O dia em que a Lapa recebeu a primeira visita extraterrestre
Odeio consultório odontológico. Sempre tem alguém para conversar sobre algo que você não quer. A minha última visita foi exatamente assim. Cheguei como sempre com quinze minutos de antecedência. A secretaria me informou que houve uma emergência e o Dr. demoraria um pouco para me atender. Pensei em sair e voltar mais tarde, mas depois resolvi esperar. Havia somente uma senhora na sala de espera. Elegante, joias no pescoço e braços. Visual típico de classe média alta. Cumprimentei-a com um maneio de cabeça e sentei-me num sofá a sua frente. Não se passaram sessenta segundos até ela falar:
- O Sr. acredita nisso? Apontou para a manchete da revista sensacionalista sobre a mesinha de centro, que fala de visitantes espaciais.
- Preferiria não acreditar, mas não posso negar meus sentidos.
- Sim...? - ela inquiriu.
- Desculpe, - retorqui, - prefiro não entrar nesse assunto, sempre acaba virando polemica.
- O Sr. me deixou mais curiosa agora.
Tudo que eu não queria, mas para evitar ser desatencioso, acabei concordando em falar: - Já ouvi muita coisa, mas o que vou lhe contar eu presenciei. Eu estava lá.
Foi na Lapa, em vinte e um de junho de 1970. Me desculpem os paulistas e cariocas, mas não é a sua Lapa. Estou me referindo a Lapa, Paraná.
O sol timidamente jogava seus primeiros raios. E lá estava ela. A nave. No meio da praça da matriz de Santo Antônio, aquele quadrado metálico. As primeiras pessoas que passaram para comprar pão, agasalhadas do sereno, mal perceberam. Algumas repararam, acharam tratar-se daqueles modernos banheiros químicos. Mas na Lapa?
O céu transmutou seu negrume para violeta e fixou-se num azul de fazer inveja a brigadeiro. Mas a gélida brisa matinal não deixava esquecer que estávamos em junho. Janelas começaram a se abrir. Ao longe um cachorro latia quando um piá passava correndo orgulhoso em sua camisa amarela.
D. Maricota deixou a porta da casa aberta e foi ver essa novidade na praça da matriz. Claudicante, e mesmo auxiliada pela bengala demorou uma eternidade para chegar, já quase arrependida da empreitada. “Uma caixa de metal, que coisa ridícula, nem enfeita a praça”, pensou ela, enquanto batia com a bengala examinando a parede metálica. “Mas se está aqui no meio da praça, deve ter a benção de Santo Antônio”, continua pensando sozinha e rodeando a estrutura, quando depara-se com a estranha figura. Pequeno com cerca de um metro, magro com braços e pernas finas, cabeçudo, verde e pasmem: completamente nu. Do alto de seus oitenta e nove anos, D. Maricota olhou o ET, reolhou e cutucou com a bengala para chamar sua atenção e falou:
- Ô esseminino verdinho, que está fazendo essa hora da manhã pelado na praça?
- Desculpe Sra., mas não costumamos usar adereços.
- Então porque esse par de chifrinhos?
- Não são chifres Sra., são antenas, todos da minha raça tem.
- Mas esseminino, assim não vai poder usar uma boina ou chapéu, nunca vai estar elegante.
- Unff.
- Minino mal educado, não se responde assim para os mais velhos, proferiu D. Maricota enquanto dava uma bengalada exatamente entre as antenas, fazendo com que o ET se refugiasse na nave. Muito suscetível, ele enfurna-se na nave a qualquer contradição. Ela retorna a sua casa resmungando alto sobre a falta de educação das crianças de hoje em dia.
Passado uma meia hora, ele arrisca a sair novamente. O sol quente propicia o lagartear. E alguns cidadãos executavam esse esporte tão paranaense. Alguns abandonaram a letargia matinal para chegar mais perto e ter um dedo de prosa com o estranho ET. Uma rodinha formou-se a sua volta e ele tentava explicar coisas de seu mundo e das viagens espaciais.
