Futurama
John R. S. L. H. Lithroy escuta o zunido crescente e agudo do despertador. Acorda e retira o pequeno fone do ouvido. Ainda sonolento, aperta um botão pouco abaixo das axilas, acionando o apoiador de cabeça. Concomitantemente sobem duas estacas do aparelho instalado em suas costas. Quando chegam à altura da cabeça, os dois balões de borracha inflam e contraem as maçãs do seu rosto, contornando suas avantajadas orelhas e se apoiando no crânio liso.
Dizem que antigamente nossas cabeças eram três vezes menores do que são hoje e que ninguém usava apoiador. Também tinha o tal de cabelo; pêlos que escorriam dela. Sentiu ojeriza só de pensar nisso.
Nos vídeo-livros antigos consta que nos comunicávamos através de sons emitidos pela boca. Que desperdício de energia, pensou John. Hoje todos temos acesso, por um baixo preço e assinatura mensal praticamente irrisória, ao tele-pensamento.
Jonh aperta um botão na cabeceira da cama acionando o levantador. Estende os braços e a máquina grudada no teto desce dois tentáculos. Sentindo o revestimento interno de pelica sintética envolvendo maciçamente seus braços, ele tem a consciência de que valeu a economia de três anos para comprar o acessório. O material original do equipamento, estava deixando feridas horríveis nos seus braços; sem falar na dor.
A máquina o coloca de pé. John consegue se firmar com dificuldade segurando nas barras paralelas. Anda vagarosamente até o banheiro a menos de um metro da cama. Suas pernas são só osso e mal dão conta do corpo de 48 kg. Reflete concluindo que está exagerando nas pílulas-alimento e que precisa de um regime sistemático. Senão, qualquer dia, nem se levantará mais da cama. Ele sonha em comprar uma cadeira-pensamento que o levará ao vaso-higiênico sem que precise andar. Mas, por enquanto, ainda é obrigado a usar o processo analógico. “Desperdício de energia” - conclui.
Sentado no vaso-higiênico ele aperta o botão de start. Imediatamente desce do teto um enorme capacete cobrindo completamente sua também enorme cabeça. Ele contrai os lábios e força os dentes pra frente. A escova, manuseada por um pequeno tentáculo da máquina, faz movimentos diversos, escovando os seis dentes de cima e os quatro de baixo. Mais da metade deles estão cariados ou podres. Logo não restará nenhum. Ele não vê a hora. Se tivesse condições, iria em um dentista/extrator e mandaria arrancá-los - mas é muito caro.
Um canudinho espirra um pouco d’água em sua boca; ele bochecha e cospe em seguida.
No vídeo do capacete está escrito que hoje é dia de higiêne-urinária-fecal completa. John se desespera. Sabe da dor que irá sentir. Há meses que não passava por isso.
Seus finos dedos trêmulos apertam o botão do urinador. Um tubo emborrachado sobe do vaso e se encaixa em seu pênis flácido. Dizem que o aparelho foi inspirado numa tal de ordenha mecânica. Que era usada para extrair leite das vacas. Animal que, ainda bem (pensa John), já está extinto a mais cem anos.
Quando a máquina mostrou no vídeo que o processo urinário estava completo, John precisou de muita coragem para apertar o botão do defecador automático. Sabia que se não o fizesse correria o risco de sentir aquele líquido pastoso escorrendo dentro da sua calça térmica. Enfim apertou.
O aparelho saiu de dentro do vaso e se ajeitou em seu ânus. Nas bordas saiu o líquido colante - grudando o aparelho em sua pele lisa e desbotada. O ar estava vedado. O massagiador abdominal entrou em ação e a máquina começou a sugar. John sentiu realmente muita dor.
Depois de quase quarenta minutos, apareceu no vídeo a mensagem: limpeza automática. John apertou o botão sentindo-se aliviado. O jato d’água e a esponja eram uma delícia depois daquela tortura. Por fim era só apertar o botão de secagem.
Tudo acabado, John retira o recibo do aparelho. Ali estão registrados todos os horários do processo de higienização. Vai precisar mostrar ao seu chefe, pois perderá no mínimo 50 minutos de hora-útil-trabalhada e terá que se justificar.