[7º Desafio Contadores de Histórias - 5º Conto] - Coelhos mágicos falam demais
“A pradaria é um péssimo lugar para magia. Prefira as florestas, se densas, melhor ainda. Os prados são muito expostos”.
Virei a página com a certeza de nunca ter lido maior bobagem. Sentei na grama admirando o prado que tanto me encanta. Uma leve colina à minha frente brilha com o sol branco da tarde. De onde estou posso avistar o mar rodeando toda a ilha. Longe de minha casa, esse é o meu refúgio favorito. Um feitiço simples me traz a essa ilha desabitada no meio do oceano, onde posso estudar e treinar minha magia sem incomodar ninguém. Sentado na relva, atirei o livro de lado aproveitando a quietude do momento.
E para meu espanto, no minuto seguinte, saindo da ravina, pulando, milhares de coelhos. Um mar branco invadindo o verde da grama.
Continuei ali, sentado vendo aquela onda branca, quando um deles veio ao meu lado.
- Que dia!- Disse ele.
Olhei espantado e meneei a cabeça concordando. Me recuso a falar com um coelho, ainda não perdi toda minha sanidade.
Passamos alguns minutos em silêncio e não me contive.
- Achei que vocês coelhos selvagens tivessem hábito noturno.
- Coelho? O que é um coelho? Ele disse olhando para mim com seus pequenos olhos vermelhos.
- Vocês são coelhos.
- Bah, coelhos. Somos turfes. É tão difícil assim de reconhecer? Eu sou Tkint Al de Baran, o primeiro general da dinastia Baran. Viremos em quatro dinastias. A primeira parte da invasão coube à casa de Baran. Olhe os quatro brasões, esse com as cenouras cruzadas são da casa Baran, não são de longe os mais bonitos? Nossa, estou exausto. Manter esse portal aberto é muito cansativo, até para alguém com grande poder mágico como eu – fala sem parar e sem nenhuma modéstia.
A nova informação parece lógica, Turfes... melhor do que coelhos falantes. Então caiu a ficha.
- De que invasão você está falando?
- Não parece óbvio? Estamos invadindo seu planeta.
- Coelhinhos sem armas...hehehe...- falei enquanto o erguia pelas orelhas.
- Tire esse sorriso idiota da cara. Olhe quantos estão chegando... serão vinte e cinco mil e oitocentos, só de batedores, e logo virão mais, muitos mais. Somados aos próximos vinte e cinco milhões, cada fêmea se reproduz a cada trinta dias, em média quatro filhotes, se forem duas fêmeas em seis meses já estarão se reproduzindo. Faça as contas. Ah, já disse, não somos coelhos, somos turfes.
Tentei fazer a conta, mas tinha muitos zeros e desisti.
- E por que estão nos invadindo?
- Olhe bem, falou baixinho com um tom de cumplicidade, nosso planeta virou um deserto, de lá saímos para mais de vinte outros planetas e hoje todos são desertos. É uma maldição que carregamos. Aonde vamos, acabamos comendo tudo que existe. Sempre chegamos a um planeta pacificamente, embora nem sempre sejamos recebidos da mesma maneira. Mesmo quando nos atacam ou matam, o número de turfes colonizadores é tão grande que não faz diferença se matam alguns milhares.
- Mas por que este planeta especificamente?
- Acaso. Foi onde o portal abriu.
Enquanto ele falava tentei uma magia...puff...sumiu um turfe que estava na minha frente, imediatamente cinco outros apareceram.
- Haha...magia não adianta, - zombou Tkint, - também conhecemos.
Maldição uma ova, pensei. Fome sem fim, isso sim. Comecei a refletir e ficar preocupado. Os mestres feiticeiros não se preocupariam com o que parecem ser coelhos até não haver mais saídas.
Subi correndo, tropeçando, até a próxima colina de onde estavam vindo os turfes, sempre levando Tkint pelas orelhas.
O portal estava à vista no fundo da ravina, uma onda de turfes atravessava pulando sem parar. Parecia que aquilo nunca mais ia acabar. Então tive uma ideia. Comecei a fazer cócegas na barriga de Tkint. Em meio a suas reclamações e risadas ele desconcentrou-se e o portal fechou.
- Seu idiota, veja o que fez - agora ele estava realmente irritado. Mordeu minha mão fazendo com que eu o soltasse. – Seu imbecil, paspalho. Olhe só o trabalho que terei que recomeçar.
Apesar do aspecto de coelhos fofinhos, cinquenta deles cercando-o e aguardando as ordens do chefe era de dar medo sim.
- Desculpe, sinto muito, vamos até minha casa e eu o compensarei.
Ele olhou-me desconfiado, - compensará como?
