Viagem para o infinito
Andorf percebeu que estava acordado e imediatamente tentou se lembrar de onde estava. Não podia se mexer, mas estava confortável e se sentia bem. O primeiro nome de que se lembrou foi “Vendelig”. Sabia que era o nome da missão, sabia que era um astronauta. Em questão de segundos começou a ouvir uma voz. Era segura, forte, mas ao mesmo tempo amigável. Procurava transmitir confiança e certeza. Ao mesmo tempo poderia ser de homem ou de mulher. Identificou-se como “Drasus” ou IA768H, o computador encarregado da nave AM 25Y, também conhecida como “Radiance”.
Conforme as palavras penetravam seu cérebro, Andorf foi se lembrando. Aquela espaçonave era de uma segunda geração do tipo movida a base de antimatéria. A primeira geração teve alguns problemas, mas agora o sistema de propulsão era praticamente perfeito. Foi se recordando dos outros nomes da tripulação: Antonov, Raymond, Andrew, Luna, Kirsten e outros... Um total de 17 membros. Veio então à mente algo que, embora correto, parecia improvável. Estava hibernando há 52 anos dos 54 em que estivera viajando. O objetivo era alcançar um Planeta chamado Umulig, ou EXC2H, em Alfa Centauro. O tempo de viagem, com este novo tipo de propulsão, era de 55 anos, o que fazia sentido. Deveria estar mesmo saindo da “hibernação”. Um ano de preparação, em condições normais, era o mínimo necessário para se aclimatar. Estranhíssima a sensação de ver 52 anos se passarem em minutos ou horas, mas era o que sentia. Era impossível imaginar-se “congelado” todo aquele tempo.
Drasus avisou que em 39 minutos, ele seria recolhido por um robô. Não deveria tentar se mexer ou movimentar seus músculos. Haveria algumas horas de exercícios, coordenados pela máquina, antes de tentar fazer seus próprios movimentos.
Andorf tentou falar. Queria saber de seus companheiros. Pelo menos 9 deles já deveriam estar “acordados”, pela ordem e instruções que tinha antes do embarque. Drasus disse-lhe para ficar calmo. No momento certo, seria informado de tudo. O mais importante agora era sua acomodação ao novo status. Era um momento delicado e importante. O experiente astronauta sabia disso e calou-se.
Foram 53 horas e 27 minutos antes que Andorf pudesse finalmente falar e andar livremente pela nave, um verdadeiro gigante no espaço. Sentou-se diante de várias telas e algumas imagens holográficas na “estação de informação”. Finalmente Drasus responderia a suas perguntas. O experiente astronauta, entretanto, não estava preparado para ouvir o que estava para ser revelado
Há muito tempo atrás, o serviço de captura de sinais extraterrestres no Novo México, na “Nova República Americana”, bem como outros postos na Europa e nos Polos, haviam recebido um estranho sinal que se repetia, vindo de Alfa Centauro. Logo se percebeu que vinha do Planeta EXC2H, também conhecido como Umulig, que lembra uma palavra norueguesa para “impossível”. Depois de anos de análise, chegou-se à conclusão que os sinais vinham de vida inteligente, mas certamente muito diferente da nossa. Imediatamente as grandes potências pensaram numa missão de contato, que posteriormente foi batizada de Vendelig, que em Norueguês também lembra “infinito”. Nessa mesma época a coalisão internacional para exploração espacial, tinha feito um protótipo de uma espaçonave movida à antimatéria. Isso possibilitaria cobrir a distância em 54 anos. Para comandar essa espaçonave, precisavam de uma unidade de inteligência artificial, absolutamente perfeita e poderosíssima. Assim nasceu Drasus, ou “aventureiro”, o primeiro comandante não humano com autonomia total em termos de decisão. Drasus, além de ser uma obra prima da tecnologia, tinha também características humanas especiais e autoconsciência. Devido às características especiais dessa missão, foi inserido nessa preciosa máquina, ou computador, como se chamava antigamente, um componente de “aventura”, como sugeria o seu apelido. Isso possibilitaria a Drasus tomar, em ocasiões especiais, atitudes que desafiassem a lógica científica e o bom senso humano. Por isso, a tripulação também tinha de ser especial. Além de geneticamente preparada para uma missão desse tipo, teriam de se submeter às ordens de uma unidade de inteligência artificial, Drasus. Além disso, sabiam que não haveria volta. Essa era uma viagem só e ida, quaisquer que fossem as circunstâncias ou os habitantes de Umulig.
