Artenio morava no interior de uma cidade bem pequena. A casa de Artenio era muito simples, pois seus pais eram muito pobres. Todas as refeições eram feitas sentados no chão em cima de uma esteira. Na verdade era um tapete arredondado de palha de carnaubeira.
Os pais de Artenio eram muito unidos e viviam brincando nas horas vagas. Aquele casal nunca discutia por nada e sempre estavam felizes, apesar das dificuldades financeiras.
Mas, um dia. Um belo dia a mãezinha de Artenio acordou doente e foi levada para o hospital. E aquela mãezinha ficou muito mal e era preciso ser transferida para um hospital particular, pois o hospital da cidade não oferecia condições para tratar a doença de dona Moquinha. Moquinha era como chamavam a mãezinha de Artenio, por ser uma mulher carinhosa e quando podia era caridosa também.
Dona Moquinha faleceu, pois seu marido, o senhor Arteiro, não podia pagar uma consulta particular. Três dias depois que ela foi hospitalizada faleceu sem ver seu filhinho Artenio. Artenio ficou muito triste com a morte de sua mãe e seu pai, o senhor Arteiro parece que ficou maluco, pois deu seu filho Artenio para uma senhora criar.
Verdade que essa senhora tinha condições. Poderia dar algo melhor para Artenio. Melhores alimentos, melhores roupas e podia até mesmo colocar Artenio na escola. Ah! Escola era um sonho que Artenio tinha, pois seus pais não podiam pagar uma escola pra ele e nos dias de Artenio não havia escola pública no interior.
Apesar da tristeza que sentia, Artenio sentia agora uma alegria: ia estudar! Era o que ele pensava e dona Monique prometeu ao seu Arteiro que daria escola ao seu filho.
Seu Arteiro pegou as poucas roupas que tinha, amarrou numa toalha de banho, enfiou um pau no nó da toalha colocou no ombro e foi embora. Artenio ficou chorando muito com a saída de seu pai. Ele chorava e dizia:
-Papai me leva! Me leva! Me leva, papai!
Mas, seu Arteiro não o levou e nem explicou porque não o levaria. Como pode um pai deixar seu único filho nas mãos de pessoas estranhas sem nem dizer ao menino que iria voltar!
Dona Monique não era estranha, mas Artenio andava pouco lá. Era como se fosse estranha mesmo. E enquanto Artenio chorava dona Monique nem ligava. Parece que não tinha compaixão, pena, tristeza por aquele menino órfão de mãe e agora de pai também.
Dona Monique morava quase só e seu marido trabalhava o dia todo e só chegava em casa à noite.
Ele era um homem sisudo, mal encarado e não sorria para ninguém. Quando seu Nestor chegava em casa a pouca alegria de Artenio se esvaia de seu semblante. Era como se sua mãe morresse de novo.
Artenio ia dormir, às vezes sem vontade, só para não ter que encarar seu Nestor. Quando seu Nestor olhava para Artenio era com um olhar reprovador, pois ele não queria que dona Monique pegasse Artenio para criar.
Um dia Artenio acordou e ouviu os dois discutirem baixinho:
-Eu não quero este menino na nossa casa. Dizia ele pra dona Monique. –Nossas filhas vão chegar da cidade e vão passar as férias em casa e como vamos ter um menino com nossas filhas?
Dona Monique disse que ele se acalmasse, pois ela cuidaria desse caso e afinal, ele estava exagerando, pois Artenio era só uma criança e não oferecia ameaça às meninas. Como mãe naquele momento ela sentiu que Artenio precisava de defesa, pois não tinha ninguém por ele.
Ao ouvir essa discussão, Arternio chorou quase à noite toda até que finalmente dormiu. Enquanto dormia Artenio sonhou com seus pais na casinha simples que ele morou.