- Tenho muita cenoura – falei, hesitante se este seria um bom argumento. Respirei aliviado quando ele moveu o focinho e os bigodes com sinal de satisfação antecipada.
– Sabe que não adiantará nada me atacar, não é? Meus lugares tenentes, mesmo sem a minha capacidade mágica, reabrirão o portal. Te contei que meu planeta se chama Turf? Por isso nos chamamos turfes, porque somos de Turf.
Concordei em silencio. Bom, pelo menos ganhei algum tempo. Com uma varinha desenhei um pentagrama no chão e ele pulou para dentro junto comigo, enquanto continuei a desenhar símbolos místicos nos quatro quadrantes. E no minuto seguinte estávamos na frente de minha casa. Pequena, porém sólida, de pedras, com porta e janelas de madeira escura encontrada na região e coberta de palha. Eu a construí num contraforte, com boa visão da planície e caminho fácil para a montanha. Atrás da casa, um celeiro de pequena proporção era o suficiente para guardar nossa produção. Descendo a planície e atravessando um grande bosque em direção ao sul, chega-se a vila.
Assim que ouviu o barulho, Jhill, meu irmão mais novo, saiu da casa e quase caiu para trás quando ouviu um “coelho” falando. E como fala...
Mostrei a Tkint a horta afastada alguns metros, mas ele ficou confuso.
- Onde estão as cenouras?
- Na terra, basta pegar.
E ele continuou me olhando como se não entendesse nada. Abaixei-me, apanhei uma cenoura pelo talo e entreguei a ele.
Tkint piscou várias vezes os olhinhos vermelhos e depois de algum tempo perguntou:
- Então é assim que vocês as criam aqui? Mas ela está suja de terra. Não dá pra comer assim.
Resignado eu apanhei a cenoura, cortei o talo e lavei-a e entreguei-lhe novamente, só então ele começou a comer. Apanhei e limpei mais meia dúzia de cenouras e enquanto Tkint comia chamei meu irmão e o mandei ir até a vila com a maior urgência e entregar um recado ao conselho dos Elderes. Escrito às pressas, poucas palavras informando a gravidade e solicitando a presença do conselho.
- Já estou indo, mas... é mesmo um coelho falante?
- Caluda, depois eu explico, agora vai, com o vento.
Meia hora se passa e um grande redemoinho surge do nada no meu quintal e como surgiu desaparece, deixando em seu lugar todo o conselho. Cinquenta magos. Todos cercaram Tkint e começaram a inquiri-lo. Falar nunca foi o problema dele. Aliás, falava mais do que devia. Respondia o que lhe perguntavam e mais, falava do planeta Turf, das dinastias, das tradições, da vida, da fome, da sua prole, da magia turfiana e falava e falava e falava.
- Muito bem, vocês são ótimas pessoas, mas tenho que ir, reabrir o portal. Obrigado pelas cenouras, tem um gosto realmente especial, deve ser por estarem na terra, as nossas crescem em galhos de cenoureiras, mais fácil de colher porém o sabor levemente mais insípido.
- Sr. Tkint, pronunciou o Elder Warlock, temos uma proposta para o senhor. Podemos resolver facilmente o problema de super população que seu mundo encontra, desde que não inunde nosso mundo. Podemos aceitar os que já estão aqui, mas não os milhões que viriam, e o Sr. poderá regressar ao seu mundo levando a eles também a solução. Usamos o controle de natalidade a muitas gerações, podemos alterá-la facilmente para a sua raça.
- Sinto muito senhores, mas os Masters das quatro dinastias maiores já decidiram, a invasão não pode mais ser evitada.
Dando por encerrada a conversa ele tenta fazer uma conjuração espacial para voltar mas não consegue.
- O que acontece com esse mundo? Por que o portal não abre?
- Somente um portal, pode ser aberto neste mundo, no local original onde vocês chegaram, nem a magia comum pode alterar as correntes iônicas cósmicas – explica Warlock.
- E como vim para cá?
- Por magia claro, mas não funciona como um portal, apenas uma ou duas pessoas podem se deslocar dessa maneira.
- Então queiram ter a bondade de me devolver aonde cheguei, tenho muito trabalho a fazer, reabrir o portal e dar continuidade a invasão.
- Muito bem Sr. Tkint, atenderemos ao seu desejo - e dirigindo-se ao conselho: - irmãos ao meu sinal – comandou o Elder, e todos conjuraram o feitiço enviando o turfe de volta a ilha.
- Quantos coelhos vocês acham que caberão numa ilha de sete quilômetros quadrados? - perguntou o Elder Warlock a seus pares, sorrindo, enquanto desciam em direção a vila.