Ainda assim, Andorf, apesar de toda a preparação que tinha tido para circunstâncias extremas, ficou abalado quando Drasus lhe informou que ele era o único astronauta sobrevivente. A explicação era, segundo ele, bem simples. Devido a acontecimentos e eventos inesperados, ele não tinha como manter vivos os dezessete membros da tripulação. Tinha, por vários motivos, escolhido manter apenas Andorf. O sistema de “hibernação” tinha sido comprometido pouco antes da Radiance ter se aproximado do imenso sistema solar onde estava Umulig. Drasus tinha motivos sérios para acreditar que tinha havido interferência da inteligência do planeta objetivo da missão no incidente. Provavelmente, eles estavam interessados só na Radiance, não em espécimenes humanos.
A cabeça de Andorf fervilhava a essa altura. Veio então, a pergunta lógica: “O que aconteceu depois?” Drasus ponderou que não poderia retornar. Andorf duvidou dessa explicação, mas continuou ouvindo. Um equipamento como a Radiance não poderia ter sido criado em vão. Ele tinha de continuar. Conseguiu se livrar da nave robô que Umulig tinha enviado para monitorar a Radiance e continuou sua viagem. A espaçonave não tinha limite de combustível, pois esse existia em qualquer parte do universo. Iria até as bordas daquela galáxia, ou até o infinito, se precisasse. Nesse momento, Andorf se lembrou claramente do “espírito aventureiro” que havia sido implantado em Drasus. Com isso, algumas coisas ficavam claras.
Como se adivinhasse as dúvidas de Andorf sobre a decisão de voltar para a Terra, Drasus explicou os motivos de sua decisão. Enquanto eles estavam hibernados, quase cinco anos depois da partida, a Radiance tinha detectado um conjunto enorme de meteoros que estavam indo em direção ao sistema solar. A Terra certamente também seria atingida. Ele enviou a advertência para nosso planeta, mas sabia que não haveria tempo suficiente para preparação. Nós já tínhamos nos livrado de grandes meteoros, mas esses eram muito acima dos normais e em grande quantidade. Não havia porque voltar para nosso querido planeta. Provavelmente estaria tudo destruído quando lá chegassem. “Voltando a seus colegas de missão”, explicou Drasus para Andorf, “eu não posso ressuscitá-los, mas posso recuperar seu material genético. Lógico, precisávamos de pelo menos um vivo e é por isso que arrisquei a própria Radiance para mantê-lo vivo.” Ao invés de transmitir confiança a Andorf, isso encheu-o de suspeitas. A essa altura, já achava que a ideia de um “Drasus aventureiro” tinha sido um erro colossal.
Andorf não sabia o que pensar. Refeito parcialmente, ele tentou verificar o atual status da Radiance, tempo de viagem, localização, etc. Percebeu que Drasus tinha modificado alguma coisa no sistema. Arguido sobre isso, ele disse que iria restaurar o sistema imediatamente, mas poderia adiantar alguns dados. Estavam então viajando há 178 anos, quase no limite da Galáxia. Diante do espanto de Andorf, Drasus procurou acalmá-lo. Disse que em alguns dias eles começariam a ver um espetáculo de rara beleza; um berço de estrelas. Mesmo sendo verdade, aquilo era, obviamente uma distração.
Drasus convenceu Andorf de ter um sono prolongado, para digerir as informações, que ele mesmo considerava estonteantes. O astronauta concordou, mesmo porque sua cabeça explodiria com tanta informação inusitada.
Depois de fazer uma inspeção nas câmaras de hibernação, onde pôde ver os corpos de seus colegas, Andorf procurou um lugar isolado para dormir, sem assistência de Drasus. Passou alguns dias assim, dormindo bastante e, quando acordado, passando por diversas partes da nave. De vez em quando falava cm Drasus. Queria dar a impressão a ele de que tinha assimilado as novidades. Sabia, é claro, que Drasus tinha excelente capacidade de análise das expressões faciais e tentou esconder ao máximo seus pensamentos. Na verdade, procurava não pensar profundamente sobre a situação, para que nada fosse detectado de seus sentimentos.
