O Planeta Paraiso
“Como alguém morre no paraíso? Feliz”.
Estava em processo a futura colonização. Geologia, mineralogia, fauna, flora, toda a análise do planeta era perfeita. O planeta era rico o suficiente para merecer tornar-se uma colônia terráquea. O programa vinha sendo desenvolvido segundo as normas do CPC (conselho planetário colonial) sem nenhum problema aparente. Décadas de colonizações abruptas e forçadas, ensinaram aos terráqueos que estudos preliminares e obediência absoluta ao programa era a chave da colonização bem sucedida. Depois da NCP (normatização de colonização planetária) encerraram-se as mortes e revoltas por parte dos nativos. Quando a NCP era seguida à risca, os nativos eram envolvidos e aculturados tornando-se membros produtivos da APU (associação dos planetas unidos).
Tudo estava correndo conforme o planejado. A FASE 1, fora um grande sucesso. O contato inicial foi esplêndido. Os nativos são dóceis e esmeram-se em atender sem qualquer objeção o que lhes seja pedido. Se evidenciarem algum desejo, buscam realizá-los. Existe uma proto religião que os leva a obedecer aos anseios do próximo. Um casal de precursores participou dessa fase, porém uma fatalidade os impediu de verem sua obra ser efetivada. Ambos morreram quando já preparavam-se para voltar a terra. Quando o segundo casal pré colonizador, responsável pela FASE 2 chegou, os nativos tristemente informaram a tragédia ocorrida naquela manhã. Aparentemente comeram uma leguminosa venenosa chamada virgum, bastante comum na região. Os corpos velados pelos nativos foram enviados a terra para exames, evidenciando realmente a morte por substancia tóxica. O segundo casal, dois cientistas, estavam maravilhados com o clima, a fauna e a flora do planeta. Aparentemente a natureza chegara a sua perfeição com esse planeta, o que lhe valeu o nome: planeta paraíso. O relacionamento com os nativos era perfeito, eles faziam de tudo para agradar aos viajantes do espaço. Junto com as análises técnicas enviadas para a terra, sempre seguiam elogios aos mesmos.
São bastante parecidos com o homo sapiens. Assim como tudo no planeta, os servos (assim se auto designavam) pareciam atingir o ápice da evolução. As mulheres são belíssimas, tem em torno de um metro e meio de altura. Os homens, mais altos, em torno de um metro e setenta, também formosos, forte musculatura, seriam notados em qualquer festa terráquea. Sua pele é coberta por fina penugem que lembra vagamente a superfície de um pêssego, muito agradável ao tato. Seus dentes perfeitos cintilam quando sorriem, o que acontece frequentemente, pois são muito alegres. Os olhos amendoados e de coloração arroxeada formam uma combinação perfeita com as orelhas levemente pontudas. Essas são as únicas diferenças visíveis, talvez possa haver outras nos órgãos internos. A genitália externa é exatamente igual a dos terráqueos, facilmente evidenciada, pois os nativos andam nus.
A FASE 3 inicia-se com a chegara dos sacerdotes educadores, sempre em numero de três. E coincidentemente, repete-se a tragédia na manhã em que era esperada a nave da terra. Os dois cientistas são encontrados mortos, por intoxicação. Os corpos são despachados na nave recém chegada. A apreensão toma conta dos três clérigos. Auxiliados pelos servos, sempre solícitos, mandam para a terra junto com os corpos, o vegetal causador das mortes. Com o máximo cuidado iniciam seu trabalho: o ensinamento das leis e da verdadeira religião. Seus informes regulares para a terra são confusos, aparentemente os servos são refratários aos ensinamentos, porém em momento algum se rebelam, continuam servís e atenciosos. As mensagens são enviadas a terra de dois em dois dias. Apesar da dificuldade de catequização, o relacionamento com os nativos é ótimo. Além de dedicar-se para satisfazer os sacerdotes, são muito curiosos e sempre interessados em novos conhecimentos. Tudo parecia correr bem quando abruptamente encerraram-se as mensagens para a terra.
