambientais irrecuperáveis...
No entanto, para sua tristeza e decepção, nem a administração pública quis dar ouvidos às suas propostas. Descuidou-se tanto da estrutura socioambiental, que até a ética nas contratações, nas compras e na prestação dos serviços foi esquecida. Não se deu prioridade aos critérios de preservação e sustentabilidade, mas somente se valorizaram os econômicos, preferindo os projetos de custo mais baixo, sem a preocupação com as agressões ao meio ambiente. Principalmente nos projetos de engenharia, o descaso das autoridades marcianas com o meio ambiente fora simplesmente criminoso.
E agora a natureza estava cobrando com fúria as agressões sofridas. Nos últimos anos, dezenas de catástrofes naturais ceifaram a vida de milhões de marcianos. Tsunamis, secas prolongadas, chuvas torrenciais, frio e calor desproporcionais, transformaram o ambiente do planeta em um verdadeiro inferno. A poluição, as doenças consequentes do acúmulo de resíduos nas grandes cidades, a destruição da camada de ozônio, a diminuição das florestas, tudo isso fez com que a taxa de imunidade de todas as espécies vivas ─ e principalmente dos seres humanos ─, contra as pragas e as doenças, caísse a um nível insuportável. E assim, as epidemias começaram a dizimar a população marciana com um furia incontrolável.
A poluição provocada pelos veículos já havia causado milhões de mortes nas grandes cidades, superando até a mortalidade em decorrência de acidentes de trânsito. As pessoas mais vulneráveis a contrair doenças relacionadas com a alta concentração de poluição como crianças, gestantes, pessoas com dietas inadequadas e os portadores de doenças crônicas como diabetes, asma, pressão alta, começaram a morrer em grande escala.
Logo o custo com o tratamento de doenças provocadas pela poluição ambiental aumentou tanto que passou a consumir praticamente todas as rendas da economia marciana. Em decorrência disso, toda a sociedade do planeta entrou em colapso.
Marc sempre disse ás autoridades que a agricultura era extremamente vulnerável às mudanças climáticas. E que, ao mesmo tempo, contribuía para essas mudanças, pois na medida em que não eram adotadas práticas agrícolas sustentáveis nas atividades de produção, distribuição e comercialização, ela passava a ser um fator de mudança climática importante. Pois quando se destruíam florestas inteiras, que hospedavam ecossistemas necessários á manutenção da qualidade ambiental, para se plantarem monoculturas cujo único propósito era a obtenção do lucro, o planeta estava praticando o próprio suicídio. Marc cansou de avisar que as formas de produção, planejadas somente para atender demandas de consumo, incentivadas por uma publicidade desatenta às adaptações a um novo ambiente, estavam indicando que os limites de utilização dos recursos naturais estavam no fim.
Então vieram as crises: econômicas primeiro e depois, política e social. Mas mesmo essas catástrofes não foram suficientes para provocar a mudança de um sistema que não estava dando certo. Pois o consumo voraz, o desperdício e o egoísmo das pessoas não davam campo para novas atitudes. Na esteira desse desvario veio o aumento do estresse social, a violência, a corrupção, a fome, a sede, a miséria geral e todos os indicadores de qualidade da vida caíram a praticamente a zero. Foi o início do fim.
Mas mesmo ás portas da morte, os marcianos nunca estiveram dispostos a sacrificar o luxo, e substituir suas mercadorias por outras de menor agressividade ao ambiente. Não procuraram racionalizar o uso da água, pensando que ela jamais acabaria; não desenvolveram formas de produção de energia mais barata, a partir de recursos renováveis; consumiram suas florestas nativas sem renová-las; usaram produtos que continham matérias primas tóxicas e nocivas à saúde; jamais recolheram pilhas, baterias e lâmpadas para reciclagem, pois achavam que elas se diluiriam no ambiente naturalmente.
As matérias primas foram ficando cada vez mais escassas, e mesmo assim os marcianos não combateram o desperdício, nem desenvolveram um sistema de reciclagem eficiente.
Marc deu milhares de palestras, escreveu centenas de artigos e vários livros conclamendo as pessoas a apagarem as luzes quando trocassem de ambiente; que tirassem os aparelhos da tomada quando não estivessem sendo usados; que utilizassem papel reciclado; usassem pilhas recarregáveis, em vez de unidades descartáveis. Deu centenas de conselhos a esse respeito, mas tudo foi em vão.
A seca que transformou Marte em um deserto poderia ter sido evitada, pensava Marc, se os responsáveis pela administração pública tivessem seguido seus conselhos. Quantas vezes ele não advertiu que a água potável estava acabando, que os lençóis freáticos estavam sendo contaminados, que a poluição ambiental estava comprometendo os ecossistemas, que o regime de chuvas estava diminuindo e que era preciso poupar água e aprender a usá-la de forma responsável.