Um dia acordou com o alarme emitido por Drasus. Era para ele se dirigir à sala de observação. Já era possível ver a paisagem cósmica que tinha sido anunciada. Curioso e apreensivo ao mesmo tempo, lá foi Andorf.
Drasus tinha razão, a visão era fenomenal. Mesmo com a perfeição com que se viam as imagens do cosmos na Terra, com todos os avanços tecnológicos, ver tudo aquilo “in loco” era algo mágico. O astronauta ficou numa espécie de estado de êxtase por algumas horas. Sabia que aquilo duraria meses pelo menos, dependendo do ângulo e da direção da Radiance. Sentou-se, fechou os olhos e meditou um pouco. Estava preparado para aquilo. Estava em seu DNA: estar pronto para o imponderável, para o inusitado, para o impossível. Teria de falar com Drasus.
Dormiu bastante, olhou mais algumas horas para a incrível paisagem cósmica. Ela já havia mudado um pouco e parecia mais surpreendente ainda.
Depois, começou a falar com Drasus. Parecia que ele já sabia o que Andorf tinha para falar. Queria saber dos planos e qual a parte que ele representaria nos mesmos.
Drasus explicou que, em dez anos, estariam em um sistema solar que tinha vários planetas com enorme possibilidade de vida inteligente. Sabia que poderia fazer contato, que poderiam finalmente encontrar um lugar para pousar ou talvez ficar em órbita. Talvez alguma dessas civilizações tivessem um tipo de comunicação que fosse mais rápida que a luz. Ele, agora, sabia que isso seria possível. Podiam tentar contatar a Terra. Quem quer que encontrassem, teriam, através dos dois, Andorf e Drasus, dois dos maiores e melhores exempares da Terra. Por isso, ele tinha arriscado muita coisa, preservando Andorf. Além disso, eles teriam todo o material genético dos outros 16 membros da tripulação. Poderia ser o começo de algo muito significativo e importante.
Por algum motivo, Andorf desconfiou que pelo menos metade daquilo era mentira. Fez a sua melhor cara e procurou concordar da melhor forma possível. Foi então que Drasus sugeriu que dez anos era muito tempo para ficar em vigília. Andorf argumentou que a Radiance era enorme e que ele adoraria usar todo esse tempo para conhecê-la melhor, explorá-la. Drasus não retrucou.
Passaram-se algumas semanas e Andorf realmente começou a vasculhar a Radiance. Conversava bastante com Drasus para trocar ideias e dados. Parecia uma maneira ótima de passar o tempo. A verdade, porém, era que os dois estavam dissimulando e os dois sabiam disso.
Andorf dormia em lugares diferentes cada dia. Talvez suspeitasse de algo. Naquela noite, embora todo dia fosse dia e noite o tempo todo, estava especialmente cansado. Adormeceu logo. Passadas umas duas horas acordou com um cheiro diferente. Agradável, porém. Não demorou muito, entretanto, para ele perceber que aquilo era uma cilada. Era uma espécie de gás paralisante. Já não mexia mais os músculos, embora estivesse consciente. Não demorou muito para que dois robôs chegassem com uma espécie de maca especial. Foi levado para uma câmara de hibernação. Estava óbvio o que Drasus estava fazendo. Uma vez instalado e inerte dentro dela, Drasus começou a falar. Que sentia muito, mas que não havia outra alternativa. Que era para seu próprio bem, era a única maneira de sobreviver. Andorf pensou se ele tinha falado a mesma coisa para seus colegas astronautas quando eles foram “desabilitados”. Nada disso importava mais, porém, e Andorf sabia que algo assim aconteceria. O IA768H tinha uma missão, a “sua” missão, e nada o seguraria.
Conforme foi perdendo a consciência, Andorf raciocinou que talvez Drasus o conservasse, talvez precisasse dele mais tarde. Entretanto, sabia que não seriam 10 anos ou cem. Seriam centenas de anos ou mais. O objetivo de Drasus, a unidade IA768H, o “aventureiro”, era sem limites. Sua missão final era o infinito, onde sua Radiance pudesse chegar. Esse foi o último pensamento de Andorf.
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Histórias do Futuro