Os mundos e a violência
Quando o governo discursou sobre, de fato, existir vida dentro de livros, pinturas, revistas, e o que quer que fosse; houve alarde em todo o país e comoção. Fora decretado a proibição de obras que contivessem violência dentro delas – e a rigidez das leis e, incrivelmente, o cumprimento destas se tornaram marca daquele novo governo do politicamente correto. “Queremos extinguir a violência, seja neste mundo ou em outros. Tornamo-nos eternamente responsáveis pelos mundos que criamos, portanto não permitiremos que outros sejam criados na violência” – diziam os políticos.
O número de presos por desobedeceram as novas leis foi de tamanho tão absurdo que as punições precisaram ser adequadas aos números. Muitas pessoas foram mortas, assim como suas obras: queimadas e apagadas deste mundo.
As autoridades se mantinham perseguindo todas as obras que tivessem violência nelas e sumiam com estas. Quando encontraram pinturas de séculos passados que mostravam pessoas armadas – e que estavam guardadas a sete chaves por amantes da arte – ou qualquer outro indício de violência, dentro de um gigante armazém, foram queimadas. E assim o país seguiu por longos 10 anos até o decreto oficial que comemorava o fim da violência ficcional e a significativa diminuição desta no mundo real.
Não mais pinturas com violência. Não mais jogos com violência. Não mais livros com violência. Nada. A violência havia sido praticamente extinguida, não fosse por raros exemplares nas mãos de magnatas e governantes hipócritas.
Aquele país caminhava em paz... Não se sabia o que era violência. Tal palavra fora excluída dos dicionários e, toda forma agressiva demonstrada por alguém, passou a ser chamada de “simples exercício de fuga e de estresse”. Um grande nome eufemístico que se resumia na antiga e pequena palavra violência.
Mas a paz não durou para sempre. Os mesmos cientistas que outrora descobriram a existência de vida dentro de tudo que era criado representando qualquer tipo de realidade, também descobriram que existia uma balança natural entre a paz e a violência neste e naqueles mundos e que, destruindo as obras já criadas, não somente não se acabava com os tais mundos artificiais – apenas os fechavam na dimensão do mundo real trancando-os no mundo ficcional – como fazia com que eles se tornassem bolhas em expansão sem uma válvula de escape, a qual era nada mais, nada menos que o mundo real. Fechar as portas daqueles universos os tornou bombas relógios. E agora estavam prestes a explodir.
E explodiram. De repente, num piscar de olhos, portais se abriram nas ruas e dentro das residências – saindo deles tudo aquilo que havia de ruim e que fora proibido de respirar através do trancamento de seus mundos. E, aquela sociedade politicamente correta, que apenas conhecia agressividade em forma de “simples exercício de fuga e de estresse” não soube lidar com a violência. E aquela guerra onde um lado sabia atacar e o outro não sabia se defender teve rápido fim.
A nova sociedade sabia lidar com tudo que havia de ruim naquele e em qualquer outro mundo. A balança novamente estava reequilibrada e a sociedade com falhas progrediu por muito mais tempo que aquela politicamente correta, pois, afinal, os defeitos de uma se mostraram a fraqueza da outra – e a imperfeita e incorreta perdurou.