O Monstro
Eu era um cientista renomado até certos fatos acontecerem. No meu antigo emprego, desenvolvia substâncias capazes de imunizar as pessoas de qualquer doença. Mas havia erros em minha pesquisa, erros irreversíveis.
Junto com minha equipe, estávamos testando estas substâncias em um jovem. Visando somente a fama e o dinheiro que aquilo nos renderia se tudo desse certo, não imaginamos as consequências de nossos atos. O primeiro erro foi testar aquilo em uma pessoa sem ter 100% de certeza de que era seguro.
Nos primeiros minutos após a injeção, o Renan continuava normal, aparentemente nós obtivemos sucesso total. Mas como nada é perfeito, alguns efeitos colaterais surgiram. Primeiramente algo normal, como um pouco de tontura e visão embaçada, pois a dose era forte e ele não havia se preparado. No entanto, as coisas não tardaram a piorar. Nossa cobaia começou a suar fortemente. Vapor saia de sua pele. E veio a explosão. O garoto explodiu. Por um milésimo de segundo, pensei estar sonhando, mas infelizmente era tudo real.
Alguns anos se passaram depois deste incidente. Meu laboratório só não foi fechado porque havia sido destruído tamanha a explosão. De minha equipe, somente eu sobrevivi, porém não sei se por sorte ou azar. E o corpo de Renan nunca foi encontrado. Alguns dizem que ele morreu, se vaporizou. Já eu posso afirmar que ele sobreviveu de alguma maneira.
O tempo não foi nada bom comigo. Depois de perder o emprego anos atrás, os problemas tomaram conta de minha vida. Por sorte consegui me aposentar de alguma maneira. Venho tentando me manter longe da bebida, mas não sei quanto tempo aguentarei. Minha família me abandonou, todos pensam que sou louco. Acham que eu próprio explodi o lugar e matei a todos.
Enfim, só queria mostrar a todos que não aconteceu como eles imaginam. Nos dias atuais, tenho pesadelos todas as noites com Renan e minha equipe. Tudo isso tinha acabado alguns meses depois do fracasso. Mas voltou semana passada. Eu nunca os esqueci de verdade. Todos esses anos venho me sentindo culpado pela minha irresponsabilidade.
Talvez seja só paranoia, mas coisas vêm me acontecendo. Sinto que estou sendo observado, e um forte calor acompanha este sentimento. Já fui a vários médicos, mas sempre o resultado diz que estou com saúde perfeita. Tentei psicólogos, psiquiatras, neurologistas, etc., mas todos eles dizem que é culpa pelo acidente de anos atrás.
Mas o ápice de tudo veio quando acordei em um lugar escuro, com apenas uma pequena fresta de luz. Sem saber onde eu estava clamei por ajuda, em vão. Provavelmente fui sequestrado – pensei. – Não adianta gritar. Quando de repente uma voz vinda das sombras se manifesta.
— Olá, professor. Há quanto tempo.
— Quem... que está aí?
— Não se recorda de mim, professor? – Perguntou a voz se aproximando. – Do seu melhor aluno?
— Impossível! Você não pode estar... isto é um pesadelo! Eu... estou apenas dormindo.
O suposto Renan, que havia morrido na sala de testes, se aproximou e pude ver seu rosto por meio de uma fresta de luz que vinha de algum lugar acima. Sua face havia sido queimada por completo e uma cicatriz grossa havia se formado ali. Não poderia reconhece-lo senão fosse por seus olhos. Eram os mesmos olhos claros de quando ainda meu aluno e havia se oferecido para ser a cobaia do teste. Mas agora estavam imersos em ódio.
— Isto não é um sonho, professor. Estou vivo, embora todos pensem o contrário. Mas estou morrendo. Aquele acidente deixou-me sequelas além desta cara horrível. Somente você pode me curar, afinal você é o culpado de tudo isto.
— Eu não posso ajudá-lo. Me perdoe, mas não posso. – Aquele sentimento de culpa voltou à tona.
— Não é questão de poder ou não! – Disse ele em resposta. – Você fez isto e você me concertará! Durante todo esse tempo me escondi nas trevas por sua culpa...
