Os que perderam o ônibus

OS QUE PERDERAM O ÔNIBUS



Miguel Carqueija



A chuvarada caía em inclementes bátegos pesadíssimos, as trovoadas reboavam e eu, correndo na escuridão da madrugada, chapinhando nas poças, tentava desesperadamente alcançar o ônibus que se afastava. Outro homem, altão, desengonçado e com pasta 007, corria também, pouco à minha frente, até que ambos desistimos.

- E agora? - falei, ofegante, ao desconhecido. - Depois desse, só às quatro da madruga...

- Sei de um beco aqui perto onde podemos nos abrigar um pouco. Não é bom ficar aqui, pode até cair um fio elétrico!

Eu concordei e nós corremos e corremos, até o beco escuro e estreito. Mal eu acabava de me encostar à parede nua, ele olhou para mim, com sua cara bexiguenta, e gargalhou:

- É tão fácil enganar os terráqueos! Lamento, seu tolo, mas a sua hora chegou!

- Do que você está falando? Que negócio é esse de "terráqueo"?

- É que eu não sou deste mundo, sou um voluptiano de Dorado! Veja!

As suas mãos se transformaram em garras e o seu rosto, mudando de forma, adquiriu uma bocarra de jacaré, com dentes agudíssimos, e na cabeça surgiram chifres.

- Que horror! - exclamei, recuando.

- Faça suas preces, terráqueo! Nós, voluptianos, possuímos grande apetite!

Eu sorri.

- Cometeu um engano, seu trouxa. Eu não sou um terráqueo!

- Ah! Ah! Essa é boa! O que você é então?

- Veja você mesmo.

Comecei a me transformar - é bom ser de uma raça polimorfa! Meus braços viraram tentáculos cheios de ventosas.

- Um vercingetórix de Epísilon! - disse ele, com terror nos olhos; tentou fugir, mas já era tarde; meus tentáculos seguraram-no firmemente e minha grande boca se abriu:

- Não importa a fama que vocês têm na Galáxia. O nosso apetite ainda é o maior - comentei ironicamente.


(conto inspirado no filme MIB, de Steven Spielberg)