Um Estranho Mundo /11

As muralhas de Kiodo eram feitas de pedra, com talvez 6 ou 7 metros de altura. Eu não saberia dizer se isto era maior ou menor que uma muralha típica de uma cidade antiga da Terra, mas para mim, parecia bem alto. As casas da cidade, por outro lado, me pareciam baixas, em sua maioria, com apenas um andar. O que eu imaginava ser o castelo do Rei se destacava não tanto pela sua altura quanto pelo contraste com as outras edificações. Talvez, ao todo, ele tivesse 3 andares, o que não me parecia muito para uma cidade daquele porte, mas era largo, e eu não conseguia ver quão comprido ele era.

Eu quase esperava ver um estilo japonês nas construções, o que iria confirmar minha quase certeza que os Lepare, por alguma razão, falavam japonês, mas a arquitetura não parecia com nada que eu pudesse identificar.

Os Lepare não me dirigiram a palavra nem conversaram entre si, e foi em silêncio que me levaram até o palácio. Me acompanharam, também em silêncio, até uma sala com uma única porta, e me deixaram sozinho ali. Eu imaginei que em breve seria levado até a audiência com o Rei, mas fui ficando mais nervoso a medida que ninguém aparecia. Ao mesmo tempo, me perguntava se deveria tentar sair. Ninguém havia me proibido, mas creio que pelo único fato de que ninguém havia sequer tentado falar comigo.

Por fim, depois do que na hora me pareceu um longo tempo - em retrospecto talvez 30 minutos, talvez 1 hora - três guardas entraram, todos com espadas desembainhadas, seguidos por Shiri.

- O que está acontecendo, Shiri? - eu perguntei, mas ela não me respondeu, nem mesmo me olhou, a cabeça abaixada, os olhos fixos no chão. Os três guardas me cercaram. Só então ela falou.

- Se iniciar qualquer conjuração, não importa o motivo, você será morto imediatamente. Da mesma forma, se se mover na direção do Rei ou fizer qualquer ato ameaçador - mesmo enquanto falava, ela não olhava para mim.

- Não estou entendendo, Shiri.

Mas ela não me respondeu, apenas se moveu para o lado dando espaço para outro Lepare entrar, vestido de forma semelhante a Lorde Gan, apenas mais velho, eu supus pelos pêlos brancos, e mais em forma. Ele nada disse inicialmente, nem fez menção de se aproximar, apenas ficou me olhando em silêncio, até que, por fim, falou:

- Por que você veio ao meu reino, forasteiro?

Seria este o Rei? Imaginava que iriam me levar a algum tipo de sala do trono, com pompa e cerimônia. Talvez fosse apenas mais alguém para me interrogar antes de me levarem à audiência. O que deveria responder? A verdade, ou seguir pelas superstições de Shiri, de que os deuses haviam me enviado? Resolvi responder de uma forma que não me comprometesse com um cenário ou outro.

- Shiri acredita que sou um enviado dos deuses, senhor - Shiri repetiu minha resposta na lingua dos Lepare, substituindo 'senhor' por 'alteza', ao mesmo tempo que me lançava um olhar que deixava claro qual o tratamento correto.

- E você nada fez para desfazer esta percepção. - a voz do Rei era austera, mais grave do que estava acostumado ouvir dos outros Lepare - E o que você diz, forasteiro? Quem você afirma ser?

Eu hesitei, e de súbito me tornei particularmente consciente dos três guardas prontos para me matar que me cercavam. Medi com cuidado minhas palavras.

- Eu sou apenas um viajante de muito longe, alteza, que chegou até aqui por acidente.

- Um conjurador humano que chegou aqui no mesmo momento em que Argenat planeja a tomada de minha cidade? Por coincidência? Seu plano não vai funcionar, espião de Argenat.

- Eu não vim de lá. Shiri, diga-lhe, você conseguiu ver que não sou destes Argenat - Ela não me respondeu, apenas traduziu minhas palavras para o Rei.

- Ela não está participando desta audiência, espião, está aqui apenas como sua intérprete. E ela apenas pode perceber que você não fala a língua de Argenat, não que não está a serviço deles. Eu vou lhe perguntar uma última vez. Quem é você, e por que veio aqui?

Minha vida poderia depender de minha resposta, mas eu não tinha nenhuma resposta diferente para lhe dar.

- Eu não fui enviado por ninguém, majestade, nem pelos seus inimigos, nem pelos deuses. Eu sou apenas um viajante de muito longe, que nada sabe sobre seu reino e seus inimigos. Esta é a pura verdade.

- Você está enganado ou mentindo, forasteiro. Eu descobrirei qual dos dois. Para seu bem, é melhor que os deuses o tenham enviado, como Shiri acredita.

Dizendo isto, o Rei se virou e partiu. Shiri olhou uma última vez para mim, e falou, em uma voz quase inaudível - tenha paciência, vai dar tudo certo.

Só quando ela também partiu me dei conta que não ouvi a tradução em minha mente. Ela falou na minha própria língua.

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Ashur
Enviado por Ashur em 20/06/2014
Código do texto: T4852241
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