Eu não sabia o que fazer. Durante anos ele era considerado morto e agora retorna me culpando de tudo aquilo. No fundo eu sabia que ele tinha razão, porém eu precisava pensar em algum jeito de fugir dali. O ódio o consumia e ele poderia me matar a qualquer momento.
— Como posso ajudá-lo? Meu laboratório, minhas anotações e todo o resto foi destruído na explosão. Não há nenhum meio de recuperar anos de pesquisas.
— O que acha que estive fazendo todo este tempo? – Indagou. – Planejei este momento há tempos. Refiz todos os estudos. Montei meu próprio laboratório no subterrâneo.
— Apenas não me mate – pensando bem, eu poderia até refletir mais sobre este pedido, minha vida já estava acabada mesmo.
— Apenas não me dê motivos.
Renan me levou até sua “caverna” como chamara. O lugar onde passou a última década. Era imenso. Incrível.
— Como conseguiu tudo isto? – Perguntei impressionado.
— Roubei. Aqui tenho tudo o que você irá precisar. Você tem 48 horas. Há comida e um banheiro. – E fechou a porta que nos levara até ali.
Eu não imaginava o que ele faria depois do prazo dado, mas já imaginava que ele me deixaria trancafiado em algum lugar. Eu já tinha um plano arquitetado e só teria que pôr em prática. Provavelmente meu ex-aluno tinha câmeras espalhadas por todo lugar. Eu teria que ser mais esperto que ele.
Tentei criar alguma formula que o deixasse fraco quando a experimentasse, assim eu teria uma chance de fugir. Estava um pouco enferrujado após tantos anos sem exercer minha profissão, demorei um pouco mais do que demoraria em meu auge para fazer aquele procedimento tão simples, mas o terminei com êxito. Fiz uma segunda fórmula, pois eu já esperava que o Monstro me faria provar a substância antes de testá-la em si mesmo.
Tudo realmente ocorreu como eu havia planejado, mal podia acreditar naquilo. Após o prazo ele voltou, mandou que eu injetasse uma dose da fórmula e eu injetei. Depois me instruiu a injetar nele mesmo e fiz assim como foi ordenado. O efeito não tardaria a se fazer. Aconteceu. Renan ficou zonzo e desabou no chão, ainda consciente. Era a minha chance, sai correndo em direção à porta. Ele tinha trancado, contudo eu estava preparado. Pois também existia ácido naquele lugar, joguei na fechadura da porta e ela se abriu.
Trouxe comigo uma pequena porção de bombas que fiz no laboratório, aprendi a fazê-la nos primeiros meses da faculdade, bons tempos. Mas não é hora de lembranças. Plantei uma delas na porta e corri. Corri como nunca havia corrido em toda minha vida e o quanto meu corpo possibilitava. Ouvi a bomba explodir, não era muito grande, portanto o efeito não seria muito devastador. O melhor estava reservado para o final.
Logo cheguei ao ponto em que havia aparecido dois dias antes. Estava escuro da mesma maneira. Então, lembrei da fresta de luz. Olhei para cima e vi algo que parecia ser um bueiro. Estava há uns dois metros e meio do chão, não conseguia alcançar devido a minha baixa estatura. Havia lixo naquele espaço mal iluminado. Empilhei o entulho de modo que deveria alcançar o bueiro e plantei outra pequena bomba. Já podia ver o som dos passos de Renan. Me escondi atrás do entulho e a bomba detonou. Aquilo fez uma abertura do tamanho exato de meu corpo, assim poderia passar com tranquilidade. Sons de passos mais próximos. Antes de subir no entulho para a liberdade joguei a bomba maior. Seu efeito superaria em 10 vezes o das outras menores. Subi rapidamente pela a abertura e corri ainda mais para escapar de algum dano da explosão.
BOOM! Aquilo me deixou surdo por vários dias, mas com certeza deve ter eliminado Renan. Bendita seja a Química!
É improvável que o monstro retorne. Mas desta vez estarei preparado.