Como sempre via, viu seus pais brincando um com o outro. Um fazendo cócega no outro e ambos rindo. Depois eles brincavam de pega-pega dentro de casa e o pai sempre ganhava da mãe, mas nunca eles se chateavam, pois era apenas uma brincadeira. Nesse dia, a mãe de Artenio disse pra ele:
-Meu filho, ainda vou ver você estudando, porque sei que você é muito inteligente. Depois que ela disse isso abraçou Artenio, mas ela estava chorando, pois sabia que não poderia pagar uma escola para seu filho. Nesse abraço Artenio acordou e quando viu que era um sonho começou a chorar.
Naquele dia resolveu passar até às 11 horas deitado. Ora chorava de saudades da mãezinha, ora ria das lembranças dela e de seu pai.
A vida de Artenio era triste, pois dona Monique não era carinhosa com ele e seu Nestor nem pensar.
Um dia dona Monique mandou Artenio pegar água no açude. Onde se viu uma criança de 7 anos pegar água no açude. Isso era costume naquele lugar. O lugar era muito pobre e não havia água encanada e os pais de Artenio faziam isso todos os dias. Pegavam um balde de 10 ou 20 litros e pegavam água para banho, lavar roupa e fazer comida. Mas, Artenio era uma criança e não tinha forças pra isso. Mas, infelizmente ele teve que obedecer e começou a pegar água. O pior é que isso se tornou corriqueiro. Todos os dias tinha que pegar água.
Se passaram já três meses que a mãezinha de Artenio havia morrido. Foi em setembro e já estavam em dezembro. Naquela casa não tinha criança além de Artenio. Quer dizer: tinha. Mas elas moravam na cidade para estudar. Seu Nestor era agricultor e tinha boas condições pra pagar escola pras filhas e na cidade também havia escola pública. De tanto ouvir dona Monique falar das filhas com as comadres que eventualmente andavam lá, Artenio já sabia o nome de todas e as qualidades também.
Das meninas de dona Monique, Artenio passou a gostar de uma só pelas informações. Era a Monalice. Monalice não saía do pensamento de Artenio. Pelas informações que ouvia era uma menina bonita, carinhosa, atenciosa e amiga. Segundo dona Monique, Monalice era uma menina de sentimentos. –As outras não. Dizia ela pras comadres. –As outras meninas são duronas assim que nem o pai.
Então chegou o fim do ano letivo. Terminou as aulas e as meninas vieram pra casa de carroça puxada por dois bois. Esse era o meio de transporte da época. Carroça de bois. As meninas já sabiam que morava um menino lá. E embora elas não tivessem irmão não se interessavam em saber quem ele era nem como era. Mas Monalice guardava no seu íntimo um sentimento: queria conhecer Artenio e ser amiga dele, pois suas irmãs eram chatas com ela.
Quando as meninas chegaram em casa Artenio vibrou de felicidades. Pelo menos agora nas férias ele tinha companhia. Mas, o pior estava por vir. Ao descer da carroça seu Nestor juntou as três filhas e recomendou com palavras firmes e duras:
-Não brinquem com esse menino, não conversem com ele e evitem ficar perto dele.
As três filhas de seu Nestor entenderam bem o recado, mas Monalice ficou triste. Porém, Monalice sempre dava um jeitinho de conversar com Artenio, claro, as escondidas. Dona Monique sabia da amizade da filha com Artenio, mas não se importava e às vezes até disfarçava para ninguém descobrir. Mas tudo o que é proibido um dia pode ser revelado. E imaginem quem pegou Monalice conversando com Artenio: pois é. Adivinharam. Seu Nestor em pessoa. Monalice ficou branca, amarela de medo e seu Nestor não evitou bravura. Ralhou com ela por quase duas horas e só não surrou por causa dos apelos da mãe e por ela ser muito pequena. Tinha apenas 6 anos.
Mas, uma coisa horrível aconteceu. Monalice adoeceu, ficou com febre e com fastio. Não comia, não falava com ninguém e não ficava boa da febre. Dona Monique e seu Nestor começaram a ficar preocupados com a menina e a maior preocupação era que estava chegando o Natal e os preparativos pra festa estavam pronto há dias. Não se sabe como, mas eles desconfiaram que aquilo era tristeza, mas não se deram por vencido. Entenderam que no Natal tudo ficaria melhor. Viriam os primos e as primas da cidade grande que certamente fariam Monalice esquecer aquele menino.