Ah! mas nada disso adiantou. Agora, Marc, lá da sua cabana na montanha, único lugar do planeta onde a natureza ainda resistia, em seus últimos suspiros de vida, olhava para o céu e via a última onda de calor se aproximando do planeta. Dentro de poucos dias Marte seria uma imensa bola alaranjada, deserta e sem vida, a girar no espaço.
Mas essa não era a principal preocupação de Marc. Ele sabia que alguns marcianos, dominadores de uma tecnologia espacial de ponta haviam desenvolvido meios para escapar deste planeta. E neste justo momento eles estavam voando em suas espaçonaves em direção ao terceiro planeta do sistema solar. Um lindo planeta azul, envolto por uma atmosfera agradável, feita de nitrogênio e oxigênio, cheio de rios e florestas. Um planeta limpo e bonito, habitado por formas de vida ainda tão primitivas, que mais ajudam a natureza do que a prejudicam. Os marcianos vão plantar nesse planeta azul as suas colônias. E fazer lá o mesmo que fizeram com Marte. E depois, quem sabe, com os demais planetas do sistema solar e quiçá, com outros que forem descobertos e puderem ser colonizados. O último pensamento de Marc foi um pedido a Deus para que, antes de eles poluirem e destruirem, com seu egoísmo o universo inteiro, Ele faça com que os homens aprendam um modo de viver mais saudável. E que deixem de ser os vermes do universo.
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Renato Lopes Faury é engenheiro civil pela UMC. Trabalhou na SABESP. Fez pós graduado em engenharia ecológica na FAAP e hoje faz palestras de dá cursos na área de preservação do meio ambiente. É autor do livro “ O Ambiente Humano”. E-mail: renatofaury@ig.com.br
Por Renato Lopes Faury
Marc viu o seu mundo ruir por conta de muita conversa e pouca ação para salvá-lo. Ações simples que poderiam ser feitas para a preservação do ambiente local não foram incentivadas pelos “vendilhões” (nome dado aos representantes da oligarquia que governava Marte), não foram feitas. Companheirismo, amizade, amor; civismo, eram sentimentos desconhecidos naquele planeta. Seus técnicos preferiam lucrar em tudo, vendendo projetos, enterrando os resíduos em imensos “lixões”, cuja manutenção só justificava o lucro que davam. No entanto, pensava Marc,bastaria uma pequena mudança de comportamento da população, e um mínimo de responsabilidade das autoridades, no sentido de reduzir as emissões de gases poluentes e substâncias causadoras de mudanças climáticas, para salvar o planeta; mas essa oportunidade foi perdida. Agora, pensava Marc, era tarde demais.
Essa fora a sua grande luta. Passara toda a sua vida batalhando pela implantação de um processo de desenvolvimento sustentável, baseado no princípio da redução do desperdício de água, energia e alimentos. Ele, que era engenheiro ambiental, sabia que o planeta não sobreviveria sem isso. Desenvolvera dezenas de planos para gerenciar adequadamente os resíduos, reduzi-los, reutilizá-los, reciclá-los Se esforçara tanto para ensinar a população a não consumir produtos que gerassem impactos socioambientais irrecuperáveis...
No entanto, para sua tristeza e decepção, nem a administração pública quis dar ouvidos às suas propostas. Descuidou-se tanto da estrutura socioambiental, que até a ética nas contratações, nas compras e na prestação dos serviços foi esquecida. Não se deu prioridade aos critérios de preservação e sustentabilidade, mas somente se valorizaram os econômicos, preferindo os projetos de custo mais baixo, sem a preocupação com as agressões ao meio ambiente. Principalmente nos projetos de engenharia, o descaso das autoridades marcianas com o meio ambiente fora simplesmente criminoso.
E agora a natureza estava cobrando com fúria as agressões sofridas. Nos últimos anos, dezenas de catástrofes naturais ceifaram a vida de milhões de marcianos. Tsunamis, secas prolongadas, chuvas torrenciais, frio e calor desproporcionais, transformaram o ambiente do planeta em um verdadeiro inferno. A poluição, as doenças consequentes do acúmulo de resíduos nas grandes cidades, a destruição da camada de ozônio, a diminuição das florestas, tudo isso fez com que a taxa de imunidade de todas as espécies vivas ─ e principalmente dos seres humanos ─, contra as pragas e as doenças, caísse a um nível insuportável. E assim, as epidemias começaram a dizimar a população marciana com um furia incontrolável.
A poluição provocada pelos veículos já havia causado milhões de mortes nas grandes cidades, superando até a mortalidade em decorrência de acidentes de trânsito. As pessoas mais vulneráveis a contrair doenças relacionadas com a alta concentração de poluição como crianças, gestantes, pessoas com dietas inadequadas e os portadores de doenças crônicas como diabetes, asma, pressão alta, começaram a morrer em grande escala.