Sempre em conformidade com a NCP, a ausência de informes que exceda uma semana, aciona imediatamente envio de tropa apaziguadora. Composta de dois militares e um civil, chegam ao planeta não mais com programa colonizador, mas agora com caráter investigatório.
São recebidos com festas pelos servos, porém evitam qualquer tipo de confraternização. Recolhem-se a cabana da coordenação que se encontra vazia. Iniciam o trabalho imediatamente, procurando qualquer coisa atípica. Aparentemente tudo esta em ordem, exceto pela ausência dos clérigos. Logo chegam os servos com bandejas de comida e jarras de sucos. O tenente George questiona o primeiro deles, - como sabiam que tínhamos fome?
- Os servos sabem, replicou o nativo.
- Vocês sabem o que eu quero? É isso?
- Sim.
- Esta bem, deixe a bandeja na mesa, por favor, temos que continuar nosso trabalho.
Os servos obedecem e o ultimo a sair, ao fechar a porta diz: - Fiquem tranquilos, a comida é saudável.
Os três se entreolham e mesmo assim, analisaram toda a comida e bebida. Após confirmarem a veracidade das palavras do nativo, sentaram-se e mataram a fome que já estava insuportável. Surpreenderam-se com o sabor dos alimentos. Não encontrariam qualidade igual nos melhores restaurantes da terra. Exaustos, dormiram até a manhã seguinte. Foram acordados pelos servos, com novas bandejas para o desjejum. Procederam como na noite anterior, primeiro examinaram a comida para depois saboreá-la. Passaram o dia examinando o acampamento avançado, a casa da coordenação. Quando examinaram as câmeras internas ficou evidente, os dois casais, após algum tempo passaram a se relacionar com os nativos, formando casais mistos. Apesar disso, tudo parecia desenrolar normalmente. No dia seguinte, já desanimados resolvem interrogar os nativos. Aparentemente não havia chefe ou hierarquia, então o tenente George manda que o sargento escolha alguém aleatoriamente para interrogar. Ao abrir encontra um nativo a espera como se o houvesse chamado.
- Eu não entendo, fala o tenente, esse vegetal venenoso, que vocês chamam de virgum é facilmente reconhecido, Anna, do primeiro casal era botânica, seria impossível ela comer sem analisar. Porque ambos os casais o comeram? A pergunta era retórica e para sua surpresa o nativo respondeu.
- Eles não sabiam que havia virgum na comida.
- Explique.
- Nos misturamos virgum com a comida.
- Mas por que? Vocês queriam mata-los?
- Não senhor, nos não queríamos mata-los.
-Mas então, por que os envenenaram?
- Com os dois casais de viajantes das estrelas aconteceu a mesma coisa. Após algum tempo aqui, separaram-se e passaram a viver cada um com um parceiro servo. Viviam muito felizes, mas quando chegou o tempo da partida, diziam que não poderia voltar com os parceiros servos. Não seriam reconhecidos pela sua religião. A separação não era aceita, apenas poderiam desposar outro sendo viúvos. E ambos desejaram ardentemente a morte de seus cônjuges. E seu desejo foi concedido.
O tenente estava atônito, o relato era um absurdo. – E os clérigos? Eles certamente não tiveram parceiros. Vocês sabem onde eles estão?
- Sim senhor.
O tenente chuta a cadeira, irritado por perder o dia anterior sem os interrogar.
- Onde eles estão?
- Perto daqui. Posso levar vocês.
Após meia hora andando chegam a uma clareira na densa floresta, quase impossível de ser encontrada por alguém que não conhecesse o caminho. Estupefatos, eles vêem os três sacerdotes crucificados.
Sem acreditar no que via o tenente balbucia: - Por Deus, por que fizeram isso?
- Esse era o maior desejo deles. Morrer como o seu Deus.