Mas, nada funcionou. Nem as brincadeiras, nem os presentes, nem a ceia do Natal foram capazes de arrancar um sorrio se quer de Monalice. A proibição de não falar com Artenio realmente abalou aquele coraçãozinho infantil e o deixou doente. Artenio também estava triste, mas precisava fingir para esconder. Como ele tinha responsabilidades e não podia conversar com ninguém, era fácil pra ele fingir.
Os dias se passavam e Monalice nem com remédios depois das consultas particulares, resolviam seu problema. A última vez que foram ao médico com ela o pediatra recomendou um psicólogo ou psiquiatra. Seu Nestor ficou assombrado, mas dada a gravidade do problema ele levou Monalice ao psicólogo.
Como ela não respondeu a nenhuma pergunta feita pela médica, a psicóloga apelou para o método do desenho. Deu-lhe uma folha de papel e um lápis e pediu para Monalice desenhar o que quisesse.
Monalice desenhou rapidamente e entregou pra psicóloga que ao ver ficou assustada. Ela desenhou duas crianças e distintamente identificadas pelo nome. Entre as crianças havia um homem carrancudo que impedia, pelo seu tamanho, de que elas se vissem tão amplo e largo era o homenzarrão. E para complicar ou facilitar a interpretação do desenho ela escreveu abaixo de cada desenho: Eu, papai, Artenio.
Sem dizer nada a profissional chamou os pais e perguntou na ausência de Monalice:
-Há algum menino na casa de vocês ou por perto e que o senhor proíba o contato dela com ele?
-Sim. Respondeu seu Nestor. – Eu proibi minhas filhas de falar com um menino que mora na nossa casa, mas peguei ela conversando com ele às escondidas e fui muito bravo com ela. Desde então ela não come, não sorri e não fica sem febre.
-Então, seu Nestor – disse a médica: - O menino é o remédio da Monalice. Deixe-os serem amigos e ela ficará boa.
Seu Nestor não teve outra alternativa e permitiu a amizade dos meninos que daquele dia em diante viviam a brincar e só brincar. A pedido dela seu amiguinho foi pra cidade estudar. Seu sonho realizou-se e sua mãezinha quando vinha lhe visitar em sonhos sorria de felicidades com ele. Monalice foi a libertação da tristeza de Artenio e ele foi seu remédio e foram amigos para sempre.
Nascido em Itaburuna, Amontada-Ce, em 1972, O autor deste conto, Carlos Jaime, sempre gostou de estudar e é fascinado por literatura. Sempre que tem tempo está rabiscando algum pensamento e criando textos em cordel, uma arte que ama.

Este conto fictício lembra muito a história de crianças carentes derramadas neste mundo a fora desde tempos antigos até os tempos contemporâneos. Esta realidade nunca passará. Sempre se repetirá na vida de alguém.
O conto ARTENIO E MONALICE tem uma beleza simples e encantadora que prenderá o leitor do início ao fim deixando-o apaixonado e emocionado pelo relato. Esta narrativa é emocionante!
Carlos Jaime é professor graduado e pós graduado em Língua Portuguesa e leciona no município de Itapipoca-Ce. Amante da literatura de cordel e das canções de Luiz Gonzaga, pois identifica dentro delas sua realidade de vida vivida nos sertões amontadenses.
CARLOS JAIME MATIAS. (ARTENIO E MONALICE) 09/09/2014

Este conto foi publicado em um livro de título: "HISTÓRIAS PARA VOCÊ DORMIR" especial de natal, e foi doado 2.000 exemplares à crianças carentes. Um projeto da Associação Literarte. A publicação foi no dia 04/12/2014.
https://www.facebook.com/grupoliterarte?fref=ts
CARLOS JAIME
Enviado por CARLOS JAIME em 14/12/2014
Reeditado em 14/12/2014
Código do texto: T5069085
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2014. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.