- Depende do tipo da viagem – disse ele, - se for em naves espaciais, qualquer parada é possível, mas se usar as correntes iônicas cósmicas, como eu, tenho que aceitar as entradas e saídas pré existentes, e na sua terra não são tantas assim, aqui no seu pais temos a mais usada em Varginha e só recentemente descobrimos o acesso à Lapa. Isso foi muito bom, pois não entendíamos direito o que o pessoal de Varginha falava, era só “verdim, squizitim, uai, trem,” estava difícil o contato.
O sol já ia a pino e uma multidão havia se formado a sua volta enchendo a praça. Três ou quatro carros que passavam pararam e também algumas gaiotas (Gaiota: segundo antigos lapeanos, significa pequena carroça. Não encontrei em nenhum dicionário essa definição, e procurei em muitos, mas não se duvida da palavra de um lapeano, então, fica gaiota.). Cabo Zeca, especialista em manifestações e aglomerações, vaticinou: - tem pelo menos cento e oitenta viventes aqui. Estava excepcionalmente cheia a Lapa nesse domingo. Ao longe pipocavam alguns rojões.
Já mais à vontade e confortável o simpático ET explicava porque veio. Seu tempo era restrito. Assim que o computador da nave terminasse a adaptação do cubo cósmico para o padrão terrestre, sua vida útil seria de alguns minutos, ele deveria ser imediatamente usado em algum terrestre, repassando o conhecimento e todas maravilhas das conquistas e evolução dos planetas unidos da galáxia de Andrômeda.
Apenas alguns minutos faltavam para o processo ser completado, quando a população estranhamente começou a abandonar a praça. Os rojões tornaram-se mais frequentes. Todos agora passavam apressados, ninguém mais parava. Alguns corriam com bandeiras amarelas.
Quando o computador começou a piscar, indicando o término do processo, o cubo foi ejetado. Agora bastava apenas encostar o cubo na cabeça de um terráqueo para as informações serem transferidas. Onde estavam os terráqueos? Sumiram todos. O aspecto agora era de uma cidade fantasma. Nenhum som se ouvia. O cubo começou a mudar de cor na mão do Andromediano. Também sua consistência estava alterando-se. O gelatinoso foi-se diluindo e pingando entre os dedos do desesperado ET. Uma vida viajando, jogada fora em alguns minutos. A praça estava totalmente deserta. De repente, em uníssono, toda a cidade pareceu proferir um brado, talvez um mantra: GOOOOLLLLLL.
Desolado o viajante esmeraldino limpa das mãos o que restou do cubo, entra em sua nave e num som irritantemente agudo, desaparece nas correntes iônicas.
Até hoje D. Maricota procura a mãe do menino para dizer a ela poucas e boas sobre a educação moderna.
No dia seguinte, todos ainda comemoravam a vitória e apenas dois senhores encostados numa parede que recebia sol, olhando o centro da praça da matriz, agora vazio, comentaram:
- Pois é. Vazio.
- É, deve ter ido embora.
E nunca mais ninguém falou sobre esse ilustre e desconhecido viajante.
Nesse momento a Sra. que ouvia me interpelou: mas e as quase duzentas ou mais pessoas que presenciaram tudo?
- Quem estava pensando em ET? O Brasil acabara de sagrar-se tricampeão de futebol, o detentor definitivo da taça Jules Rimet. Todo mundo queria apenas festejar.
E assim terminei minha explanação, a Sra. olhou-me como se eu fosse o ET e ironiza - Isso é história para boi dormir. Só vocês lapeanos mesmo para achar que sua Lapa é o umbigo do mundo.
- Por favor Sra., não coloque palavras em minha boca. Nunca disse que a Lapa era o umbigo do mundo. “A Lapa é o umbigo do universo”, pensei. Irritado me levantei desistindo da consulta e saí resmungando, “E eu nem sou lapeano”.