Logo o custo com o tratamento de doenças provocadas pela poluição ambiental aumentou tanto que passou a consumir praticamente todas as rendas da economia marciana. Em decorrência disso, toda a sociedade do planeta entrou em colapso.
Marc sempre disse ás autoridades que a agricultura era extremamente vulnerável às mudanças climáticas. E que, ao mesmo tempo, contribuía para essas mudanças, pois na medida em que não eram adotadas práticas agrícolas sustentáveis nas atividades de produção, distribuição e comercialização, ela passava a ser um fator de mudança climática importante. Pois quando se destruíam florestas inteiras, que hospedavam ecossistemas necessários á manutenção da qualidade ambiental, para se plantarem monoculturas cujo único propósito era a obtenção do lucro, o planeta estava praticando o próprio suicídio. Marc cansou de avisar que as formas de produção, planejadas somente para atender demandas de consumo, incentivadas por uma publicidade desatenta às adaptações a um novo ambiente, estavam indicando que os limites de utilização dos recursos naturais estavam no fim.
Então vieram as crises: econômicas primeiro e depois, política e social. Mas mesmo essas catástrofes não foram suficientes para provocar a mudança de um sistema que não estava dando certo. Pois o consumo voraz, o desperdício e o egoísmo das pessoas não davam campo para novas atitudes. Na esteira desse desvario veio o aumento do estresse social, a violência, a corrupção, a fome, a sede, a miséria geral e todos os indicadores de qualidade da vida caíram a praticamente a zero. Foi o início do fim.
Mas mesmo ás portas da morte, os marcianos nunca estiveram dispostos a sacrificar o luxo, e substituir suas mercadorias por outras de menor agressividade ao ambiente. Não procuraram racionalizar o uso da água, pensando que ela jamais acabaria; não desenvolveram formas de produção de energia mais barata, a partir de recursos renováveis; consumiram suas florestas nativas sem renová-las; usaram produtos que continham matérias primas tóxicas e nocivas à saúde; jamais recolheram pilhas, baterias e lâmpadas para reciclagem, pois achavam que elas se diluiriam no ambiente naturalmente.
As matérias primas foram ficando cada vez mais escassas, e mesmo assim os marcianos não combateram o desperdício, nem desenvolveram um sistema de reciclagem eficiente.
Marc deu milhares de palestras, escreveu centenas de artigos e vários livros conclamendo as pessoas a apagarem as luzes quando trocassem de ambiente; que tirassem os aparelhos da tomada quando não estivessem sendo usados; que utilizassem papel reciclado; usassem pilhas recarregáveis, em vez de unidades descartáveis. Deu centenas de conselhos a esse respeito, mas tudo foi em vão.
A seca que transformou Marte em um deserto poderia ter sido evitada, pensava Marc, se os responsáveis pela administração pública tivessem seguido seus conselhos. Quantas vezes ele não advertiu que a água potável estava acabando, que os lençóis freáticos estavam sendo contaminados, que a poluição ambiental estava comprometendo os ecossistemas, que o regime de chuvas estava diminuindo e que era preciso poupar água e aprender a usá-la de forma responsável.
Ah! mas nada disso adiantou. Agora, Marc, lá da sua cabana na montanha, único lugar do planeta onde a natureza ainda resistia, em seus últimos suspiros de vida, olhava para o céu e via a última onda de calor se aproximando do planeta. Dentro de poucos dias Marte seria uma imensa bola alaranjada, deserta e sem vida, a girar no espaço.
Mas essa não era a principal preocupação de Marc. Ele sabia que alguns marcianos, dominadores de uma tecnologia espacial de ponta haviam desenvolvido meios para escapar deste planeta. E neste justo momento eles estavam voando em suas espaçonaves em direção ao terceiro planeta do sistema solar. Um lindo planeta azul, envolto por uma atmosfera agradável, feita de nitrogênio e oxigênio, cheio de rios e florestas. Um planeta limpo e bonito, habitado por formas de vida ainda tão primitivas, que mais ajudam a natureza do que a prejudicam. Os marcianos vão plantar nesse planeta azul as suas colônias. E fazer lá o mesmo que fizeram com Marte. E depois, quem sabe, com os demais planetas do sistema solar e quiçá, com outros que forem descobertos e puderem ser colonizados. O último pensamento de Marc foi um pedido a Deus para que, antes de eles poluirem e destruirem, com seu egoísmo o universo inteiro, Ele faça com que os homens aprendam um modo de viver mais saudável. E que deixem de ser os vermes do universo.
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Renato Lopes Faury é engenheiro civil pela UMC. Trabalhou na SABESP. Fez pós graduado em engenharia ecológica na FAAP e hoje faz palestras de dá cursos na área de preservação do meio ambiente. É autor do livro “ O Ambiente Humano”. E-mail: renatofaury@ig.com.br